Sumário
1. Introdução : a polêmica em torno dos Produtos Transgênicos 2.O Direito Penal na Sociedade de Risco. 3. Relações entre Biotecnologia, Transgênicos e Direito Penal. 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas
Resumo
O trabalho analisa o atual debate referente às relações entre bioética e direito penal, especialmente no que tange aos OGMs (transgênicos). Divide-se em três partes, sendo ao final expostas as conclusões. Na primeira, analisam-se as discussões mais atuais relativas aos produtos transgênicos. Na segunda, verificam-se os desafios do direito penal perante a sociedade de risco. Na terceira, estudam-se as relações entre a biotecnologia, os transgênicos e o direito penal.. Ao final, são expostas as considerações conclusivas sobre o tema.
Palavras chave:
transgênicos, bioética, direito penal, OGMs.
Abstract
The article analyzes the current debate to the relations between bioética and criminal law, especially in what it refers to to the OGMs (trangenics). The article has three parts: In the first one, the most current discussions about the transgenics products are analyzed. In second, the challenges of the criminal law are verified. In third, the relations between the biotechnology, the transgenics and the criminal law are studied. In the end, the conclusive considerations on the subject are displayed.
Key Words: Bioethics, Trangenics, Criminal Law, OGMs
1 Introdução: a polêmica em torno dos produtos transgênicos
Produtos transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs) são todos aqueles que recebem, in vitro, um ou mais genes. Assim, a transgênese é uma técnica de melhoramento genético pela qual são inseridos um ou mais genes exógenos em um organismo (RODRIGUES; ARANTES, 2006, p. 22).
Segundo o artigo 3º, inciso V da Lei 11105/05, considera-se organismo geneticamente modificado aquele cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética. Porém, o mesmo artigo, em seu §1º estabelece que não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.
Grande parte dos produtos geneticamente modificados é formulada para criação dos alimentos transgênicos. Tal fato ocorre porque a fome é um dos mais graves problemas mundiais e para solucioná-la, surgem os alimentos transgênicos como uma grande promessa para o aumento da produção agrícola sem a devastação da natureza e com a otimização dos recursos humanos e tecnológicos. Nesse sentido, sustenta-se, a favor dos alimentos transgênicos, que com o fortalecimento do produto através da engenharia genética, toda uma safra pode ser colhida, o que torna desnecessária a expansão da área cultivada, bem como pode-se reduzir a utilização de agrotóxicos. Além da questão ambiental, argumenta-se que as plantas transgênicas têm maior teor de proteínas de boa qualidade, ricas em vitaminas, sais minerais e ácidos graxos mais saudáveis[1].
A utilização dos alimentos transgênicos, contudo, não é pacífica, pois as novidades são muitas, gerando insegurança para a população mundial. Nesse ponto, Nicolellis (2006, p. 40) refere que as principais preocupações acerca dos efeitos adversos decorrentes do uso de alimentos geneticamente modificados estão relacionadas com a possibilidade de transferência ao homem da resistência a antibióticos, do potencial alergênico e de toxicidade desses produtos. Por outro lado, aponta o autor, que é desconhecido o impacto ambiental que pode ser causado, a médio e longo prazo, pela utilização dos transgênicos, por mais inócua e segura que possa aparentar ser cada uma das alterações genéticas operadas em laboratório. Com efeito, neste aspecto há que se destacar que a complexidade do meio ambiente acaba por tornar imprevisíveis os efeitos decorrentes da cultura extensiva de vegetais modificados em laboratório.
Os riscos envolvendo a segurança dos alimentos geneticamente modificados têm criado mobilização social em todo o mundo. Com efeito, embora se possa afirmar que os norte-americanos têm, até certo ponto, uma posição tolerante com o seu consumo, por outro lado, os europeus têm uma posição cética sobre os transgênicos. Neste aspecto de desconfiança européia Renata Menasche (2003, p.1) aponta uma pesquisa realizada pelo Eurobarometer surveys cujos resultados, em 1996, mostram que se manifestou uma cultura tecnológica positiva – isto é, uma atitude que considera os avanços tecnológicos como benéficos no dia-a-dia – e que, em geral, os europeus são mais otimistas em relação às outras tecnologias do que o são em relação à biotecnologia/engenharia genética. Ao mesmo tempo, evidenciou-se um maior pessimismo em relação à biotecnologia/engenharia genética: um em cada cinco europeus acreditava, naquele momento, que ela iria “tornar as coisas piores”. Prossegue a autora apontado que a mesma pesquisa, nos anos de 1999 e 2002 chegou à mesmas conclusões. Esses resultados, analisados pela autora, evidenciam, por um lado, que qualquer ceticismo em relação à biotecnologia não pode ser interpretado como sintoma de uma tecnofobia generalizada. Por outro lado, sugerem que se há uma certa sedução exercida pelas tecnologias junto às sociedades estudadas – uma cultura tecnológica positiva –, esse encantamento se desfaz quando o assunto é biotecnologia
Contudo, consoante ressalta Pessanha e Wilkson (2006, p. 31) a mobilização social em torno das preocupações sobre os riscos ambientais e alimentares dos transgênicos vem expandindo-se, até mesmo dentro dos Estados Unidos, formando-se uma ampla rede de organizações sociais não governamentais que têm influenciado a opinião pública nesse ponto[2].
Não apenas na área alimentar, porém, se desenvolvem as aplicações dos OGMS. Com efeito, as pesquisas envolvendo organismos modificados são utilizadas no campo da medicina, da veterinária etc, sendo conhecida a criação de animais com mutações que mimetizem as principais características de uma determinada anomalia. Conforme ressalta Pesquero et al (2002, p. 54) tais modelos de animais permitem o exame detalhado da fisiopatologia de doenças, além de servirem para delinear novas formas de tratamento e diagnósticos.
Os inúmeros riscos desconhecidos fazem com que a legislação seja cautelosa quanto ao trato dos OGMs. Assim, a disciplina da Lei 11105/05 proíbe, em seu art. 6º, a implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual. Proíbe, também, a engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei. Também, no que precisamente interessa ao objeto de estudo do presente artigo, a Lei 11105, no seu artigo 6º, incisos V e VI, proíbe a destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, bem como proíbe a liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado.
Tais regras, contudo, não necessariamente transformam as condutas proibidas em crime. Com efeito, embora rica em proibições, a Lei 11105/05 não apresenta muitos tipos penais, fazendo-o entre os seus artigos 24 e 29.
Neste contexto é que o Direito Penal vem sendo chamado a atuar na “sociedade de risco” razão pela qual impõe-se, previamente, a análise das discussões relativas à ampliação do Direito Penal na sociedade contemporânea, bem como aquelas referentes às relações entre a bioética e o Direito.
2 O direito penal na sociedade de risco
O direito penal é ramo do direito público que “estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas conseqüências jurídicas - penas ou medidas de segurança”(PRADO, 2006, p. 51). Sua função primordial é a proteção dos bens jurídico-penais, ou seja, aqueles bens essenciais ao indivíduo ou à comunidade.
Assim, essencial à compreensão do direito penal é se verificar o que se considera como bem jurídico penal. Com efeito, por bem jurídico penal entende-se “um ente material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial à coexistência e desenvolvimento do homem, e por isso, jurídico-penalmente protegido” (PRADO, 2006, P. 255)
Atualmente, o direito penal enfrenta o dilema de conviver na assim chamada “sociedade de risco” [3], a qual vem solicitando novas respostas por parte do direito e, nesse contexto, é que ele vem sendo chamado a atuar.
Na chamada “sociedade de risco” a produção social de riqueza é acompanhada por uma correspondente produção de riscos. Ao mesmo tempo em que se assiste a um extraordinário desenvolvimento da técnica e do bem estar individual e proteção contra as intempéries naturais, observa-se, ainda, o recrudescimento de riscos denominados por Silva Sanches (1999, p. 22) de procedência humana como fenômeno social estrutural. Observa o autor, neste ponto, o fato de que boa parte das ameaças que os cidadãos estão expostos provém de decisões tomadas por outros cidadãos no manejo dos avanços tecnológicos, destacando, assim, riscos ao meio ambiente e ao ser humano, que derivam das modernas aplicações técnicas resultantes dos avanços na genética, energia nuclear, informática, biologia etc.
Nesta mesma sociedade contemporânea, ouve-se falar, ainda, da “crise do direito penal”, causada pela crise do ideal ressocializador, surgindo vertentes criminológicas[4] opostas como o minimalismo penal, por um lado, e o movimento da lei e da ordem, do lado oposto, em que se questionam axiomas garantísticos[5].
De qualquer forma, assiste-se, de maneira evidente, ao fenômeno da “expansão do direito penal”, que vai ampliando sua abrangência, atingindo áreas anteriormente restritas a regulamentações administrativas. Dentre as causas desta expansão, Silva Sanches (1999, p. 21-50) indica, além da efetiva aparição de novos riscos, também a sensação social de insegurança[6], a configuração de uma sociedade de sujeitos passivos[7], a identificação da maioria social com a vítima do delito, o descrédito nas outras instâncias de proteção, os gestores atípicos de moralidade e a atitude da esquerda política[8].
Na linha da expansão do ordenamento jurídico-penal, Meliá (2005, p. 93-101) destaca dois fenômenos: o chamado “Direito penal simbólico”, e o “ressurgir do punitivismo”.
Referindo-se ao primeiro ponto, o autor menciona como particularmente relevantes, em primeiro lugar, fenômenos de neocriminalização, sobre os quais tem se afirmado que cumprem tão-somente efeitos “simbólicos”.Contudo, reduzir os fenômenos de expansão do direito penal somente a estes casos de promulgação de normas penais meramente simbólicas, segundo Meliá (2005, p. 106), não atenderia ao verdadeiro alcance da questão.
Com efeito, a elaboração de leis casuísticas, apenas como forma de dizer que se está fazendo algo, levou ao reconhecimento do chamado Direito Penal simbólico. Este produz efeitos apenas no plano abstrato, é, na maioria das vezes, inaplicável, e tem seu surgimento, quase sempre, em situações de comoção pública.
Destaca Meliá (2005, p. 106) que o recurso ao Direito penal não aparece apenas como instrumento para produzir tranqüilidade mediante o mero ato de promulgação de normas evidentemente destinadas a não serem aplicadas, mas que, em segundo lugar, também existem processos de introdução de normas penais novas com a intenção de promover sua efetiva aplicação com toda decisão.Neste sentido, parece evidente que a tendência atual do legislador é a de reagir com “decisão” no marco da “luta” contra a criminalidade, é dizer, com um incremento das penas previstas em determinados setores do Direito Penal[9].
A partir das considerações expostas, verifica-se que o Direito Penal assiste a um momento peculiar de sua evolução no qual, ao mesmo tempo em que se destaca a sua “crise”, assiste-se ao fenômeno de sua expansão.
3. Relações entre biotecnologia, transgênicos e direito penal
Dentre as novas vertentes desta ampliação do Direito Penal, assiste-se sua atuação nos ramos ligados à biotecnologia. Consoante ressalta Maria Auxiliadora Minahim (2005, p. 42) a preocupação com a regulação dos conflitos decorrentes do uso da biotecnologia tem conduzido a questionamentos que levam ao chamamento do Direito como recurso capaz de dar efetividade às diretrizes traçadas pela Bioética[10].. Surge, então, o biodireito, que deve constituir em espaço de interação interdisciplinar e não em mais um ramo do ordenamento jurídico.
Defende, então, a autora, que é necessária a intervenção do legislador, ordenando condutas e definindo limites que não podem ser deduzidos das vagas formulações da bioética e que não podem ser deixados ao arbítrio de pesquisadores e profissionais de saúde (MINAHIM, 2005, p. 44). Com efeito, os novos fatos criados pela biotecnologia devem ter ingresso no direito como instância capaz de concretizar o “mínimo ético” desejado.
Se, por um lado, a intervenção jurídica é necessária, por outro, consoante ressalta Pedro Federico Hooft (1999, p. 134) eventual transformação da bioética em ramo do direito – o biodireito - poderá ir na contramão da própria filosofia da bioética, caracterizada por uma interdisciplinaridade dialógica, de forma que o autor pugna que a introdução da bioética no direito deva ser feita através da ponte da filosofia do direito e dos direitos humanos.
Ressalta Minahim (2005, p. 45) que o direito, e especialmente o direito penal, não deve ser usados para coagir as pessoas em razão de sua posição moral, mas, por outro lado, não se pode refutar a estreita ligação entre direito e moral, “relação que pode ser constatada quando se considera que as máximas morais geram os costumes, os quais, por sua vez, servem como fonte material do legislador”.
Neste aspecto, demonstra a autora há ainda um vazio legislativo no direito brasileiro e identifica, pelo menos, três causas que contribuem para a defasagem entre o fato e a norma na área de Biotecnologia: as incertezas e a provisoriedade dos achados científicos, assim como a fluidez da ética contemporânea e a pluralidade de expectativas dos diversos segmentos sociais. (MINAHIM, 2005, p. 48).
Por outro lado, o direito penal é convocado para emprestar sua adesão e coercitividade na tutela de bens e interesses que se deseja preservar das lesões e ameaças produzidas pela biotecnologia, em razão da importância destes bens e da gravidade dos ataques. Adverte a autora que o ineditismo das situações e a velocidade com que as inovações ocorrem e se diversificam, tem surpreendido o direito penal, provocando desestabilização no seu arsenal teórico tradicional (MINAHIM, 2005, p.49).
O direito penal é confrontado não apenas com as questões postas pela Bioética, mas, de forma geral, com o problema relativo ao oferecimento ou não tutela a outras situações postas pela sociedade pós-moderna[11], de forma que o Direito Penal acaba por vê-se no dilema de manter-se fiel ao paradigma do Iluminismo ou expandir-se e reformular-se para fazer face às ameaças da sociedade pós-industrial. (MINAHIM, 2005, p.49).
No que tange ao direito penal e ao papel que pode desempenhar em face dos problemas suscitados pela sociedade pós-industrial, convém citar o apanhado realizado por Auxiliadora Minahim (2005, p. 52) que aponta que os autores se agrupam, basicamente, em três diferentes posições: Alguns defendem a expansão e realinhamento da dogmática, conservando-se certos princípios garantísticos: outros entendem pela preservação das garantias clássicas e, portanto, pelo fechamento do direito penal em um núcleo básico; outros, ainda, pela flexibilização e renúncia dos princípios da idade moderna que não podem subsistir na pós-modernidade, dotando-se, desta forma, o direito penal de instrumentos para proteção das futuras gerações.
Um dos pontos marcantes da nova legislação penal gestada neste processo de expansão gerado pela sociedade de risco é a proliferação de normas penais em branco. De acordo com o ensinamento de Pablo da Silva (2003, p. 22) Mezger classificava as normas penais em branco em sentido amplo e sentido estrito. Nas leis penais em branco em sentido amplo, o tipo e a sanção estão separados, mas o complemento para o preenchimento do “vazio” está na legislação, podendo ser em outro artigo da mesma lei ou em outra lei. Já na norma penal em branco em sentido estrito, a complementação está incluída em uma norma que não emana do poder legislativo.
Nessa última hipótese, de complementação emanada de outros órgãos, encontram-se alguns tipos penais relativos à biotecnologia previstos especialmente na lei 11.105/05. Com efeito, a Lei 11105/05 estabeleceu, em seu artigo 27, o crime de liberação ou descarte de OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. A pena fixada é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, a qual pode ser agravada de um sexto a um terço, se resultar dano à propriedade alheia; de um terço até a metade, se resultar dano ao meio ambiente; da metade até dois terços, se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem e de dois terços até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Não se cuida de inovação da Lei 11105/05, uma vez que o crime já vinha previsto no art. 13, inciso V, da Lei nº 8.974/95. Especificamente em relação à soja transgência, porém, a Lei 10.814/2003 passou a dispor, de forma expressa, acerca da isenção de penalidade e/ou responsabilidade de todos que, porventura, houvessem liberado soja transgênica no meio ambiente no período de 2003, bem como no período anterior, de forma que o restabelecimento pela lei 11.105/05 teve importância salutar na proteção do bem jurídico[12].
Trata-se de norma penal em branco, cuja integração fica a cargo da atividade normativa da CTNbio, na qual se destacam a instrução normativa CTNbio n. 10, de 19 de fevereiro de 1998, que estabelece normas simplificadas para liberação planejada no meio ambiente de vegetais geneticamente modificados que já tenham sido aprovados pela CTNbio; a Instrução Normativa CTNBio nº 17, de 17.11.98 que dispõe sobre as normas que regulamentam as atividades de importação, comercialização, transporte, armazenamento, manipulação, consumo, liberação e descarte de produtos derivados de OGM; a instrução Normativa CTNBio nº 18, de 15.12.98 que dispõe sobre a liberação planejada no meio ambiente e comercial da soja Roundup Ready e a Instrução Normativa CTNBio nº 3, de 12.11.96, que estabelece normas gerais para liberação planejada no meio ambiente de Organismos Geneticamente Modificados.
Assinala Auxiliadora Minahim (2005, p. 150) que a expressão geneticamente modificado, embora inicialmente faça lembrar a qualidade de vegetais, refere-se tanto a plantas quanto a animais, para os quais houver sido transferido genes de outra espécie, bactéria ou vírus com o objetivo de conferir-lhe característica distinta da natural.
É importante assinalar que o tipo penal de liberação ou descarte de OGM não veda a produção, comercialização ou a entrada no país de organismos geneticamente modificados, mas apenas veda a liberação ou descarte no meio ambiente em desacordo com as normas pré-estabelecidas pela CTNbio, que estabelece normativamente a classe de risco do OGM[13]. Neste aspecto, Luís Regis Prado (2000, p.199) diferencia liberação de descarte aduzindo que na idéia de liberação compreende-se a finalidade de que os organismos interajam com o meio ambiente, enquanto o verbo “descarte” refere-se ao rejeito de organismos que já não têm utilidade.
O tipo penal é, ainda, de perigo abstrato, de forma que a conduta, por si só, é tida como perigosa, independentemente de sua aptidão para a produção de resultados. A ocorrência de resultado, por seu turno, é hipótese de aumento de pena, consoante estabelecem os incisos do parágrafo segundo do artigo 27 da Lei 11105/05.
Ressalta Auxiliadora Minahim (2005, p. 156) que o descarte ou liberação de organismos geneticamente modificados não passa de um crime de poluição especial, em razão do meio utilizado. Desta forma, a pena base do tipo, assim como os percentuais de aumento estabelecidos no §2º do artigo 27 da Lei 11105/05 são os mesmos estabelecidos no artigo 58 da Lei 9605/98.
O caput elege o meio ambiente como bem jurídico tutelado. O tipo penal também elege como bem tutelado, em seu §2°, a propriedade alheia, a incolumidade física e a vida da pessoa humana. Entende-se como crime comum, pois sua pratica pode ocorrer por qualquer pessoa. O tipo penal objetivo do caput reside no ato de liberar ou descartar OGMs no meio ambiente, isto é, dispor, jogar, soltar, livrar no meio ambiente qualquer organismo geneticamente modificado. Já em seu parágrafo §2°, prevê a adequação ao tipo penal objetivo ao dano resultante da conduta quanto ao direito de propriedade e ao respeito à integridade física do ser humano. Trata-se de crime doloso, não se admitindo a forma culposa.
Por outro lado, é importante destacar os tipos penais regulados pela Lei de Biossegurança ensejam ação penal pública incondicionada. A jurisdição competente para julgar e processar crimes ambientais será a do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Ainda no que tange à competência, o Superior Tribunal de Justiça, instado a se manifestar sobre o tema, se orienta no sentido ser competente a Justiça Federal para análise dos feitos[14].
Ainda disciplinando as práticas relativas aos produtos transgênicos, a Lei 11.105/05 tipifica as condutas de produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Para tanto, o art. 29 da citada lei comina a pena de reclusão, de um a dois anos e multa[15].
Trata-se, mais uma vez, de norma penal em branco e, da mesma forma que o artigo 27 da Lei, já citado, o presente tipo penal também remete o aplicador da lei às normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos de registro e fiscalização.
De igual forma, cuida-se de crime de perigo abstrato, mas a punição mais branda em relação ao tipo de descarte de OGM se justifica em razão do menor risco de contaminação. Com efeito, os OGMs submetem-se a controle especial e toda atividade relacionada a tais organismos deve estar adequada a regras estabelecidas pelos órgãos da estrutura orgânica de proteção à biodiversidade.
O bem jurídico tutelado é o meio ambiente. O tipo objetivo encontra nas ações de produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar, qualquer OGM ou mesmo seus derivados, sem a devida autorização ou em desrespeito as normas estabelecidas pelos órgãos competentes da gestão de Biossegurança.
O dolo é elemento subjetivo do tipo e não se encontra prevista a forma culposa. A tentativa é possível, em razão de circunstância alheias ao agente. Quanto à consumação, dá-se com a produção, armazenamento, transporte, comercialização, importação ou exportação de OGM ou seus derivados sem a necessária autorização ou cuja documentação esteja desconforme com a regra regulamentadora. De ressaltar, por fim, que a realização de várias condutas descritas no tipo não conduz à cumulação de penas.
4 - Considerações finais
Após as análises empreendidas nos itens que compõem o presente artigo, cumpre salientar o que se segue:
Produtos transgênicos ou organismos geneticamente modificados são todos aqueles que recebem, in vitro, um ou mais genes. A utilização dos alimentos transgênicos não é pacífica, pois as novidades são muitas, gerando insegurança para a população mundial, de forma que os riscos envolvendo a segurança dos alimentos geneticamente modificados têm criado mobilização social em todo o mundo.
Atualmente, o direito penal enfrenta o dilema de conviver na assim chamada “sociedade de risco”, onde a produção social de riqueza é acompanhada por uma correspondente produção de riscos, ao tempo que se assiste a um extraordinário desenvolvimento da técnica e do bem estar individual. Nesse contexto, o direito penal sofre uma expansão considerável.
Dentre as novas vertentes desta ampliação do Direito Penal, assiste-se sua atuação nos ramos ligados à biotecnologia, de forma que o direito penal é convocado para emprestar sua adesão e coercitividade na tutela de bens e interesses que se deseja preservar das lesões e ameaças produzidas pela biotecnologia, em razão da importância destes bens e da gravidade dos ataques.
A Lei 11105/05 estabeleceu, em seu artigo 27, o crime de liberação ou descarte de OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Trata-se de norma penal em branco e crime de perigo abstrato que vem a coibir a liberação ou o descarte de transgênicos no meio ambiente, mas não veda sua importação ou produção.
Por sua vez, o art. 29 da Lei 11.105/05 tipifica as condutas de produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Cuida-se, também, de crime de perigo abstrato, previsto apenas na forma dolosa.
A análise dos dispositivos citados permite concluir que se inserem dentro das discussões relativas ao recente relacionamento entre Bioética e Direito Penal, na medida em que uma adequada compreensão do dispositivo citado somente pode ser efetivada a partir da compreensão do debate atual entre as duas disciplinas.
5 Referências bibliográficas
BECK, Ulrich. ¿La sociedad del riesgo global como sociedad cosmopolita? Cuestiones ecológicas en un marco de incertidumbres fabricadas. In: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Madrid, Siglo XXI, 2002 Disponível em : <http//:www.nodo50.org. Acesso em 12 dez. 2006.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002.
HOOFT, Pedro Federico. Bioetica y derechos humanos:Temas y casos. Buenos Aires, Depalma, 1999,
MELIÁ, Manuel Cancio. In: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José. Direito Penal e funcionalismo. Porto Alegre: Do advogado, 2005.
MENASCHE, Renata. Frankenfoods e representações sociais: percepções contemporâneas sobre biotecnologia, natureza e alimentação. Revista Theomai. 2003. Disponível em: http://revista-theomai.unq.edu.ar/numespecial2003/artmenasche%20numesp2003.htm. Acesso em 02.dez.2006
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e biotecnologia. São Paulo: RT, 2005.
NICOLELLIS, Paulo Cássio. Alimentos transgênicos: questões atuais. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
OLIVEIRA, Edmundo. As vertentes da criminologia crítica. Cadernos da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. n. III.. Disponível em: http://www.ufpa.br/posdireito/caderno3/index1.html. Acesso em 03 dez 06.
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1. 6.ed. São Paulo: RT, 2006.
PRADO, Luis Regis. Manipulação genética e direito penal. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord) Grandes temas da atualidade: ADN como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
PESSANHA, Lavínia. WILKSON, John. Transgênicos, recursos genéticos e segurança alimentar: o que está em jogo nos debates? Campinas: Armazém do Ipê, 2005.
PESQUERO, João Bosco. Animais transgênicos. Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento. n. 27, Jul-ago 2002. Disponível em: http://www.biotecnologia.com.br/. Acesso em 07. dez.2006
RODRIGUES, Melissa Cahoni. ARANTES, Olívia Márcia Nagy. Direito ambiental e biotecnologia: uma abordagem sobre os transgênicos sociais. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.
SANCHEZ, Jesús Maria Silva. La expansión del Derecho Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Madrid: Cuadernos Civitas, 1999.
SCHRAMM, Fermin Roland. BRAZ, Marlene. Introdução à Bioética. Disponível em : http://www.ghente.org/bioetica/index.htm. Acesso em 19. dez. 2006.
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
SILVA, Pablo Rodrigo Aften da. A problemática das leis penais em branco face ao Direito Penal do Risco. Revista de Divulgação Científica da ULBRA/São Jerônimo. v.2, n. 1, jan/jun 2003.
SILVA, Pablo Rodrigo Aften da. Aspectos críticos do direito penal na sociedade de risco. Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 46. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
[1] Neste contexto de pontos de vista favoráveis à transgênese, surge a idéia dos transgênicos sociais, que seriam aqueles organismos modificados que poderiam atender às necessidades das populações de baixa renda e auxiliar na redução da degradação ao meio ambiente (RODRIGUES; ARANTES, 2006, p. 30).
[2] Cite-se, por exemplo, a criação do vocábulo Frankenfoods, que é um dos termos que vêm sendo empregados para designar alimentos contendo ingredientes geneticamente modificados. Consoante ressalta Renata Menashe (2003, p. 1) o termo é abreviação de Frankenstein food e evidencia a existência de associação simbólica entre o monstro de Mary Shelley e a moderna biotecnologia, ambos percebidos como vida criada em laboratório.Na ficção do século XIX, o monstro construído por um aprendiz de cientista a partir de órgãos e membros originários de diferentes cadáveres humanos torna-se independente de seu criador, constituindo-se em ameaça a ele e à sociedade.No mundo globalizado do século XXI, o termo Frankenfood parece traduzir a desconfiança diante de mais um artefato da ciência que produz alterações em espécies vegetais e animais existentes a partir da mistura de genes de diferentes organismos.
[3] A denominação ficou famosa através dos estudos de Ulrich Beck (2002), que formulou uma “tipologia das ameaças globais”, na qual destacou que não existem ameaças globais como tais individualizadas, pois antes estão misturadas com os conflitos étnicos, nacionais etc
[4] Em estudo sobre as vertentes da criminologia crítica contemporânea, Emundo Oliveira (2006) aponta que a Criminologia Crítica, também conhecida como Nova criminologia, é o movimento criminológico que se levantou, na segunda metade do século XX, contra o romantismo da Criminologia Tradicional. Dentre as vertentes, o autor destaca a Criminologia Interacionista que tem por meta considerar que as questões centrais da teoria e da prática criminológicas não devem se voltar ao crime e ao delinqüente, mas, particularmente, ao sistema de controle adotado pelo Estado no campo preventivo, no campo normativo e na seleção dos meios de reação à criminalidade. Por outro lado, a Criminologia da Etnometodologia prega a precisão do exame da intersubjetividade do cotidiano para penetrar nas regras, atitudes, linguagem, significados e expectativas assumidos pelo homem no universo social. A etnometodologia da delinqüência confere, então, enorme relevo ao conhecimento sociológico do comportamento desviante, daí por que o crime é visto como uma construção social. A terceira vertente apontada pelo autor é a criminologia Radical que se apresenta como uma Criminologia Marxista.Os Criminólogos Radicais chamam os Criminólogos Tradicionais de tecnocratas a serviço do funcionamento do sistema vigente, especialmente nas Sociedades Capitalistas onde a crise criminal é crescente e de difícil solução. Uma quarta vertente apontada por Oliveira (2006), a Criminologia Abolicionista apresenta a proposta de acabar com as prisões e abolir o próprio Direito Penal, substituindo ambos por uma profilaxia de remédios para as situações—problemas com base no diálogo, na concórdia e na solidariedade dos grupos sociais. A Criminologia Abolicionista está dividida em três Subcorrentes. A primeira prega a abolição do sistema penal, a segunda quer apenas a abolição da prisão e a terceira defende que deve ser extinta toda e qualquer sanção penal que infligir dor ou sofrimento pessoal e, conseqüentemente, provocar o desvio para um comportamento moral insuportável. A quinta vertente, a criminologia Minimalista é a teoria do Direito Penal Mínimo, que sustenta a necessidade do estabelecimento de uma legislação penal de conteúdo mínimo. Por fim, a Criminologia Neo-Realista defende que a Criminologia Crítica deve regressar à investigação completa das causas e circunstâncias do delito, com o fim de denunciar os padrões de injustiça estrutural, da qual o delito é forma de expressão.
[5] Com efeito, o garantismo penal pugna pela tutela da pessoa frente à arbitrariedade e funda-se em alguns axiomas, apontados por Ferrajoli (2002): não há pena sem crime; não há crime sem lei; não há lei penal sem necessidade; não há necessidade sem ofensa; não há ofensa sem ação; não há ação sem culpa; não há culpa sem processo; não há processo sem acusação; não há acusação sem provas; não há prova sem defesa. Nesse sentido, estruturando um sistema penal ideal garantista, Ferrajoli (2002, p. 74) indica os seguintes princípios ligados axiomas apontados: 1) princípio da retributividade ou conseqüenciabilidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou exterioridade da ação; 6)princípio da culpabilidade ou responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionariedade; 8) princípio acusatório; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa. A ausência de um dos princípios apontados torna a resposta estatal, lida a partir do Garantismo, ilegítima, constituindo, cada um dos princípios, condição da responsabilidade penal.
[6] Neste aspecto, Silva Sanches (1999, p. 27) destaca que mais do que real, a sensação de insegurança é subjetiva e funda-se muito na atuação dos meios de comunicação que muitas vezes estimulam a sensação majorada de insegurança. A segurança, então, se converte em uma pretensão social a que o Estado e o Direito Penal, em particular, devem dar resposta.
[7] Silva Sanches (1999, p. 33) assinala que o estado do “bem estar social” do século XX não estimulava os riscos, mas, ao contrário, representou uma restrição progressiva das esferas de atuação arriscada, criando uma resistência psicológica frente ao caso fortuito e à produção de resultados lesivos pelo azar.
[8] Silva Sanches (1999, p. 50) aponta que os políticos de esquerda defendem que uma maior amplitude do direito penal vai proteger os mais pobres, uma vez que os mais ricos já moram em bairros mais seguros, contam com segurança privada etc.
[9] Destaca Meliá (2005, p. 96) que ambos os fenômenos aqui selecionados não são, realmente, passíveis de serem separados nitidamente porque a denominação “Direito penal simbólico” não faz referência a um grupo bem definido de infrações penais, mas tão-somente identifica a especial importância outorgada pelo legislador aos aspectos de comunicação política em curto prazo na aprovação das normas correspondentes. E estes efeitos, destaca Meliá, podem inclusive chegar a integrar-se em estratégias mercado-técnicas de conservação do poder político, chegando até a gênese consciente na povoação de determinadas atitudes na relação com os fenômenos penais que depois são satisfeitos pelas forças políticas.
[10] Segundo Fermin Roland Schramm e Marlene Braz (2006) a Bioética é uma ética aplicada que visa analisar os conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida e da Saúde do ponto de vista de um sistema de valores . Como tal, a bioética, segundo eles, se distingue da mera ética teórica, mais preocupada com a forma e a cogência dos conceitos e dos argumentos éticos, pois, embora não possa abrir mão das questões propriamente formais, está instada a resolver os conflitos éticos concretos. Tais conflitos surgem das interações humanas em sociedades a princípio seculares, isto é, sem recorrer a princípios de autoridade transcendentes , mas tão somente “imanentes” pela negociação entre agentes morais que devem, por princípio, ser considerados cognitiva e eticamente competentes. Por isso, a bioética segundo Schramm e Braz (2006) tem uma tríplice função: (1) descritiva, consistente em descrever e analisar os conflitos em pauta; (2) normativa com relação a tais conflitos, no duplo sentido de proscrever os comportamentos que podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considerados corretos; e (3) protetora, no sentido de amparar, na medida do possível, todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando isso for necessário, os mais “fracos”.
[11] Boaventura de Souza Santos (2000, p. 139) destaca que o paradigma da modernidade fica associado ao desenvolvimento do capitalismo, que seria dividido em três períodos: o primeiro, do capitalismo liberal, cobre todo o século XIX, sendo suas últimas três décadas de transição. O segundo, do capitalismo organizado, começa nos finais do século XIX e atinge o desenvolvimento máximo no período entre as duas grandes guerras e nas duas primeiras décadas do pós-guerra; finalmente, o terceiro período, do capitalismo desorganizado, começa no final dos anos 60 do século XX e continua até hoje. O autor analisa os três períodos para concluir que o primeiro período já mostra que o projeto sociocultural da modernidade é demasiado ambicioso e internamente contraditório. O segundo cumpre algumas promessas da modernidade e deixa outras por cumprir, ao tempo em que trata de esconder seus fracassos. O terceiro é caracterizado por três pontos: as conquistas não são irreversíveis; os fracassos não serão solucionados e esse défict, além de ser irreversível, é muito maior do que se pensava. No terceiro período do capitalismo, o citado autor ressalta a crise do direito regulatório, que revela, segundo o autor, que quando posto a serviço das exigências regulatórias do Estado constitucional liberal e do capitalismo hegemônico, o direito moderno – reduzido a um direito estatal científico – foi eliminando a tensão entre regulação e emancipação que originalmente lhe era constitutiva. Assim, no primeiro período a emancipação foi sacrificada às exigências regulatórias dos Estados e confinada quase só a movimentos anti-sistêmicos No segundo, a regulação estatal nos países centrais tentou integrar esses projetos emancipatórios anti-sistêmicos, desde que fossem compatíveis com a produção e reprodução social capitalista. No terceiro período, esta falsa síntese evoluiu para a mútua desintegração da regulação e da emancipação (SANTOS, 2000, p. 164).
[12] DIREITO PENAL. ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMS). SOJA. SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO. LEIS NºS 8.974/95, 10.688/2003, 10.814/2003 E 11.105/2005. LEI INTERMEDIÁRIA DESCRIMINALIZADORA. ABOLITIO CRIMINIS. RETROAÇÃO. 1. A liberação ou o descarte no meio ambiente de Organismo Geneticamente Modificado (OGM) em desacordo com as normas estabelecidas em Lei e pela CTNBio constituía crime, consoante dispunha o art. 13, inciso V, da Lei nº 8.974/95. Posteriormente, a Lei 10.814/2003 passou a dispor, de forma expressa, acerca da isenção de penalidade e/ou responsabilidade de todos que, porventura, houvessem liberado soja transgênica no meio ambiente no período de 2003, bem como no período anterior. De modo que, tratando-se de norma penal descriminalizadora (abolitio criminis), sua aplicação é de caráter obrigatório, forte no disposto no art. 5º, XL, da CF/88. Por último a Lei de Biossegurança (Lei 11.105, de 24.03. 2005), cuidou novamente de criminalizar a conduta em foco (art. 27). Verifica-se, assim, a hipótese de sucessão de leis penais no tempo, cuja solução demanda a aplicação da lei intermediária, no caso, Lei 10.814/2004, por mais benéfica. 2. Não procede o argumento no sentido de que a Lei 10.814/2003 destinar-se-ia a regular situação previamente determinada no tempo - configurando, portanto, norma penal com vigência temporária -, em relação a qual, dado o caráter de excepcionalidade que lhe é ínsito, não se aplicaria a regra da extra-atividade da lei descriminalizante. Isso porque, ainda que a exposição de motivos da Medida Provisória nº 131, de 25.09.2003 - posteriormente convertida na Lei 10.814/2003 - consagrasse o caráter excepcional da MP, certo é que, quando da sua efetiva conversão na Lei 10.814/2003, acresceu-se o art. 13, que expressamente isentou os produtores de soja geneticamente modificada de qualquer penalidade ou responsabilidade decorrente da inobservância dos dispositivos legais referidos no art. 1º, inclusive em relação às safras anteriores a 2003. Com isso, exsurge clara a intenção do legislador em estender a descriminalização da conduta, retroagindo ao período anterior à safra de 2003. 3. Não se trata a Lei 10.814/2003 de lei temporária, porquanto não delimitado expressamente seu período de vigência, havendo disposição apenas quanto à sua entrada em vigor na data de publicação. (TRF4, ACR 2000.71.04.000334-0, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, DJ 18/10/2006)
[13] De acordo com a Instrução Normativa CTNbio n. 7/97, o organismo receptor ou parental a ser utilizado no trabalho que originará o OGM será classificado com base no seu potencial patogênico para o homem e para os animais em 4 classes de risco:(a) Classe de risco 1 - (baixo risco individual e baixo risco para a comunidade) - organismo que não cause doença ao homem ou animal. (b) Classe de risco 2 - (risco individual moderado e risco limitado para a comunidade) - patógeno que cause doença ao homem ou aos animais, mas que não consiste em sério risco, a quem o manipula em condições de contenção, à comunidade, aos seres vivos e ao meio ambiente. (c) Classe de risco 3 - (elevado risco individual e risco limitado para a comunidade) - patógeno que geralmente causa doenças graves ao homem ou aos animais e pode representar um sério risco a quem o manipula. (d) Classe de risco 4 - (elevado risco individual e elevado risco para a comunidade) - patógeno que representa grande ameaça para o ser humano e para aos animais, representando grande risco a quem o manipula e tendo grande poder de transmissibilidade de um indivíduo a outro.
[14] PROCESSO PENAL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL - DENÚNCIA - CRIME, EM TESE, DE LIBERAÇÃO NO MEIO AMBIENTE DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (SOJA TRANSGÊNICA) - LEI Nº 8.974⁄95 - EXISTÊNCIA DE INTERESSES CONCRETOS E OBJETIVOS DA UNIÃO – COMPETÊNCIA CONCORRENTE RESIDUAL DOS ESTADOS PARA LEGISLAR E FISCALIZAR SOBRE A MATÉRIA - COMPETÊNCIA FEDERAL RECONHECIDA. 1 - Tendo os denunciados praticado, em tese, crime de liberação, no meio ambiente, de organismos geneticamente modificados - plantação de soja transgênica⁄safra 2001 (art. 13, V, da Lei nº 8974⁄95), verifica-se, consoante legislação federal específica, prejuízo à interesses da União, porquanto há reflexos concretos da utilização desta tecnologia de plantio na Política Agrícola Nacional e na Balança Comercial de Exportação de nosso País. 2 - Outrossim, a Lei nº 8.974⁄95 estabeleceu "normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado (OGM), visando proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente." (art. 1º, do citado diploma legal). No mesmo diapasão, o legislador ordinário federal atribuiu aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico conclusivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, órgão consultivo e de assessoramento do Governo Federal, o poder de fiscalizar as empresas, pessoas físicas e instituições que façam uso da biotecnologia dos transgênicos .3 - Por fim, o Colendo Supremo Tribunal Federal assentou, no tocante a legislação pertinente aos Organismos Geneticamente Modificados, ser a competência dos Estados apenas residual, já que há lei federal expressa (Lei nº 8.974⁄95) (cf. Tribunal Pleno,ed.Cautelar em ADIN nº 3.035⁄PR, Rel. Ministro GILMAR MENDES, DJU de 12.03.2004). 4 - Conflito conhecido e provido para declarar competente o D. Juízo Federal da Vara Criminal de Passo Fundo⁄RS, ora suscitado. (STJ, Conflito de Competência Nº 41.279 - RS (2004⁄0007970-8), Relator : Ministro Jorge Scartezzini, Suscitante : Juízo de Direito da 1a Vara Criminal de Passo Fundo Suscitado : Juízo Federal da Vara Criminal de Passo Fundo, Rel. Ministro Jorge Scartezzini)
[15] Art. 29 Lei 11105/05. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa
Juíza do Trabalho Substituta (TRT 20ª Região), Professora Adjunto da Universidade Federal de Sergipe, Coordenadora e Professora da Pós-Graduação em Direito do Trabalho (TRT 20ª Região/UFS), Especialista em Direito Processual pela UFSC, Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, Doutora em Direito Público pela UFBA. Autora dos livros: Máximas de Experiência no Processo Civil e Direito Constitucional do Trabalho. Site pessoal: www.flaviapessoa.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Bioética e direito penal: a questão dos transgênicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2009, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/193/bioetica-e-direito-penal-a-questao-dos-transgenicos. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Adel El Tasse
Por: Sidio Rosa de Mesquita Júnior
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Precisa estar logado para fazer comentários.