No mês de março, em que se comemorou o dia internacional da mulher (8/3/2015), a Presidência da República brinda as mulheres brasileiras com a Lei n. 13.104/2015, publicada em 09/03/2015, criando o crime de feminicídio, fazendo consolidar na nossa memória, a barbárie que ocorreu em 08 de março de 1837, em Nova Iorque, quando 130 operárias da industria têxtil foram protestar por melhorias no trabalho, pleiteando a redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas e remuneração igual à dos homens. No momento em que adentraram em um galpão, foram todas trancadas, incendiadas e queimadas vivas. Daí em 1910, durante uma Conferencia Internacional ocorrida na Dinamarca, dedicou-se o dia 08 de março para comemoração do “Dia Internacional da Mulher”, que desde 1975, passou a ser comemorado também pela ONU[1].
A justificativa para a criação do crime de feminicídio decorreu da constatação do crescimento de assassinatos de mulheres no Brasil, pela condição de serem mulheres. Por isso, a Lei o elencou no rol das qualificadoras do crime de homicídio, considerando-o assim quando praticado "contra a mulher por razões da condição de sexo feminino" (art. 121, §2·, inc. VI.), punindo com pena de 12 a 30 anos de reclusão.
O legislador não bobeou, pois fez constar o femicídio no inc. I, do art. 1º, da Lei n. 8.072/90, que dispõe sobre crimes hediondos no Brasil, para não gerar injustiça, uma fez que se não houvesse esta alteração, teríamos a hipótese de o homicídio qualificado contra o homem ser considerado hediondo e o feminicído não.
Ressalte-se que a expressão feminicídio foi assim denominada pela primeira vez na ordem internacional, em 2009, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, devido às mortes de mulheres havidas na Ciudad de Juarez, Estado de Chiuahua, no México, conforme expõe o professor Sídio Mesquita[2].
No Brasil, é fato que na última década os crimes de morte praticados contra mulheres aumentaram 230%. Um dado assustador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em 2013, mostra que, entre 2001 e 2011 no Brasil, uma mulher foi agredida e morta a cada uma hora e meia[3].
Convém mencionar que o Brasil é signatário da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW de 1979 - Resolução n. 34/180 – ONU) – Promulgada pelo Decreto n. 4.377/2002, onde o países ratificantes, se comprometem: a) A consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio; b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.
Nesta mesma toada, o Brasil assinou a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (1994), denominada de “Convenção de Belém do Pará” e promulgada pelo Decreto 1.973/96, que em seu art. 2º dispôs que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica: a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual; b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Além disso, a Convenção de Belém do Pará previu no seu art. 4º que: Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros: a) direito a que se respeite sua vida;b) direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;c) direito à liberdade e à segurança pessoais; d) direito a não ser submetida a tortura; e) direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família; f) direito a igual proteção perante a lei e da lei; g) direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos; h) direito de livre associação; i) direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e j) direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.
Visando cumprir as metas previstas nas duas convenções, bem como o comando inserto no § 8º do art. 226 da Constituição Feral, que foi editada a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Assim, podemos observar que apesar da violência contra a mulher ter aumentado, o país, pelo menos na criação ou alteração de Leis, vem cumprindo o seu papel, mas nem sempre foi assim. Se voltarmos os olhos no passado, vamos rememorar que:
a) O Código Penal Filipino (1732 -1831) previa que o crime de adultério era praticado exclusivamente pela mulher e punido com pena de morte.
b) O Código Criminal do Império (1830) que entrou em vigor em 1831 previa que o crime de adultério somente era praticado pelas mulheres com a cominação de pena de trabalhos forçados de 1 a 3 anos.
c) No Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (1890) só a mulher casada era sujeito ativo do crime de adultério e o co-réu adultero só respondia pelo crime se fosse preso em flagrante ou se houvesse a apreensão de documentos amorosos subscrito por ele.
d) O Código Civil de 1916, a mulher casada era semi-incapaz, pois dependia de autorização do marido para o exercício dos atos da vida civil. Já a mulher solteira e maior de 21 anos era plenamente capaz.
e) No Código Penal de 1940, o adultério era crime praticado por ambos os cônjuges, no entanto foi abolido pela Lei n. 11.106/2005.
f) A Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) 1943, previa na sua redação original o artigo 446, que o trabalho dependida de autorização do marido, na medida em que estabelecia: “presume-se autorizado o trabalho da mulher casada e do menor de 21 anos e maior de 18. Em caso de oposição conjugal ou paterno poderá a mulher ou o menor recorrer ao suprimento da autoridade judicial competente”. No parágrafo único, dispunha: “Ao marido ou o pai é facultado pleitear a rescisão do contrato de trabalho, quando sua continuação for suscetível de acarretar ameaça aos vínculos da família, perigo manifesto às condições peculiares da mulher, ou prejuízo de ordem física e moral para o menor”.
g) O Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) tornou a mulher casada plenamente capaz para os atos da vida civil, sem a necessidade de autorização do marido, consequentemente passou a poder trabalhar livremente.
Assim, podemos afirmar que paulatinamente o legislador federal vem minimizando o fomento discriminatório oficial que havia nos textos legais, atendendo o comando constitucional de que todos são iguais perante a lei (art. 5º), bem como as Convenções Internacionais acima mencionadas.
Voltando ao tema do feminicídio, observamos que a Lei n. 13.104/15, trouxe uma norma explicativa para fins de reconhecimento do feminicídio, quando inseriu o § 2º-A no art. 121, do CP, com a seguinte redação:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Aqui, levanto minha primeira crítica, pois antes da Lei, a pratica de homicídio com as características apontadas, certamente seria qualificado pelo motivo torpe, ou seja, seria punido com pena de reclusão de 12 a 30 anos, e considerado como crime hediondo, o que nos motiva a afirmar que o feminicídio não é uma crime mais grave do que as espécies de homicídio qualificado. De qualquer forma, tem-se como positiva a inserção do nomen iuris feminicídio no Código Penal, apenas como efeito pedagógico, uma vez que a pena é a mesma do homicídio qualificado.
Por outro lado, observo que a Lei n. 13.104/15 acrescentou o §7º ao art. 121, prevendo causas de aumento de pena, exclusivamente para o feminicídio, senão vejamos:
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Aqui, nossa segunda crítica, pois pela alteração promovida, matar a mãe idosa, a partir da Lei n. 13.104;2015 terá pena maior do que matar o pai idoso! O mesmo se aplicará ao que matar a filha ou enteada menor de 14 anos! matar o pai na presença do filho é menos grave do que matar a mãe! Ora, o amor de pai e mãe, pelo filho, e vice-versa, não se mede pelo sexo. Há uma presunção legal de que mães e filhas tem valor maior? As normas dos incisos II e III, do §7º me parecem inconstitucionais, pois eu não posso dizer que um idoso de 60 anos tem menos valor do que o outro, apenas pelo fato de um ser homem e outro ser mulher.
Assim, concluímos este artigo, acreditando que andou bem o legislador em presentear as mulheres no sentido de fazer inserir o nomen iuris do feminicídio no Código Penal, o que certamente terá os seus efeitos pedagógico, em especial prevenir e diminuir a violência contra as mulheres, seja no âmbito doméstico ou não, no entanto, entendemos que as causas de aumento de pena do §7º ao art. 121, parece fomentar a discriminação entre homens e mulheres, devendo sofrer interpretação conforme a Constituição, no sentido de que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (Art. 5º). Assim, ou se aplica as causas de aumento de pena para todos os crimes que sejam praticados com aquelas circunstâncias, seja vítima mulher ou homem, ou julga-se os incisos II e III do §7º, do art. 121 do CP como inconstitucionais, para que não haja essa perpetuação discriminatória entre os sexos.
Estas são as minhas primeiras observações sobre o feminicídio e que as mulheres tenham vida longa, para que possamos todos dias do ano comemorar o seu dia, e não apenas o 8 de março.
[1] COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Maria da Penha) - Lei n. 11.340/2006 (Legislação, jurisprudência e exercícios). Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=25392.36248>. Acesso em: 21 mar. 2015.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Do homicídio ao genocídio e deste ao feminicídio. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.52749>. Acesso em: 21 mar. 2015.
[3][3] Confira: http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2015/03/19/noticia_saudeplena,152664/lei-do-feminicidio-gera-duvidas-entre-os-brasileiros.shtml. Acesso em 21 mar. 2015.
Wellington Luiz Souza Silva é Deputado Distrital em Brasília (2010-2018). Bacharelando em Direito - Policial Civil licenciado. Foi presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol) por quase 12 anos. Já foi bancário (Banco Nacional) e Bombeiro Militar do Distrito Federal. Atualmente é Líder do PMDB na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Gabinete n. 11 da CLDF. Telefones: 3348-8112 a 8116. Site: http://wellingtonluiz.com.br . https://www.facebook.com/Wellington.com.vc
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUIZ, Wellington. Feminicídio e sua hediondez: singelas considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 mar 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2067/feminicidio-e-sua-hediondez-singelas-consideracoes. Acesso em: 22 nov 2024.
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