A atual crise dos refugiados que escapam da guerra na Síria e de outros conflitos armados da África e do Oriente Médio têm provocado intermináveis discussões e profundas divisões entre os europeus. O número de refugiados cresce a cada dia, assim como o dramático número de pessoas mortas tentando atravessar a fronteira com a Europa.
Mas o que está acontecendo com o mundo? Por que tantas pessoas buscando refúgio, milhares deixando para trás tudo que construíram em uma vida inteira? Por que arriscar a própria vida e de sua família, por terra, água ou mar, muitas vezes numa odisseia impossível ou desumana?
Muitos chefes de Estado europeus, assim como analistas econômicos e sociais do Velho Continente, não tem disfarçado a preocupação com o grande número de refugiados que chegam aos seus países, assim como com as consequências dessa descontrolada imigração para a sua população local e economia doméstica. A ponto do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, ter dito recentemente:
“A realidade é que a Europa está a ser ameaçada por um grande fluxo de pessoas que querem ficar na Europa. Hoje estamos a falar de centenas de milhares, amanhã podem ser milhões e isto não terá fim. De repente, os europeus correm o risco de se transformar numa minoria”.
A efervescente crise de refugiados da Europa deve nos revelar a certeza de que somos cidadãos do mundo. Que a pobreza e, principalmente, a violação e o desrespeito aos direitos humanos fundamentais, assim como o abalo a quaisquer dos pilares da democracia por governos tiranos e corruptos é um problema de todos.
O sumo pontífice da Igreja Católica, o Papa Francisco, em sua Encíclica intitulada Laudato Si (Louvado Seja), exaltando a missionariedade, apelando à unidade das nações e à unidade de esforços para combater a fome e a pobreza, cunhou a expressão “os pobres do mundo”, estabelecendo, assim, uma relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta:
“A convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do paradigma que deriva da tecnologia, a busca de outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a grave responsabilidade da política, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida são os eixos desta encíclica, inspirada na sensibilidade ecológica de Francisco de Assis”.
Assiste inteira razão ao Santo Padre. O que se passa em qualquer lugar do mundo, do frio Alasca à mais remota ilha aborígene da Polinésia é questão de todas as nações do mundo. Temos muito que aprender com o que se passa na Europa nos dias de hoje, despidos de hipocrisia e do usual pragmatismo politiqueiros. E talvez a maior lição que podemos tirar dessa crise dos refugiados é que não existem os pobres daqui e acolá, supostamente separados por grilhões invisíveis. O que temos são os pobres do mundo, que naturalmente também aspiram a uma vida próspera e pacífica para seus filhos e futuras gerações.
Agora, mais do que nunca, as superpotências mundiais devem passar a rever seus modelos socioeconômicos frente aos países subdesenvolvidos do planeta, principalmente refletir quanto à corrida armamentista, a lucrativa fabricação e comercialização indiscriminada de armas de fogo para o mercado consumidor desses países periféricos de grandes instabilidades econômicas e políticas, marcados por golpismos e regimes autoritários patrocinadores muitas vezes de grupos terroristas ou extremistas.
A solução para a crise dos refugiados não se resume à discussão da divisão de seu quantitativo entre as nações ricas, a criação de centros de assentamentos assistenciais ou a concessão de asilos humanitários por parte dos governos estrangeiros. Essas pautas são inadiáveis e prementes, mas o que deve ser debatido precipuamente pela União Europeia com a colaboração de todas as demais superpotências e organismos internacionais, como ponto central das discussões, é o combate à pobreza mundial e o enfrentamento sistemático ao desrespeito aos direitos humanos.
O Direito Internacional Público e Privado deve se reinventar, criar disposições e mecanismos para que governos nacionais déspotas e prevaricadores protegidos por suas cláusulas legais de soberania, em detrimento da dignidade e do bem-estar geral de seu povo, sejam invalidados pela comunidade internacional de países comprometidos com a democracia e a dignidade da pessoa humana, capitaneados pelos legítimos organismos internacionais, como, p. ex., a Organização das Nações Unidas.
Esse mesmo Direito Internacional deve regrar com muita cautela e vigilância a fabricação e o comércio de armas de fogo no mundo, notadamente para os países tidos como de zonas de guerra e de conflitos civis armados. Da mesma forma e com o mesmo empenho que as grandes potências já fiscalizam programas nucleares de longa data.
Nos anos 90 os Estados Unidos e demais potências europeias, em questão de semanas, puseram fim à chamada Guerra do Golfo, quando o Iraque invadiu o Kuwait, país que detém 10% de todas as reservas comprovadas de petróleo bruto do mundo. Tamanha a presteza e eficiência das grandes nações envolvidas na defesa desse recurso natural que essa guerra foi apelidada de “Guerra Relâmpago”. O êxito da campanha aérea do Ocidente foi tão desproporcional e de altíssima tecnologia que a ocupação terrestre deu-se praticamente para a colheita da assinatura do termo de rendição dos iraquianos derrotados.
A busca da felicidade é uma aspiração universal, desejo de todos os povos, não encontrando fronteiras geopolíticas, culturais, sociais ou religiosas. Se as nações do mundo não aprenderem a dividir essa aspiração geral, a crise de refugiados jamais terá fim. E o mapa-múndi será desenhado e redesenhado quantas vezes forem necessárias até que a humanidade aprenda a viver em paz. Nenhuma potência do planeta possui seu território imune às vítimas da ganância e da soberba do homem.
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