Existe um relato sobre os internos que antigamente estavam em hospícios se encontrarem em estado de sobrevivência muito pior do que o período ao qual estavam internados.
Tal informação nos levou a uma reflexão profunda sobre o tema. Afinal, a população leiga tem a certeza concreta que o hospício público não mais recupera ninguém.
Aliás, caminho diametralmente oposto, pois o Estado com orçamento deficitário e sem uma monitoração eficiente, não acompanha e, tampouco, reabilita qualquer interno.
E, como poderia ser diferente? Várias doenças psicológicas diversas, diagnósticos complexos com tratamento individuais e remédios específicos, muitos dos quais o Estado não dispõe em seu acervo.
Esses problemas somados a alguns outros foram os elementos culminantes para decretar o fim de vários hospícios de uma maneira geral.
Como de praxe, a resolução interfere diretamente no tratamento das pessoas com problemas psicológicos sem condição financeira.
Pessoas com situação econômica estável, não possuem essas dificuldades visto que a possibilidade de internação em uma clínica de emagrecimento, combate ao stress, dependência química resolvem o cerne da lacuna causada e, ainda propicia uma dissimulação da doença em si.
Ninguém duvidará se uma grande atriz se internar num spa para relaxar, mas, e se na verdade o motivo da internação foi um tratamento psiquiátrico urgente? E, simplesmente a imprensa não foi informada sobre o real motivo da internação? Com facilidade a situação transcorreu de forma incólume.
Uma pessoa menos favorecida não tem a mesma possibilidade de fuga, ou mesmo uma solução simplista...
A grande querela na questão estatal é que o serviço cessou, no entanto, não adveio nenhum tratamento alternativo, o que propiciou um descaso e um agravamento no quadro dos ex-pacientes, pelo simples fato de não haver cuidados médicos apropriados.
O manicômio sabidamente representa um problema à população e ao Estado. Primeiro pelo elevado custo da instituição em si e segundo pelo dinheiro despendido com os enfermos e os remédios.
Sendo assim, o que fazer com os doentes?
De tal sorte, fechar os olhos para os internos e afirmar que os problemas deixaram de existir seria uma leviandade sem precedentes. Exatamente por isso as estatísticas são atualmente desfavoráveis.
Será correto manter os doentes à margem, apenas para admitir que o sistema antimanicomial tinha razão?
A resposta é negativa, ninguém escolhe ter um problema psicológico, neurológico ou a necessidade premente de um tratamento ambulatorial constante e duradouro.
Entretanto surge o elemento visceral desta reflexão: afinal o manicômio faz falta?
A questão é tão complexa quanto o próprio debate. Certa feita, já escrevemos sobre os desmazelos do sistema manicomial. Nosso entendimento é que se trata de uma prisão perpétua ao enfermo, pois este é tratado de forma inadequada, o que impossibilita uma melhora.
Ademais, o controle e as visitas clínicas não são reparadores e tampouco sana a doença, motivo ao qual levou o paciente a tratamento.
Então, a equação lógica é a imediata colocação do doente para fora da instituição. Ótimo, todavia, uma pessoa que necessita de cuidado especial e não consegue, terá uma alternativa melhor do que ter um tratamento inadequado?
Intrigante, uma pergunta a qual o interlocutor não esboça nenhum movimento labial para respondê-la. O Estado, por sua vez, também se cala, na esperança de calar também os críticos e assim fortalecer e reinserir sua antiga política de utilização de manicômios. E a opinião pública também se cala por não saber lidar com a situação
O tempo se escoa e vida após vida se finda em busca de uma resposta, mas qual a pergunta mesmo?
Para o enfermo pobre é apenas uma: por que fizeram isso comigo?
No hospício eu era tratado (se de forma adequada ou não é outra questão), também havia outras pessoas, tinham enfermeiros e agora só existe a insegurança e a dura realidade de não restar ninguém que se interessa por mim...
Esse pensamento pode ter sido um total devaneio nosso, mas será tão disparatado do imaginário de alguns dos ex-internos?
Solucionar essa lacuna é complexo e delicado, mas não fazer nada é o mesmo que desenvolver um pronto-socorro psiquiátrico. A eficácia da solução é efêmera, porque sem um acompanhamento não haverá melhora ou alteração do quadro com o transcorrer do tempo.
O manicômio nunca foi e está longe de ser uma alternativa palatável. No entanto, ao invés de grandes locais com tratamentos uniformes, não seria mais eficaz a criação de pequenas clínicas psiquiátricas para atender problemas mais comuns como depressão, síndrome do pânico e similares?
Gastos aceitáveis, pessoas atendidas e medicadas que resolveria uma parcela do problema.
E o resto?
Para os demais poderia ser reutilizado o manicômio, porém com propósitos de tratamento distintos dos atuais e com uma medida de segurança por tempo determinado com verificação constante e avaliação psiquiátrica para atestar a melhora ou piora do paciente.
Além disso, um número suficiente de enfermeiros para uma proximidade maior com o paciente e uma medicação ministrada de forma adequada e conforme o problema e não administrada de forma indiscriminada.
Solução ridícula e banal a proposta aqui, pensará o leitor. De acordo, mas será melhor dar um tapinha no ombro do doente e desejar-lhe boa sorte no mundo real?
Ou então contar com a compreensão e interesse da família, que não sabe lidar com sua doença e, tampouco tem recursos para comprar os medicamentos? Seria uma questão de tempo até um novo tapinha nas costas...
E o fim dessa equação? Além do incremento das estatísticas negativas decorrentes do falecimento de ex-internos? O tapinha nas costas do Estado para com a população, porque não há o que fazer...
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