Não aprovo a reforma ortográfica. Muito mais importante seria alfabetizar a totalidade do povo brasileiro pela ortografia anterior, não apenas para que saiba ler mecanicamente, mas para que compreenda o significado do que leu e conquiste através da palavra a consciência libertadora, como pretendeu Paulo Freire.
Vou me render com muita má vontade à imposição ortográfica.
Antes da rendição, manifesto minha especial tristeza com a supressão do trema, que sempre me pareceu dar formosura às palavras. Que graça tem a palavra “freqüência” sem trema? Totalmente insossa.
Lavrado meu protesto formal, vamos ao artigo de hoje.
A Bíblia Sagrada exalta a vida longa como um prêmio concedido por Deus a pessoas especiais. Essa promessa deve ser interpretada, a meu ver, apenas no sentido positivo. Ou seja, a longevidade é uma benesse, mas a vida curta não é, de forma alguma, um castigo.
Figuras admiráveis da tradição cristã tiveram vida curtíssima, como Teresinha do Menino Jesus, que viveu apenas vinte e quatro anos. Não obstante um tempo tão curto de existência, la petite Thérese, como a chamam os franceses, legou à Humanidade (não diria apenas aos católicos) uma preciosa lição sobre a prática da virtude, que é conhecida pela expressão “pequena via”. O caminho da virtude, disse ela, não é feito de coisas extraordinárias, mas de pequenos atos, gestos simples que todos podem praticar na singeleza do cotidiano.
Não foi à toa que Teresinha de Jesus encantou os poetas Manoel Bandeira e Jorge de Lima.
Quando estive na França visitei Lisieux. Fui à cidade natal de Santa Teresinha com minha mulher, que recebeu no Batismo o nome da santa.
Mas voltemos à longevidade, que é o tema deste artigo. Na semana passada, em Marataíses, formosa praia do Espírito Santo, o médico cachoeirense Dalton Penedo, cercado de numerosos parentes e amigos, celebrou cem anos. Uma vida exemplar de dedicação ao próximo, retidão moral, humildade, fidelidade à Fé. Sempre coerente, Dalton Penedo jamais renunciou ao que lhe parecia correto. Edificou uma família que é modelo, em todos os sentidos. Vale a pena completar cem anos assim.
Que bom ser centenário como Dalton Penedo, como Oscar Niemeyer; ou ter sido centenário como Barbosa Lima Sobrinho e Cora Coralina. Estes e tantos outros receberam a vida como um dom e a souberam frutificar. Viram os netos dos filhos, abriram a alma à generosidade, cultivaram o acolhimento.
A gênese, que Dalton Penedo e Alice Menezes Penedo construíram, junta-se à gênese construída pelos outros irmãos. Formam todos a admirável Família Penedo, estimadíssima pelos capixabas.
A reflexão sobre dois termos contraditórios – vida longa e vida curta – conduz-me a uma síntese integradora.
A opção que Dalton Penedo fez, na sua centenária vida, não terá sido a da pequena via que Teresinha do Menino Jesus ensinou?
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