RESUMO: A conduta criminosa e sua real motivação é um mistério perseguido pelas mais diversas ciências sociais que se aliam ao Direito nesta busca. Dentre elas encontra-se a Psiquiatria Forense, sendo esta um desdobramento da Criminologia. Estabelecer um paralelo entre a condição mental do agente e os delitos por ele cometidos, descrevendo um perfil psicológico que sirva de base para a aplicação da lei penal bem como para o alcance efetivo da finalidade da pena imposta, com vistas a promover a retribuição e a prevenção adequada do delito, é um dos objetivos primordiais de um Estado Democrático de Direito. Busca-se, no presente trabalho, analisar se há legítima comunicação entre a ciência do Direito Penal e da Psiquiatria Forense no que tange à definição de psicopata, demonstrando como estas ciências se auxiliam para a conclusão desde conceito e ainda, qual a postura que o Estado tem tido ante aos casos de psicopatia comprovados pela Psiquiatria Forense. Nesta linha de raciocínio, faz-se um comparativo de como a legislação e a política criminal brasileira se comportam ante um indivíduo que se classifica como psicopata, bem como um breve paralelo com legislações e julgados estrangeiros, concluindo, desta feita, pela ineficácia do direito penal pátrio frente aos casos de psicopatia diagnosticada, buscando-se, assim, uma resposta adequada a ser oferecida pelo ordenamento jurídico em tais casos.
Palavras Chave: Direito Penal. Psicopata. Psiquiatria.
A failure of the criminal law in the face of offender psychopath.
ABSTRACT: The criminal conduct and his real motivation is a mystery pursued by several social sciences that are allied to the law in this search. Among them is the Forensic Psychology, Criminology unfolding. Establish a parallel between the mental condition of the agent offenses committed by him, describing a psychological profile as a basis for the application of criminal law as well as the effective range of the purpose of the sentence, in order to promote the consideration and proper prevention the offense. We seek a definition that is between the two sciences depending on the concept of psycho, demonstrating how they assist from concept to completion and even what conduct by the State of the proven cases. In this sense, it is a comparative of how legislation and criminal policy Brazilian behave before an individual qualifies as a psychopath and foreign laws and the appropriate response to be provided.
Key Words: Criminal Law. Psychopath. Psychology.
1. INTRODUÇÃO
Entender as razões morais e as motivações que levam o indivíduo a cometer delitos, analisando sua personalidade e a perspectiva sociocultural em que está inserido é crucial para a aplicação da lei penal ao caso concreto. Os operadores do direito necessitam de tal avaliação para que, conjuntamente com outros indícios e elementos de provas, possam desenvolver teses eficazes e, com base nisso, buscar possíveis absolvições, quando for o caso, ou a fixação da pena adequada e proporcional ao delito cometido; ou, por fim, alcançar a aplicação da medida de segurança quando o caso demandar.
Por tais razões, a Psiquiatria Forense, como ramo da Criminologia, se tornou responsável por formular conceitos e elencar elementos relevantes tanto para a área da psicologia quanto para a área jurídica, exatamente no intuito de fornecer elementos indispensáveis para que se possa ser feita uma análise minuciosa a respeito da personalidade do delinquente.
É nesta seara que surge uma figura importante no cenário onde figuram a Psiquiatria Forense e o Direito Penal: o psicopata. A Psicopatia é o tema central desta pesquisa, e será mais bem definido e explicado a seguir.
A pesquisa foi dividida em três momentos. Inicialmente, buscou-se traçar a existência de um elo de comunicação entre a psiquiatria forense e o direito penal. Nesse momento, o objetivo do trabalho é constatar se há uma efetiva, ou pelo menos uma probabilidade viável de comunicação entre as duas ciências, bem como a contribuição que uma pode ofertar à outra para se alcançar a correta finalidade e espécie da pena que será imposta.
Em seguida, num segundo momento, será analisado o conceito da terminologia “psicopata” frente a diversos estudos realizados. Para tanto, serão analisados textos de Psiquiatria para que se possa definir o conceito do termo “psicopata”, e, posteriormente, uma abordagem acerca de seus julgamentos morais.
Inúmeros estudos foram realizados no intuito de saber se o indivíduo que é entendido como psicopata é capaz ou não de realizar julgamentos morais e de determinar (ou não) sua conduta de acordo com tais julgamentos.
O resultado desta segunda fase tem impacto direto sobre o terceiro momento da pesquisa. Será tratada a questão jurídica da psicopatia: qual a resposta oferecida pelo Direito Penal Brasileiro para os crimes cometidos por tais indivíduos? Neste sentido, será abordada a questão da (in) imputabilidade, os meios de prevenção e retribuição utilizados pelo direito penal frente à violação de um bem jurídico tutelado.
Ao final, chega-se a conclusão acerca da (in) eficácia do direito penal brasileiro como resposta social dada aos atos praticados pelo psicopata delinquente.
Além disso, haverá uma reflexão a respeito de legislações que tratam de exames psicológicos/psiquiátricos como método procedimental para se qualificar um individuo como psicopata e sobre a existência ou ausência de projetos de lei que tratam do tema “psicopatia e justiça”.
Por fim, serão trazidos alguns dados internacionais e nacionais atinentes à situação de crimes cometidos por psicopatas a fim de ilustrar a atuação dos tribunais estrangeiros e nacionais quando deparados com este tema.
Desta forma, o escopo primordial do presente trabalho é colocar em debate a figura do psicopata no Judiciário Brasileiro. Inicialmente porque este tema é pouco discutido no país, seja por psiquiatras seja por estudiosos do Direito.
Ademais, diante do convívio natural destes indivíduos em sociedade até o efetivo cometimento de qualquer delito que culmine no cerceamento de sua liberdade, e/ou da forma reiterada com que alguns destes agentes cometem crimes é importante haver um estudo interdisciplinar sobre tal realidade, a fim de coibir e prevenir a prática destas condutas, através de eficazes e adequadas politicas públicas à este tipo de agente.
A relação entre a Psiquiatria Forense e o Direito Penal sempre foi pouco estudada em termos científicos, se comparada com outras áreas do saber. Não obstante a existência de poucos trabalhos publicados acerca do assunto, as diferenças existentes entre as legislações penais dos países dificultam as comparações de resultados, muito embora tais diferenças possam oferecer subsídios para o melhoramento das leis, ao apontarem exemplos de soluções bem sucedidas.
Além da escassez de estudos, as metodologias distintas empregadas por essas ciências ocasionam prejuízos na comunicação entre os profissionais das respectivas áreas, tornando necessária uma maior investigação acerca da relação existente entre a Psiquiatria Forense e o Direito Penal.
No Brasil, em se tratando de processo penal, quando há existência de duvidas quanto à saúde mental do réu, o juiz instaura incidente de insanidade mental, a fim de dirimir tal questão.
Nesse ínterim, é feita uma perícia psiquiátrica para se aferir a capacidade de imputação do indivíduo, objetivando constatar se o mesmo era culpável no momento da conduta. Em outras palavras, busca-se averiguar se o sujeito, no momento da prática da conduta definida como ilícita, tinha o discernimento necessário para entender o caráter ilícito e se portar de forma diversa do que se portou, devendo, desta feita, ser responsabilizado. Ou concluindo-se, com a perícia, pela não culpabilidade, buscar os mecanismos que o direito penal disponibiliza para tais situações.
A perícia psiquiátrica penal, como denominam diversos autores, é procedimento de extrema complexidade, pois exige vasto e profundo conhecimento da matéria psiquiátrica, bem como noções de direito penal e habilidade na elaboração de laudos, os quais serão considerados como provas, influenciando, inclusive, o magistrado na prolação da sentença.
O Código de Processo Penal estabelece em seus arts. 157 e 182, que o juiz é livre para decidir, inclusive podendo aceitar ou rejeitar laudos psiquiátricos levados à sua apreciação.
As mais diversas Escolas Penais trataram com a maior relevância o estudo da mente criminosa ao longo do tempo, tendo como objeto de estudo principalmente o criminoso em si, considerando suas compleições físicas – o atavismo de Cesare Lombroso (tratado antropológico-experimental do homem delinquente, publicado em 1881) e Rafael Garofalo (Criminologia, obra publicada em 1885) insertos na Escola Positiva - quanto em suas características psicológicas e das circunstâncias em que o fato típico foi cometido.
A escola positiva recebeu respaldo também da psiquiatria, principalmente através das concepções de Morel, expostas em seu Tratado das Degenerescências, publicado em 1857. As degenerescências para o autor seriam desvios, no sentido da degradação moral. Entre os degenerados estavam todos aqueles indivíduos criminosos contumazes e perversos, incapazes de comportar-se conforme os ditames da lei.
Neste cenário de discussões surge a Criminologia como área da Ciência Penal que abarca um conjunto de conhecimentos acerca da análise do delinquente, de sua conduta e das circunstâncias em que o delito foi cometido, fornecendo subsídios para o estudo criminológico-social e informações para a criação e aperfeiçoamento das leis penais (HASSEMER e CONDE, 1989 p.17).
A psiquiatria a partir do século XVIII, com Pinel, começa a sistematizar uma classificação e, portanto, uma melhor discriminação dos atualmente chamados transtornos mentais e de comportamento. O trabalho de Pinel seria continuado por grandes nomes da psiquiatria, entre eles, Esquirol, Morel, Kraepelin, Bleuler e Krestschmer (BERCHERIE, 1989).
O estudo da psicopatia como uma característica intrínseca do indivíduo, considerada como a determinação de um tipo criminoso nato, teve sua gênese em Pinel, e sua linha de pesquisa teve como grande expoente Prichard, que buscou definir o termo insanidade moral (BRUNO, 2005, p.93). São esses autores os pioneiros a levar em consideração, em estudos de caso, a possível existência de transtornos mentais mesmo quando o raciocínio parecia intacto (TRINDADE e outros, 2009, p.43).
Nessa esteira de raciocínios, pode-se afirmar que a psiquiatria tem por escopo informar o direito penal acerca da sanidade mental do indivíduo, bem como sobre seu desenvolvimento mental retardado ou incompleto, seu grau de periculosidade, estado de embriaguez (se preordenada, acidental, completa ou incompleta), simulação de loucura, necessidade de imposição de medidas de segurança ou de tratamentos ambulatoriais a serem aplicados.
Auxiliando, também, na assistência aos doentes mentais criminosos e aos criminosos que são acometidos de transtornos ou doenças mentais durante o cumprimento da sua pena. Portanto, a psiquiatria é responsável por informar os limites e os modificadores da responsabilidade penal, de forma implícita ou explicita.
A avaliação pericial tem como um de seus principais objetivos, estabelecer o diagnóstico da situação atual do indivíduo. Para esta avaliação, os critérios são basicamente os mesmos que aplicados na psiquiatria clínica geral, ou seja, um exame psíquico para avaliação do estado mental atual do individuo. Procura-se, com ela, avaliar a existência de alguma doença ou alteração psíquica atual para, a partir daí, o direito penal poder incidir sobre o caso concreto.
A necessidade de se amoldar a linguagem médica-psiquiátrica à linguagem jurídica é uma verdadeira arte, ou até mesmo um grande desafio no Brasil, visto que a legislação que aborda os diferentes aspectos psiquiátrico-forenses de alguém que viole a lei encontra-se inserida em diversos documentos legais, sem constituir um documento inteiramente dirigido para a avaliação e seguimento do indivíduo com transtorno mental, como ocorre em outros países, onde existe uma enorme proximidade entre as abordagens médica, psiquiátrica e jurídica.
Estudos internacionais efetivados no sentido de valorar a taxa de concordância entre o laudo psiquiátrico e a sentença judicial, mostram altos valores de concordância. Já no Brasil, até o momento, são pouco conhecidos estudos semelhantes, entretanto, a prática tem revelado que a recusa de um laudo psiquiátrico por uma autoridade judicial representa um número ínfimo de casos (GURGEL, disponível em http://www.unipac.br/bb/tcc/tcc-fe3be754dc83ec95db35385b33511a1a.pdf. Acesso em 03 de julho de 2013).
Em uma dessas poucas pesquisas, realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, percebe-se que há um elevado percentual de concordância entre laudos psiquiátricos conclusivos de capacidade parcial de imputação e sentenças judiciais, ou seja, o judiciário tem acompanhado a conclusão técnica do psiquiatra, muito embora tenham a opção de não acompanhá-la, sob o respaldo legal do artigo 182 do vigente Código de Processo Penal Brasileiro como já dito alhures. (GURGEL, disponível em http://www.unipac.br/bb/tcc/tcc-fe3be754dc83ec95db35385b33511a1a.pdf. Acesso em 03 de julho de 2013).
Há autores que sustentam que a psiquiatria é viabilizadora da atuação jurídica, uma vez que estabelece a doença com base na qual será determina a inimputabilidade, a irresponsabilidade e a periculosidade do indivíduo. A perícia, neste momento, mostra-se fundamental no que se refere à faculdade de livre convencimento do magistrado (GURGEL, disponível em http://www.unipac.br/bb/tcc/tcc-fe3be754dc83ec95db35385b33511a1a.pdf. Acesso em 03 de julho de 2013).
Ainda em relação à pesquisa suso mencionada, realizada pelo Ministério Público de São Paulo, Rafael Gomes, ao efetivar um estudo sobre a correlação entre psiquiatria forense e direito penal conclui:
O objeto de estudo foram os laudos psiquiátricos conclusivos de capacidade parcial de imputação e sentenças judiciais, acessados através de processos criminais. Tais processos foram obtidos inicialmente no Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo (IMESC), autarquia ligada à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, onde foram buscados os laudos e, em seguida, em alguns fóruns do Estado de São Paulo, locais onde foram buscadas as sentenças judiciais correspondentes. (...) Dentre elas, somente em duas não houve concordância com o laudo, estas foram da lavra de um mesmo Juiz de Direito e se referiam a crimes enquadrados na antiga Lei de Antitóxicos (Lei 6.368, de 1976) onde julgou os réus plenamente imputáveis, não concordando com o laudo psiquiátrico conclusivo de semi-imputabilidade. Assim, houve uma concordância de mais de 90% dos casos encontrados.
Ainda em relação à pesquisa, o tratamento ambulatorial foi a medida de segurança mais recomendada para os casos de retardo mental (75%), entretanto, foi observada também uma baixa concordância no que tange às medidas de segurança propostas pelos psiquiatras e aquelas determinadas pelos juízes para os indivíduos semi-imputáveis. Este é um dado devidamente intrigante e merecedor de estudos adicionais, pois a medida de segurança, ao definir se haverá tratamento ambulatorial ou em regime de internação, bem como a duração do tratamento, requer fundamentação técnica, muito embora a lei penal vigente no Brasil permita que os juízes decidam nessa matéria.
A relação entre o poder judiciário e a prática psiquiátrica nos Hospitais de Custódia e Tratamento (HCT) é mostrada em dois momentos distintos: inicialmente, e no que se refere ao procedimento jurídico propriamente dito, através de uma interferência que mostra-se limitante para a atuação médica em seus momentos de decisão (internação, determinação do tempo de tratamento e alta). No entanto, cabe ressaltarmos a articulação dos dois campos de atuação, no sentido de que a psiquiatria é viabilizadora da atuação jurídica, uma vez que estabelece a doença com base na qual se determina a inimputabilidade, a irresponsabilidade e a periculosidade. A perícia, neste momento, mostra-se fundamental, em que tange à faculdade de livre convencimento do juiz.
Em um segundo momento, ou seja, na cotidianidade, configura-se a prática psiquiátrica no HCT segundo a lógica que rege o procedimento jurídico que a envolve, ou seja, voltada para o futuro, parece eleger como objeto a periculosidade que é apresentada pelo crime inicial. Neste sentido, relativo aos pacientes em regime de internamento, a psiquiatria mostra-se, no HCT, como preventiva: a medicação e os procedimentos disciplinares medicalizados voltam-se contra um risco de um comportamento agressivo, constituindo-se uma interferência judicial no sentido de uma transplantação da lógica do procedimento jurídico.
O HCT, então, é uma instituição predominantemente custodial, na qual o tratamento é questionado pelos profissionais e pelos pacientes. A esta constatação, soma-se um tratamento que para alguns médicos é puramente farmacológico, insuficiente e falho, caracterizado pelo baixo número de atendimentos feitos pelos médicos assistentes a seus pacientes, o que foi evidenciado também a partir da análise de prontuários.
O psiquiatra forense Guido Palomba afirma que o tratamento do psicopata é a administração do comportamento dele. O que mais assusta os promotores é que a medida de segurança inicial máxima é de três anos, só que isso não significa que o condenado irá ficar apenas esse período. Terminada a pena, ele terá de passar por uma perícia psiquiátrica, que dificilmente irá atestar que o condenado tem condições de voltar à sociedade. E completa relatando a verdadeira realidade penitenciária do Brasil, que não apresenta profissionais suficientemente qualificados a realizar uma perícia psiquiátrica: "é diferente um psiquiatra clínico atuar como perito em um caso criminal, por exemplo. Tecnicamente, isso seria o ideal, mas a realidade do país é outra e posso dizer que não há profissionais suficientes no país para atender a demanda de análises e nem de unidades de casas de custódia e tratamento". Consequentemente, isto acarretaria um grande ônus a um réu na sentença final de um Juiz, que se baseando por um laudo médico, julga uma provável medida de segurança ou internação a quem não necessita. (GURGEL, disponível em http://www.unipac.br/bb/tcc/tcc-fe3be754dc83ec95db35385b33511a1a.pdf. Acesso em 03 de julho de 2013).
Outra pesquisa, também realizada em São Paulo, apresentada pela médica Psiquiátrica Maria Regina Rocha à Universidade de São Paulo, a fim de obter sua titulação no curso de mestrado, teve por objetivo cotejar o entendimento do poder judiciário frente à posição da psiquiatria forense para aferir, a partir daí, a existência de uma possível comunicação entre essas duas ciências:
Foram incluídos no presente estudo 70 processos em que o laudo psiquiátrico concluiu que os sujeitos submetidos à perícia eram semi-imputáveis, ou seja, tinham capacidade parcial da imputação.
(...) Esses laudos correspondem a processos instaurados contra 61 pessoas, já que um sujeito respondia a seis outros processos e outros quatro respondiam a dois processos cada.
Os processos estudados foram instaurados entre 1991 e 2000. Quarenta e sete (67,1%) processos foram instaurados a partir de 1998. Dois instaurados em varas federais e os demais em 26 comarcas do Estado de São Paulo. Na comarca da capital (São Paulo) tramitaram 24 (34,3%) processos e na maior parte das comarcas do interior apenas um processo foi incluído.
(...) Foi possível obter informações sobre o andamento de 39 dos 70 processos, o que corresponde a 55,7% da amostra estudada. A amplitude da área territorial das comarcas de origem dos processos, a dificuldade para se obter informações, em geral muito espalhadas, nos órgãos da justiça e a longa greve dos servidores do Poder Judiciário no segundo semestre de 2001 foram razoes para este elevado numero de perdas de seguimento.
(...) O trabalho mostrou ser extremamente difícil estudar em termos científicos a relação entre psiquiatria forense e o direito penal.
A concordância entre laudos psiquiátricos conclusivos de capacidade parcial de imputação e sentenças judiciais foi alta (91,7%, IC = 73 a 95%).
A concordância entre as medidas de segurança propostas pelos peritos psiquiatras e as medidas de segurança determinadas pelo juiz foi baixa (kappa = 0,03; p = 0,43). (RAMOS, 2002)
Com base no exposto, pode-se concluir que o direito penal deve se comunicar com a psiquiatria para ter eficácia e legitimidade, tendo em vista os fins para os quais foi criado. O diálogo entre essas duas ciências é indispensável e deve existir de forma límpida e indubitável, a fim de propiciar a busca de uma lídima justiça dentro de um ordenamento jurídico coerente.
2.1 A PSIQUIATRIA E O PSICOPATA
O criminoso que elimina a base ética, a saber, a complementaridade de uma comunicação sem coação e a recíproca satisfação de interesses, ao pôr-se a si mesmo como particular no lugar da totalidade – inicia o processo de um destino que também o há-de ferir. (..) O culpado tem de padecer sob o poder por ele próprio provocado da vida reprimida e dividida enquanto experimentar, na repressão da vida alheia, a carência da própria e, na aversão contra a vida alheia, a alienação em relação a si mesmo. Na causalidade do destino, opera o poder da vida oprimida, que só pode reconciliar-se quando, da experiência da negatividade da vida cindida, surge a nostalgia do perdido e obriga as partes a identificar, na existência alheia combatida, a sua própria negada (HABERMAS,1968)
A psiquiatria é a parte da medicina que estuda e trata as perturbações do comportamento humano, ocupando-se da personalidade global de um doente que sofreu ou sofre de um transtorno psicopatológico. Quando se faz aplicação à justiça da psiquiatria clínica, ela passa a ser designada de psiquiatria forense.
A psiquiatria forense pode ser contextualizada como o elo existente entre o enfermo mental e a lei, autorizando seu enquadramento nos dispositivos legais e regulamentares que dispõe acerca da sua situação em âmbito jurídico.
Indubitavelmente, a psiquiatria forense precisa estabelecer íntimos vínculos com a psiquiatria clínica, principalmente no que se refere ao diagnóstico e ao prognóstico, não sendo dispensáveis outros conhecimentos no que tange a criminologia, legislação e técnica pericial. É da psiquiatria, também, a missão de analisar, conceituar e explicar quem é o psicopata, interferindo no ramo jurídico quando este se depara com tal tipo de indivíduo delinquindo.
A psicopatia atualmente é entendida como um transtorno de personalidade, no qual o indivíduo apresenta elevado grau de insensibilidade pelos sentimentos alheios, falta de empatia, acentuada e indiferença afetiva que pode leva-lo a adotar um comportamento criminal recorrente (MORANA, Hilda C P; STONE, Michael H; ABDALLA-FILHO, Elias. Personality disorders, psychopathy and serial killers. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, 2012. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462006000600005&lng=en&nrm=iso. Acesso: 10 de julho de 2013.)
Francisco Costa Rocha foi mandado para a Penitenciária do Estado, na zona norte de São Paulo. Na prisão, ganhou um novo nome, dado pelos colegas de cela: Chico Picadinho. Ele nunca gostou do apelido. Um dia, um repórter do jornal Notícias Populares soube do apelido de Francisco e decidiu publicá-lo. A partir de então, o Esquartejador da Rua Aurora ficaria conhecido para sempre como o famoso Chico Picadinho.
No dia 13 de maio de 1968, Francisco Costa Rocha foi julgado. Ele foi defendido pelo advogado Flávio Markman, na época um campeão de júri. Ao ser interrogado, disse, entre outras coisas que Margarethe lembrava sua mãe, que ela havia sido abandonada por seu pai e mantinha relacionamento com vários homens. Francisco foi condenado a 17 anos de prisão – 15 por homicídio triplamente qualificado e dois por destruição de cadáver. Mais tarde, a pena foi aumentada para 18 anos. Na Penitenciária do Estado, Chico Picadinho sempre foi um preso de bom comportamento.
Ao ser submetido a uma avaliação psicológica na prisão, ele revelou vários detalhes de sua personalidade doentia. Disse que sua vida sexual sempre foi muito atormentada. Descobriu o sexo aos 8 anos ‘com tentativas de masturbação além de homossexualidade passiva’(MAURO e ARAÚJO, 2007).
O conceito de psicopatia foi proposto por Cleckley e desenvolvido por Hare, o qual relacionou a previsibilidade do comportamento psicopático e reincidência criminal, o que se tornou de grande valia para o sistema penal. Conforme tais autores, os psicopatas são caracterizados principalmente por suas condutas amorais e ausência de delírio, uma vez que possuem capacidade cognitiva incólume (MORANA, Personality disorders, psychopathy and serial killers, 2012. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462006000600005&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 10 de julho de 2013.)
Neste diapasão, há intrínseca relação entre essa patologia e a prática delituosa caracterizada pela ausência de julgamento moral e a reincidência criminal desses indivíduo .(MORANA, Personality disorders, psychopathy and serial killers, 2012. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462006000600005&lng=en&nrm=iso. Acesso: 10 de julho de 2013.)
Estatísticas apontam que, no psicopata, o índice de reincidência criminal é três vezes maior que nos demais delinquentes e que tais indivíduos representam cerca de 33 a 80% da população de delinquentes criminais crônicos. (TRINDADE, 2009)
Hodiernamente existem basicamente três correntes dispondo sobre psicopatia e buscando sua conceituação. A primeira delas trata a psicopatia como uma doença mental. A segunda a elenca como uma doença moral, enquanto a terceira a considera como transtorno de personalidade, sendo esta última majoritária. (SILVA,2008)
A discussão efetiva acerca da psicopatia originou-se no fim do séc. XVIII, quando alguns filósofos e psiquiatras passaram a analisar a relação existente entre livre arbítrio e transgressões morais, questionando se alguns transgressores seriam capazes de entender a consequência de seus atos.
Conforme exposto alhures, Philippe Pinel, em 1801, foi o primeiro a notar que certos pacientes, envolvidos em atos impulsivos e autodestrutivos, tinham sua habilidade de raciocínio intocada e possuíam consciência da irracionalidade da conduta que estavam perpetrando. Nesta época, como os estudiosos consideravam que “mente” era sinônimo de “razão”, qualquer que fosse a inabilidade racional ou intelectual que o individuo possuísse, o fazia ser considerado insano, possuidor de uma doença mental. Foi Pinel o percussor da teoria de que pode sim existir um indivíduo insano (manie), mas sem qualquer confusão mental (sans delire) (MILLON, 1998).
No ano de 1835, na obra A treatise on insanity and other disorders affecting the mind, o britânico J. C. Prichard aceitou a teoria de Pinel acerca do “manie sans delire”; no entanto, divergiu sobre a moralidade neutra deste transtorno (teoria abordada por Pinel), tornando-se um dos expoentes da teoria de que tais comportamentos significavam uma repreensível falha de caráter, passível de punição social.
Não obstante, Prichard deu ensejo a expressão “insanidade moral”, incluindo, nesta seara, diversas outras condições mentais e emocionais. Todos os indivíduos incluídos nesta “rotulação” eram portadores de um distúrbio na capacidade de se guiar conforme os “sentimentos naturais”, isto é, um íntimo e espontâneo senso de retidão, bondade, afetuosidade, compaixão e responsabilidade. Essas pessoas que detinham tal condição, apesar de suas habilidades de entenderem suas escolhas, eram tomados por um “sentimento superpoderoso”, que os levava a praticar atos socialmente repugnantes, como crimes (MILLION, 1998).
Tal corrente passou a considerar a psicopatia como doença moral, muitos utilizando, inclusive, o termo “loucura” moral. Nessa seara, a responsabilidade penal dos psicopatas deveria ser mitigada em virtude dessa suposta incapacidade de observar as regras jurídicas e sociais. (HALES, 2006)
Nesse sentido, o entendimento de compreender os psicopatas como “loucos morais”, por vezes, acabou por influenciar diversos casos concretos julgados por magistrados que passou a considerar tais indivíduos como semi-imputáveis, outras vezes como inimputáveis, prejudicando, todavia, a sociedade e os próprios psicopatas.
Henry Maudsley, contrariamente à teoria de Prichard, partiu da ideia da existência de uma parte específica do cérebro em que estariam insertos os “sentimentos morais naturais”. A esta construção de que déficits cerebrais nesta referida área seriam justificativas para os moralmente depravados, foram adicionadas abordagens antropológicas trazidas por Lombroso e Gouster, conforme já explanado anteriormente, quando falado do atavismo da escola positiva. (MILLION, 2008)
Em 1941, Hervey Cleckley tornou-se o principal autor a respeito do tema, dissertando acerca da psicopatia, com o livro “The mask of sanity”. Almejando esclarecer o termo “transtorno de personalidade antissocial” e outras terminologias problemáticas, Cleckley propôs a substituição do termo suso mencionado por “demência semântica”, almejando, assim, evidenciar o que ele observava de mais relevante na citada síndrome: a tendência de dizer uma coisa e fazer outra (MILLION, 2008).
Em 1944, Curran e Mallinson afirmaram que a psicopatia era doença mental. (HUSS, 2011)
Todavia, conforme pode ser observado historicamente, a psicopatia não deve ser encarada como tal, a exemplo da esquizofrenia. Parte expressiva dos profissionais da área da psiquiatria forense tece diversas e fundadas críticas contra essa linha de raciocínio, pois entende que a área cognitiva dos indivíduos psicopatas se encontra integralmente preservada, incólume, tendo, esses indivíduos, plena consciência dos atos que praticam (possuem, inclusive, inteligência acima da média da população), encontrando-se os problemas na esfera afetiva (sentimentos deficitários) (SILVA, 2008).
O indivíduo considerado psicopata não possui alucinações, psicoses ou neuroses (CLERCKLEY, 2013). Conforme estudos, os psicopatas gozam de plenas faculdades mentais, no entanto, possuem determinadas características cerebrais que os diferencia da normalidade. (CREMERJ, 1990)
A psicopatia também não deve ser resumida a mero transtorno de personalidade antissocial. Normalmente, os psicopatas compartilham características determinantes deste transtorno, mas isso não quer dizer que quem possui transtorno de personalidade antissocial é necessariamente um psicopata. O critério de diagnóstico utilizado para detectar este transtorno é denominado “Diagnostic and statistical manual of mental disorder” ou “DSM”, instrumento que foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria em 1952, sendo aperfeiçoado ao longo do tempo. (LYKKEN, 2003)
Esta última posição é a majoritária hodiernamente. Por conta dos avanços das ciências ligadas à saúde mental, a psicopatia passou a ser vista como um transtorno de personalidade antissocial, envolvendo a consciência, o caráter e a personalidade do indivíduo como um todo. Nos dizeres do estudioso Jorge Trindade, a personalidade psicopática diz respeito a uma característica individual de modelos de pensamento, sentimento e comportamento, sendo uma característica intrínseca da pessoa, mas que se manifesta globalmente, em todas as facetas do indivíduo. Enfim, é um modelo particular de personalidade (TRINDADE, 2012).
Desta feita, conclui Jorge Trindade:
Mesmo que a psicopatia seja considerada uma patologia social (pelo sociólogo), ética (pelo filósofo), de personalidade (pelo psicólogo), educacional (pelo professor), do ponto de vista médico (psiquiátrico) ela não parece configurar uma doença no sentido clássico, sendo que atualmente há uma tendência universal de considerar os psicopatas como plenamente capazes de entender o caráter lícito ou ilícito dos atos que pratica e de dirigir suas ações (Trindade, J.; Beheregaray, A; Cuneo, M., 2009).
Ainda neste ínterim, é possível fazer a distinção entre psicopatia primária e secundária. A primária seria aquela inserta na estrutura biopsíquica do indivíduo, latente desde sua gestação, manifestando-se posteriormente em traços da personalidade. (TRINDADE, 2009)
No que tange à psicopatia secundária, possível afirmar que a mesma decorre das experiências negativas experimentadas pelo indivíduo e fomentada pelo ambiente em que o mesmo encontra-se inserido, desenvolvendo-se no decorrer da vida, especialmente durante sua infância (TRINDADE, 2009).
Com base no exposto, possível concluir que o psicopata secundário é acessível a uma abordagem de natureza psicoterápica, pois sua mente foi “danificada” durante um aprendizado precoce negativo, situação que, inolvidavelmente, configura trauma de natureza psicológica. Já o psicopata primário é inacessível a qualquer forma de terapia ou psicoterapia, visto praticar condutas amparadas por sua mente cognitivamente incólume (TRINDADE, 2009).
Com fulcro na abordagem feita nas linhas anteriores, a psicopatia, como entendida hodiernamente pelos estudiosos do tema, constitui um tipo de personalidade que tem como principais características a falta acentuada de culpa, remorso e preocupação empática com os outros. Psicopatas parecem carecer de emoções, não se importando com o sofrimento alheio (GLENN, .
Seu tempo de menina havia sido triste, mesmo quando estava na companhia da irmã mais nova, Marilda. Os pais não permitiam que ela brincasse com as outras crianças. Além disso, era maltratada pelos avós. Levava uma vida monótona e guardava dolorosas lembranças da vida perdida. (...)
Neyde caminhou com Taninha em direção a um terreno baldio, nos fundos do matadouro da Penha. Ao chegar ali, empurrou a menina como se quisesse que ela andasse na sua frente. Taninha caiu de lado na grama e se sujou no barro. Sofreu uma lesão na coluna. Começou a chorar. Neyde apanhou o revolver Taurus, calibre 32, na bolsa. Apontou para a cabeça da filha do amante a atirou. Depois, despejou a garrafa de álcool sobre a menina ainda viva. Apanhou uma caixa de fósforos fiat lux na bolsa. Acendeu um palito e jogou sobre ela. Largou a garrafa vazia e a caixa de fósforos perto do corpo. Fugiu. (...)
A “Fera da Penha” foi condenada a 33 anos de prisão: 30 anos por homicídio triplamente qualificado e três por sequestro. A sentença foi confirmada por um segundo julgamento. A defesa apresentou vários laudos tentando provar que ela era insana. Apresentou ate mesmo laudo psiquiátrico de uma tia de Neyde que era esquizofrênica. Mas o laudo oficial, feito por um perito judicial, refutou a suposta incapacidade mental de Neyde (MAURO e ARAÚJO, 2007).
Um ponto que é imprescindível observar, então, é que os psicopatas possuem completo controle racional, não padecendo de delírios, problemas racionais e nem psicoses. Ao revés, como é perceptível, são inolvidáveis manipuladores, sabem se articular muito bem para obter o que querem, sendo capazes de falar o que as pessoas querem ouvir (WALTER SINNOTT-ARMSTRONG – Are psychopaths responsible? – realizada em 14.06.2011, com apoio do Grupo de Estudos ERA – Ética e realidade atual. Vídeo da palestra disponível em http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=view_integra&sid=142&infoid=9726. Acesso em 20 de julho de 2013)
Desta feita, são capazes de mascarar suas atitudes e se apresentam clinicamente como uma contradição ambulante: por um lado, são capazes de dar respostas sociais, até moralmente apropriadas, para as situações cotidianas; por outro, quando deixados à própria sorte, suas ações não condizem com seus relatos verbais. Possível concluir, por todo o consignado no presente tópico, que os psicopatas, em regra, não são vistos pela psiquiatria forense como doentes mentais incapazes de entenderem o caráter ilícito das condutas que perpetram. Ao contrário, praticam condutas ilícitas tendo pleno discernimento acerca do caráter ilícito de tais atos. (KIEHL, 2008).
Conforme a hodierna teoria tripartite do crime, possível afirmar que o mesmo é dividido pela doutrina em três diferentes aspectos: o formal (aspecto externo puramente nominal do fato); o material ou substancial (conteúdo do fato punível) e o formal, mas analítico da infração penal (exame das características ou aspectos do crime).
Os três elementos constituintes da teoria do delito são indispensáveis para que seja possível definir fatos decorrentes de condutas humanas como crime. No presente estudo, será versado, basilarmente, sobre o terceiro elemento (a culpabilidade), pressupondo que os demais (tipicidade e antijuridicidade) já estejam incutidos no conceito de crime, visto que este não é o enfoque do presente trabalho.
Insta consignar que existem divergências na doutrina acerca da culpabilidade ser tratada como elemento integrante da teoria do delito bem como sendo pressuposto de aplicação da pena. Entretanto, para fins de pesquisa do presente estudo, defender-se-á a culpabilidade como elemento da teoria do delito.
Nas palavras de Gunther Jakobs (2003), a culpabilidade representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao direito. Aprofundando, Guilherme de Souza Nucci leciona a respeito do conceito de culpabilidade:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo) (NUCCI, 2013).
O conceito analítico de crime, então, é entendido como a conduta humana típica, antijurídica e culpável. Típica por haver expressa disposição legal prevendo que tal conduta é vedada. Antijurídico é o fato contrário à lei. Por fim, culpável é o elemento subjetivo, caracterizado como imputabilidade, consciência efetiva da antijuridicidade e exigibilidade de conduta conforme ao Direito. (NUCCI, 2013)
Desta feita, quando o indivíduo pratica uma ação típica, antijurídica e culpável, diz-se que cometeu um crime, considerando que o legislador já tipificou o fato social em análise e, ao mesmo tempo, já cominou uma determinada pena para aquele tipo de conduta. Desta forma, diante de um crime, a priori, sendo o agente condenado, deverá cumprir uma pena previamente determinada pelo ordenamento jurídico. Para que haja a responsabilização penal do agente é necessário que o mesmo seja imputável. A imputabilidade pode ser definida então como a possibilidade de se imputar o fato típico e ilícito ao indivíduo delinquente. A imputabilidade é a regra e a inimputabilidade é a exceção. Nesse sentido, leciona Sanzo Brodt:
A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder “prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social", deve ter, pois, “a percepção do significado ético-social do próprio agir". O segundo, a capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal (GRECO, 2009).
Complementando o exposto, Nucci afirma que a imputabilidade penal pode ser conceituada como pressuposto de culpabilidade, portanto, apenas se analisa se alguém age com dolo ou culpa, caso se constate ser essa pessoa imputável (mentalmente sã e maior de 18 anos). A imputabilidade é imprescindível para que se aplique a pena. Nos dizeres de Zaffaroni, a imputabilidade é, como regra geral, a capacidade psíquica de culpabilidade, ou em outras palavras, é a capacidade psíquica de ser sujeito de reprovação, composta da capacidade de compreender a antijuridicidade da conduta e de adequá-la de acordo com esta compreensão (ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2011).
O ordenamento jurídico pátrio encontra na pena a finalidade precípua de prevenir delitos, repreender delinquentes e ressocializar apenados. O art. 59 do Código Penal é expresso em consignar que o juiz deve fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Nucci, ao lecionar de forma magnânima acerca da finalidade da pena, afirma:
Pena é a sanção imposta pelo Estado, por meio da ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos (geral e especial), que se subdividem (positivo e negativo): a) geral negativo: significando o poder intimidativo que ela representa a toda sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo: demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do direito penal; c) especial negativo: significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere quando necessário; d) especial positivo: que é a proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, enquanto finaliza a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características expostas em sentido amplo (castigo + intimidação e reafirmação do direito penal + ressocialização) (NUCCI, 2013).
Na mesma linda de raciocínio, reafirmando o caráter de reeducação da pena, a Lei de Execução Penal – Lei 7210/1984- em seu art. 10, caput, consigna que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Não obstante, o art. 22 da mesma Lei disciplina que a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.
No ordenamento jurídico pátrio, as sanções penais comportam 02 (duas) espécies: as penas e as medidas de segurança, que podem ser diferenciadas, dentre outros, pelos seguintes aspectos: fundamento, finalidade e duração. Nessa esteira de raciocínios, o fundamento para a aplicação da pena se baseia na culpabilidade do agente, ao passo que o fundamento para a aplicação da medida de segurança se dá pela periculosidade do agente (WAGNER, Psicopatas Homicidas e sua Punibilidade no Atual Sistema Penal Brasileiro.,2008. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5918/Psicopatas_Homicidas_e_sua_Punibilidade_no_Atual_Sistema_Penal_Brasileiro. Acesso em: 15. julho. 2013).
As penas deverão incidir sobre criminosos condenados imputáveis e semi-imputáveis, ao passo que as medidas de segurança deverão ser aplicadas aos indivíduos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis. Sabe-se, por oportuno, que em decorrência do sistema unitário, o magistrado deverá aplicar apenas uma das espécies de sanções penais ao caso concreto, ou seja, pena ou medida de segurança.
Quanto à finalidade, a pena objetiva a reprovação da conduta ilícita e a prevenção da ocorrência de novos delitos, enquanto que a medida de segurança possui como fim o tratamento e a cura do agente. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5°, XLVII e suas alíneas, estabelece a proibição de penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, assim como veda a pena de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou penas cruéis, estabelecendo, o código penal, neste diapasão, que as penas poderão ser somente de reclusão, detenção ou multa, sendo os regimes determinados conforme o art. 33 do mesmo diploma (aberto, semiaberto e fechado), não podendo ultrapassar o limite de 30 anos (limite estabelecido pela Carta Magna), sempre preservando a possibilidade de progressão de regime nos termos da lei 7210/84, Lei de execução penal.
Conforme retro delineado, possível depreender a utilização de duas terminologias distintas: condenados e internados. A condenação é a denominação utilizada para mencionar os imputáveis sujeitos a uma pena após o transito em julgado de sentença penal condenatória. A internação diz respeito aos inimputáveis que cometem fatos definidos na legislação pátria como crimes, conforme será analisado nas linhas subsequentes.
O artigo 26 do Código Penal Brasileiro previu, assim, a hipótese clássica de inimputabilidade, afirmando que é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A redação do caput do referido dispositivo leva a concluir que o legislador adotou, neste caso, o critério biopsicológico[1] para a aferição da inimputabilidade do agente. O indivíduo delinquente será absolutamente inimputável se preencher dois requisitos importantes, quais sejam a existência de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (importante destacar que o diploma legal pátrio não estabeleceu um rol exemplificando quais seriam essas doenças mentais, cabendo, assim, a um psiquiatra forense defini-las), ou for atestada a absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento.
Havendo confirmação da inimputabilidade do agente, o juiz deverá absolvê-lo nos termos do artigo 386, VI ou 415, IV, parágrafo único, ambos do Código de Processo Penal (instituto denominado de absolvição “imprópria”), e, aferindo sua periculosidade com base no fato criminoso efetivamente praticado, sujeitar o agente a uma medida de segurança (nos termos dos artigos 96 e 97 do Código Penal Brasileiro). Desta maneira, a consequência prática para aqueles que cometem crimes, mas que são absolutamente inimputáveis é a não condenação penal, mas sim, a sujeição a uma medida de segurança (que pode ser tratamento ambulatorial, nos casos em que o fato típico prevê pena de detenção, ou então internação em hospital de custódia e tratamento, para os casos em que a pena for de reclusão).
Interessante notar, ainda, que o tratamento dado pela lei penal acerca da medida de segurança é diferente ao dado às outras normas penais incriminadoras no que tange ao tempo. Em todas as normas penais que definem crimes a pena previamente cominada já tem um tempo específico mínimo e máximo de cumprimento (por exemplo, o crime de roubo insculpido no art. 157, caput, do Código Penal estabelece como pena mínima 4 anos, e pena máxima de 10 anos, ambas de reclusão). Por sua vez, a medida de segurança tem tempo mínimo de um a três anos (art. 97, §1 CP), mas não tem tempo máximo determinado pela legislação, perdurando enquanto não cessada a periculosidade. Passaram a existir casos, então, de internações perpétuas e degradantes, fato que choca com a sistemática constitucional que veda a prisão perpétua. O Supremo Tribunal Federal, diante desta violação constitucional, decidiu, ao julgar o Habeas Corpus 84219-4, que o limite de internação deveria ser de 30 anos, igualando-se ao prazo máximo de permanência na prisão em casos de condenado imputável.
O parágrafo único do artigo 26 consigna ainda outra figura importante: os semi-imputáveis. O agente, nesse caso, possui capacidade ou entendimento reduzido, ou seja, o individuo não tem a incapacidade plena de compreender o caráter ilícito do fato, ou de agir conforme tal entendimento, mas também não chega a ser plenamente capaz. Essa diminuição é decorrente de alguma perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Insta consignar que perturbação da saúde mental não é o mesmo que doença mental. Por tal motivo, possível afirmar que o agente possui uma responsabilidade atenuada, uma imputabilidade diminuída, sendo relativamente imputável. A consequência da semi-imputabilidade é a condenação do indivíduo delinquente, mas com diminuição de um a dois terços da pena.
Além desse dispositivo, o artigo 27 do Código Penal previu também que os menores de 18 anos deverão ser considerados inimputáveis, sendo submetidos à legislação especial (no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente). O artigo 28, §1º do Código Penal elencou, também, a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior como causa de inimputabilidade se, advinda dessa situação, tornou o sujeito inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Da mesma maneira, o §2º do mesmo dispositivo previu a redução da pena para a embriaguez relativa, também advinda de caso fortuito ou força maior, caso o agente não possua, ao tempo da ação ou omissão, plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de agir conforme tal entendimento.
Diante do exposto, eis que surge um questionamento imprescindível, em decorrência de todo o estudo previamente demonstrado: o que ocorre com os psicopatas que cometem crimes?
4. O DIREITO PENAL BRASILEIRO E O TRATAMENTO DADO AO PSICOPATA DELINQUENTE: EFICÁCIA OU INOCUIDADE?
Conforme exposto alhures, sabe-se que grande parte dos atos humanos está condicionada à estrutura cerebral e sociológica dos indivíduos. Analisar minuciosamente diferentes personalidades pode ser bastante eficaz para se afirmar o tipo de conduta que determinadas pessoas poderão possuir quando expostas a determinadas circunstâncias ambientais.
Aplicar uma pena a um determinado indivíduo sem um estudo prévio de sua condição psicossocial é virar as costas para as consequências que podem advir desse ato estatal que, inolvidavelmente, não logrará êxito quanto à recuperação social do individuo, uma vez que estão sendo relegados os conhecimentos científicos obtidos modernamente. Nesta esfera, o direito penal, acima de tudo, deve levar em consideração as particularidades do infrator tanto no que se refere a culpabilidade, quanto no que tange à aplicação da pena. Neste diapasão, será abordada no presente estudo, especificamente, a questão da psicopatia.
Para doutrinadores e parte da jurisprudência penal hodierna, as personalidades psicopáticas são consideradas com culpabilidade reduzida, ocasião em que lhes é aplicada pena de prisão com redução obrigatória ou aplicada medida de segurança, caso seja comprovado, através de laudo pericial, perturbação mental[2] e o indivíduo seja enquadrado na hipótese do caput, ou do parágrafo único do artigo 26, do Código Penal.(BITTENCOURT, 2009).
A perturbação mental tratada pelo artigo 26 do Código Penal, e no parágrafo único, é uma situação que abarca as gradações existentes entre a doença mental plena e a normalidade, como já explanado anteriormente. Nesse diapasão, a psicopatia é vista como um transtorno de personalidade antissocial, que não afeta a capacidade de entendimento do agente no que tange ao caráter do ilícito e nem sua capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento, restando, concluir, portanto, que o psicopata, a priori, deve ser considerado pelo direito penal como um infrator imputável, ao qual deverá ser imposta uma pena como sanção adequada no caso de cometimento de infrações penais[3]
Entretanto, os psicopatas são refratários, insuscetíveis de aprender com qualquer experiência vivida, e a iminência de punição estatal como resposta à prática de delitos não caracteriza um freio inibidor de condutas delitivas, mas, ao revés, possui um efeito, por diversas vezes, atrativo (TRINDADE, 2004)
Tendo em vista a falta de capacidade de aprendizado dos psicopatas com a sanção penal, visto que são impassíveis de ressocialização, estudiosos alertam para a problemática da crescente reincidência criminal, não constituindo a pena um meio coercitivo e preventivo eficaz contra psicopatas, tornando inócua a finalidade de prevenção especial da reprimenda quanto a esses infratores em especial. Nesse sentido, leciona Trindade que:
Os psicopatas iniciam a vida criminosa em idade precoce, são os mais indisciplinados no sistema prisional, apresentam resposta insuficiente nos programas de reabilitação, e possuem os mais elevados índices de reincidência criminal. (TRINDADE, 2009)
Nesse sentido, Ana Beatriz Barbosa dispõe que:
Estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (capacidade de cometer novos crimes) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais (SILVA, 2008).
Sem óbice, Serin e Amos, mencionados por Jorge Trindade, afirmam que “estudos mostraram que psicopatas reincidiram cerca de cinco vezes mais em crimes violentos do que não psicopatas em cinco anos de sua liberdade da prisão”. (TRINDADE, 2004 apud SERIN e AMOS, 1995).
Não obstante, o psicopata também é refratário a tratamentos psicoterápicos ou medicamentosos, sendo que a internação para tratamento psiquiátrico ou o tratamento ambulatorial de igual forma não se revelam eficazes para esse tipo de indivíduos, além de serem considerados inadequados, vez que, conforme já exposto, os psicopatas são considerados, pelo ordenamento jurídico, na maioria das vezes, como imputáveis.
Desta feita, Trindade (2012), afirma que até os dias atuais não existe evidência alguma de que os tratamentos psiquiátricos a que foram submetidos psicopatas tenham mostrado dados reais de eficiência na redução da violência ou da criminalidade; pelo contrário, alguns tipos de tratamentos que são eficientes para outros criminosos são considerados contraindicados para os psicopatas. Partindo desse pressuposto, especialistas afirmam que os psicopatas desestruturam as próprias instituições de tratamento, burlam as normas de disciplinas, contribuindo para a fragilização do sistema, além de instalarem um ambiente altamente negativo onde quer que se encontrem.
Quanto a dados estatísticos de reincidência criminal entre psicopatas, inclusive no Brasil, Hilda Morana assevera:
Para Hemphill e Cols (1998), a reincidência criminal dos psicopatas é aproximadamente três vezes maior que em outros criminosos. Para crimes violentos, a taxa dos psicopatas é quatro vezes maior que a dos não psicopatas. Morana (2003), em apenados brasileiros, encontrou reincidência criminal 4,52 vezes maior em psicopatas que em não psicopatas. Harris e Cols (1991) referem que reincidência de crimes violentos em uma amostra de 169 pacientes masculinos foi de 77% para psicopatas e 21% para não psicopatas; ou seja, mais de quatro vezes maior. Morana (2003) encontrou a taxa de 5,3 vezes mais versatilidade criminal em psicopatas quando comparada a outros criminosos. O Departamento Penitenciário Nacional (do Brasil) – DEPEN – (2003) estima a reincidência criminal no Brasil em 82%. A reincidência criminal na cidade de São Paulo é de 58%, ou seja, a cada dois presos que saem da cadeia, um retorna. (MORANA, Reincidência Criminal: É possível prevenir? Disponível em: https://aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/136/reincidencia%20criminal_Morana.pdf?sequence=1. Acesso em 20 de julho de 2013. )
Ainda, acerca da discussão acerca da imputabilidade ou semi-imputabilidade para aplicação da pena nascem outras duas problemáticas. A primeira refere-se ao quantum de pena a ser aplicada. Os juízes que acreditarem não ser possível a aplicação da semi-imputabilidade nos casos de psicopatas podem entender haver uma maior periculosidade desse tipo de indivíduo, majorando, por isso, o mínimo legal na primeira fase de dosimetria da pena a ser aplicada.
Assim, mesmo que o crime cometido por um psicopata primário tenha sido perfeitamente correspondente a um crime de um sujeito comum, a pena do primeiro será sempre elevada no mínimo legal, a título de punição – questiona-se, então, se isso seria de alguma maneira eficaz para punir o psicopata, e prevenir outros crimes. Entretanto, conforme demonstrado, o tempo de prisão não inibe o indivíduo psicopata de cometer delitos, fato que torna inócua a majoração da pena quando da dosimetria da pena na primeira fase.
A segunda problemática é que por serem considerados imputáveis, os psicopatas devem cumprir suas penas em conjunto com outros criminosos, de todas as espécies, se “adequando” aos ditames do sistema prisional hodierno. Como são detentores de profunda habilidade de manipulação, é de fácil conclusão que irão manipular outros presidiários para fazerem rebeliões carcerárias a fim de se destacarem dentre os demais e serão rapidamente liberados da cadeia, pois que serão presos exemplares.
Portanto, considerando suas peculiaridades e a completa rejeição por tratamento contra esse transtorno antissocial, deve a execução da reprimenda penal pelos psicopatas, com fulcro no próprio princípio da igualdade em seu aspecto material, ocorrer de forma diferenciada dos demais sentenciados, separando-os na execução de suas penas dos demais sentenciados, disponibilizando pessoal tecnicamente preparado para lidar com esse público e suas peculiaridades (uma vez que os psicopatas sabem dissimular bom comportamento e regeneração, entretanto, estando em liberdade, certamente voltam a delinquir). Trata-se da efetivação do princípio da individualização da pena na fase de execução criminal.
Considerando todas as características negativas dos criminosos psicopatas, em especial sua inclinação para a reincidência, faz-se mister identificá-los corretamente e avaliá-los de forma minuciosa antes do deferimento de benefícios durante a execução de suas penas, evitando-se a reinserção social precoce efetivadas por decisões judiciais fundamentadas apenas nos “positivos atestados carcerários” do sentenciado, muitas vezes retratando situação diversa da real.
Nesse sentido, alerta Alvino Augusto de Sá:
Como já foi dito acima, a Lei 10.792/2003, que reformou a LEP, prevê, como única exigência para concessão dos benefícios legais, em termos de avaliação, a boa conduta, ou o atestado de boa conduta do preso (vide nova redação do art. 112, caput e parágrafos). Portanto, não mais se exige qualquer outra avaliação de mérito, de conquistas e progressos feitos pelo apenado. (...). A prevalecer o argumento de que deve se suprimir qualquer avaliação técnica para a concessão de progressão de regime, por conta de que pouco ou nada de seguro e convincente se encontra nessas avaliações (das quais, é mister reconhecer, muitas são bem feitas), então também se deveria suprimir a avaliação da conduta. Ou por acaso haverá algum promotor ou juiz que acredite ser o “atestado de boa ou ótima conduta” um comprovante seguro e convincente de que o preso realmente está correspondendo àquilo que se espera dele em termos de assimilação dos valores para uma boa convivência social? Haverá algum promotor ou juiz ingênuo que não sabe que, entre os grandes líderes das rebeliões (pelo menos até o momento em que estas eclodem, é claro), entre os traficantes, entre os autores de crimes gravíssimos, enfim, entre os presos já historicamente identificados coma vida do crime, muitos têm ótima conduta, pois são muito bem adaptados à vida carcerária, conhecem muito bem as regras e os valores da vida carcerária, sabem passar ilesos perante qualquer avaliação de conduta, sem que isso represente em absoluto qualquer crescimento interior e ofereça o mínimo de garantia sobre sua adaptação social futura? A boa (ou ótima) conduta significa simplesmente que o preso formalmente está obedecendo às regras da casa. (SÁ, 2007)
A solução para a problemática de identificação correta do psicopata se daria através do psychopathy checklist ou PCL[4], sendo este um teste de verificação de psicopatia no referido réu, no intuito de se definir o diagnóstico do infrator, inclusive o grau da possível psicopatia[5].
Quanto à credibilidade do teste do PCL para a identificação do psicopata, assevera Jorge Trindade:
No momento, parece haver consenso de que o PCL-R é o mais adequado instrumento, sob a forma de escala, para avaliar psicopatia e identificar fatores de risco de violência. Com demonstrada confiabilidade, tem sido adotado em diversos países como instrumento de eleição para a pesquisa e para o estudo clínico da psicopatia, como escala de predição de recidivismo, violência e intervenção terapêutica. (TRINDADE, 2012)
Assim, a utilização do psychopathy checklist ou PCL no sistema prisional brasileiro permitiria a identificação dos sentenciados portadores desse transtorno antissocial (quando a identificação não tiver ocorrido de forma eficiente durante o curso do processo criminal), separando-os na execução de suas penas dos demais sentenciados, havendo disponibilização pessoal tecnicamente preparado para lidar com esse público e suas peculiaridades (uma vez que os psicopatas sabem dissimular bom comportamento e regeneração, entretanto, estando em liberdade, certamente voltam a delinquir). Trata-se da efetivação do princípio da individualização da pena na fase de execução criminal.
Nesse sentido, explica Ana Beatriz Barbosa:
A psiquiatra forense Hilda Morana, responsável pela tradução, adaptação e validação do PCL para o Brasil, além de tentar aplicar o teste para a identificação de psicopatas nos nossos presídios, lutou para convencer deputados a criar prisões especiais para eles. A ideia virou um projeto de lei que, lamentavelmente, não foi aprovado. (SILVA, 2008)
Em uma breve pesquisa na legislação existente nos Estados Unidos, possível concluir que diversos estados norte americanos preveem leis que tratam a respeito da psicopatia. Em sua maioria, são leis relacionadas aos predadores sexuais, que determinam um confinamento para tratamento destes posteriormente ao cumprimento da pena. (EDENS, 2006)
Além de a legislação norte-americana especificar a psicopatia em certas leis, não é difícil encontrar casos que se refiram a psicopatas delinquentes. É possível citar casos famosos, como Ted Bundy, Bernie Madoff e Tom Parker. A jurisprudência norte-americana também é farta quando trata, por exemplo, dos casos de psicopatas sexuais, como o People vs Levy e o People vs Good. (http://law.justia.com/cases/california/calapp2d/151/460.html. acesso em 20 de julho de 2013.)
Ted pode ser descrito como o filho perfeito, o estudante perfeito, o escoteiro que virou adulto, um gênio, belo como um ídolo de cinema, uma luz brilhante para o futuro do partido Republicano, um sensível assistente social psiquiátrico, um precoce advogado, um amigo de confiança, um jovem com um futuro de sucesso. Ele era tudo isso, e nada disso. Ted Bundy não tinha um padrão; você não poderia olhar seu perfil e dizer “viu, era inevitável que ele iria acabar assim“. (RULE, 1981)
Ao realizar uma pesquisa jurisprudencial, é possível concluir a ausência de debates acerca da psicopatia nos mais diversos tribunais de justiça pátrios. Analisando os principais tribunais de cada região brasileira, pode-se observar o quão escasso é este debate. A exemplo do TJRJ existe apenas um caso tratando da psicopata, no qual o acórdão decidiu pela mantença da prisão preventiva, por conveniência da instrução criminal, utilizando, dentre outros, o argumento de o rapaz ser um psicopata[6]; e outro caso em que a defesa alegou ser o agente portador de psicopatia para isentar o réu do cumprimento da prestação de serviços comunitários, sendo tal fato totalmente refutado pelo julgado[7].
No TJDFT, existem dois julgados tratando do assunto, sendo que em um deles o tribunal rejeitou a apelação que objetivava diminuir a pena de um dos réus, levando em consideração o fato de o apelante ser psicopata[8], e outro tratando de um Habeas Corpus[9] no qual foi indeferida a liberdade provisória pleiteada pelo réu, que embora primário e de bons antecedentes, foi diagnosticado com personalidade psicopática.
No TJRS, foram encontrados onze casos dispondo sobre o tema. Em alguns deles o pedido de progressão de regime foi negado, ainda que houvesse bom comportamento do indivíduo, mas o mesmo foi diagnosticado como portador de psicopata e o comportamento exemplar ter advindo desta condição[10]. Outros determinaram a condenação do indivíduo como semi-imputável[11]. Não houve resultados com as palavras-chave “psicopata” e “psicopatia” nos tribunais de justiça da Bahia, Pará e nem da Amazônia. No Tribunal de Minas Gerais, apesar de fazer alusão ao termo “psicopata”, nenhum dos julgados enfrentou o mérito da questão, somente se restringindo a informar que a psicopatia merece ser apurada com profundidade por prova técnica.
Através de pesquisa realizada no sítio do Superior Tribunal de Justiça, foram encontradas seis decisões monocráticas que mencionam psicopatas. No HC 112.607 – RS, por exemplo, a decisão é de denegação da ordem, na qual o impetrante (suposto psicopata) teve a progressão de regime revogada pelo juiz a quo. No STF, foram encontrados cinco acórdãos mencionando psicopatia, alguns imputando tal característica a criminosos, outros citando apenas como referência de exames criminológicos. Nenhum acórdão, porém, tem decisão específica estudada e baseada na psicopatia do sujeito.
A legislação penal brasileira também não é muito diferente do judiciário. Se por um lado não há, no sistema positivo hodierno, nenhuma proposição efetiva para se verificar efetivamente se o psicopata é portador de transtorno antissocial, não há, também, nenhuma previsão normativa que implique em tal verificação. Há ausência de legislação, decreto, portaria, regulamento ou congênere que mencione, mesmo que indiretamente, a psicopatia.
Entretanto, efetuando pesquisas sobre o tema, percebeu-se haver um único projeto de lei (PL 6858/2010) proposto pelo ex-secretário de segurança pública e ex-deputado federal Marcelo Itagiba, prevendo a alteração na Lei de Execução Penal (Lei 7210/84) objetivando a criação de uma comissão técnica independente da administração prisional, bem como a alteração da forma de execução da pena do condenado psicopata, determinando a realização de exame criminológico do condenado à pena privativa de liberdade.
Em sua justificação, o deputado dispõe a respeito da importância dos psicopatas cumprirem a pena imposta separadamente dos presos comuns, além de obrigar o exame criminológico minucioso por profissional qualificado como requisito obrigatório para conceder benefícios tais como livramento condicional e progressão de regime. Este projeto, no momento, aguarda apreciação em plenário desde março de 2010, fato que denota extrema desídia do sistema positivo brasileiro frente a uma situação de absurda importância, que deveria ser tratada com elevada prioridade, visto estar se tornando recorrente e corriqueiro o cometido de atrocidades por indivíduos diagnosticados como psicopatas que, sendo tratados como qualquer outro cidadão delinquente, voltam ao convívio progredindo de regime ou por outro benefício concedido e aumentam o quadro de reincidência criminal, sufragando, dentre outros, os princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.
5. Conclusão
A psicopatia sempre foi um tema desafiador quando encarado sob a ótica da justiça. Inicialmente, no sentido da definição do termo e na busca pela identificação do delinquente como portador ou não de psicopatia. Sob outro vértice, o judiciário sempre teve como preocupação o fato de enquadrar o individuo delinquente como psicopata e determinar se o mesmo é imputável, semi-imputável ou inimputável, a fim de delimitar a que tipo de sanção o mesmo deveria ser submetido.
Buscou-se demonstrar no presente estudo, que a psicopatia deve ser vista como um transtorno de personalidade, sendo o psicopata um infrator imputável, ao qual se deve aplicar penas em detrimento de medidas de segurança. Entretanto, devido às peculiaridades da personalidade psicopática, a função preventiva especial positiva da pena (ressocialização) não se efetiva nos psicopatas, restando à pena, nesses casos, as funções preventivas gerais e a função preventiva especial negativa (segregação da liberdade).
Portanto, visando a individualização da pena na fase de execução, faz-se mister identificar os psicopatas inseridos no sistema prisional, sendo que o teste existente e já aplicado em alguns países desenvolvidos é o PCL, psychopathy checklist, ou PCL-R, em sua versão brasileira, adaptada pela psiquiatra forense Hilda Morana. Todavia, para sua implementação e efetiva aplicação no Brasil, necessita-se da edição de lei específica que adote o teste como elemento de identificação desses indivíduos psicopatas, bem como que exija a realização de uma avaliação interdisciplinar técnica antes do deferimento de benefícios durante a execução penal desses sentenciados, evitando-se a reinserção social precoce, além da reincidência criminal.
O tratamento não diferenciado ofertado aos psicopatas no sistema penal brasileiro é mais um obstáculo para a realização da readaptação dos detentos à vida social. Grande parte dos detentos compõe-se de pessoas condenadas por pequenos furtos ou crimes contra o patrimônio. Ambientes como as prisões brasileiras permite que estes indivíduos convivam com outros tipos de criminosos e se tornem mais propensos ao crime, tornando-se, desta forma, verdadeiras escolas do crime.
Os psicopatas, por terem sua liberdade privada e viverem em um ambiente hostil, além de não receberem nenhuma forma de tratamento especifico para suas condições mentais, ampliam suas capacidades de influenciar de maneira negativa os outros detentos. Essa é mais um motivo pelo qual o sistema carcerário brasileiro tem se tornado um sistema “reprodutor” e difusor de violência e criminalidade, razão pela qual a separação de indivíduos psicopatas em prisões específicas com tratamento dado por profissionais qualificados é imprescindível.
Conforme foi ressaltado, a influência da Psiquiatria no campo do Direito Penal é de suma importância. Portanto, a existência de criminosos psicopatas é um fato que o Brasil deve desde já se preocupar e a discussão a respeito do tema, bem como a necessidade de buscar profissionais bastante qualificados da área da psiquiatria forense para inseri-los no judiciário pátrio é de suma importância. Seja pela preocupação com a prevenção de crimes, seja pela busca de respostas penais compatíveis com a condição de psicopatia, o estudo sobre este tema deve ser levado a sério, tanto pelo poder legislativo quanto pelo poder judiciário. Para tanto, mostra-se necessário um diálogo direto e intrínseco entre a Psicologia Forense e o Direito Penal.
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[1] Nucci afirma que o critério biopsicológico, além de ser o adotado no Brasil (Código Penal, art. 26), dispõe que o adotam outras legislações, como a espanhola. Não obstante, menciona que a Jurisprudência pátria faz expressa menção a tal critério quando de seus julgamentos, fazendo constar o que afirmou o STJ quando do julgamento de Habeas Corpus (HC 33.401 – RJ, 5ª. T., rel Felix Fischer, 28.09.04, v.u., Dj 03.11.2004, p. 212): Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora entre nós o critério biopsicológio normativo. Dessa maneira, não basta que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz mister, ainda, que exista prova (v.g., perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 13. Ed. ver e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 294).
[2] Sobre o assunto, vale citar o julgado: (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Apelação Crime Nº 70037449089. Relator: Odone Sanguiné. Julgado em: 17 mar. 2011)
[3] Segundo Nucci, doenças da vontade e personalidades antissociais são anomalias de personalidade que não excluem a culpabilidade, pois não afetam a inteligência, a razão, nem a alteram a vontade.[...] Por isso, é preciso muita cautela, tanto do perito, quanto do juiz, para averiguar as situações consideradas limítrofes, que não chegam a constituir normalidade, pois trata-se de personalidade antissocial, mas que não caracteriza a anormalidade a que faz referência o art. 26. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).
[4] O PCL-R é o instrumento de eleição para o estudo da psicopatia. Os países que o instituíram apresentaram índice de redução da reincidência criminal considerável (HARE,R.D. The Hare PCL-R: some issues concerning its use and misuse. Legal
Criminol. Psychol., v.3, p.101-22, 1998). Este instrumento avalia os traços prototípicos da personalidade psicopática. Foi projetado para avaliar de maneira segura e objetiva o grau de periculosidade e de readaptabilidade à vida comunitária de condenados. O PCL-R (HARE, R.D. Manual for the Hare Psychopathy Checklist-Revised. Toronto, MultiHealth System, 1991) baseia-se numa entrevista semi-estruturada de 20 itens destinados a avaliar a estrutura da personalidade, quantificando-a em uma escala ponderal, com um ponto de corte de 23 pontos, na versão brasileira, onde se separa a personalidade psicopática de outros traços e tendências considerados não psicopáticos. Foi traduzido e validado para diversas línguas e populações comprovando-se amplamente sua validade e confiabilidade. O PCL-R é usado em países como EUA, Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, China, Hong-Kong, Finlândia, Alemanha, entre outros (HARE, R.D. Manual for the Hare Psychopathy Checklist-Revised. Toronto, MultiHealth System, 1991). Sendo considerado o instrumento mais fidedigno para identificar criminosos mais sujeitos à reincidência criminal, vem substituir, com vantagens, o atualmente extinto exame criminológico. Outra vantagem sua é não sofrer alteração segundo a cultura e grau de instrução do indivíduo. (MORANA, Hilda. Reincidência Criminal: É possível previnir ? Disponível em: https://aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/136/reincidencia%20criminal_Morana.pdf?sequence=1. Acesso em 20 de julho de 2013).
[5] O psicólogo canadense Robert Hare, atualmente uma das maiores autoridades mundial no assunto, após anos de estudo, reuniu informações que foram sistematizadas na chamada psychopathy checklist ou PCL, consistindo no método mais eficaz, em todo o mundo, para a identificação de psicopatas em populações prisionais (SILVA, Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado..., 2008, p. 130). O PCL - R, que, conforme Hilda Morana, seria o primeiro exame padronizado exclusivo para o uso no sistema penal do Brasil, objetiva avaliar com bastante precisão a personalidade do preso e prever a flagrante possibilidade de reincidência criminal, buscando, desta feita, separar os bandidos comuns dos psicopatas. A autora defende em sua tese que não é o tipo de crime que define a probabilidade de reincidência do indivíduo, mas sim a personalidade de quem o comete. Neste diapasão, os estudos visando à adaptação e validação desse instrumento para a população forense brasileira, bem como sua comercialização para os profissionais da área, há muito já deveriam ter sido viabilizados no Brasil.
[6] HC 776/2001 TJRJ
[7] Apelação 4678/2006 TJRJ
[8] Apelação APR1042789 TJDFT – acórdão 64444
[9] Habeas Corpus HCB587592 – TJDFT – acórdão 57098
[10] Agravo 70037159431 TJRS
[11] Apelação 70016542557 TJRS
Especialista em Penal e Processo Penal, Advogado Criminalista, Professor Universitário do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Anderson Pinheiro da. A ineficácia do direito penal brasileiro em face do psicopata delinquente. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1914/a-ineficacia-do-direito-penal-brasileiro-em-face-do-psicopata-delinquente. Acesso em: 28 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Adel El Tasse
Por: Sidio Rosa de Mesquita Júnior
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
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