"Não há nada que a sabedoria e a prudência devam regulamentar tão bem quanto a porção que se tira e a porção que se deixa aos súditos" (Montesquieu).
Resta imponderável que o sucesso do Estado na busca do bem estar social depende, inegavelmente, de uma carga tributária equilibrada e suportável que possibilite, de um lado, a manutenção das atividades estatais e o financiamento da execução do programa constitucional e, de outro, assegure ao contribuinte a proteção do direito de propriedade e da liberdade individual.
É dentro destes contornos que a CF, ao estruturar os pilares da ordem tributária, institui as limitações ao poder de tributar, que se equiparam aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, como já reconheceu o STF por ocasião do julgamento da ADIn 939-7/DF. Entre as referidas limitações emerge o princípio de vedação ao tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV, CRFB), proibindo a instituição de tributo que venha a subtrair a integralidade ou uma parcela vultosa da propriedade do contribuinte – independente da natureza do tributo e de qualquer contraprestação estatal.
Dentro destas perspectivas, é preciso enfatizar que a Constituição da República manifesta-se como fonte normativa altissonante na estrutura do Sistema Tributário Nacional, principalmente ao traçar a restrição e o alcance da competência tributária, assegurando que o exercício da prerrogativa estatal de exigir uma parcela patrimonial do contribuinte não venha a antagonizar com os direitos e garantias fundamentais.
Apesar de seu coração constitucional ainda bater, o princípio da Vedação ao Efeito de Confisco parece não ser dotado da efetividade normativa que pretendeu atribuir o Constituinte. As forças políticas entrincheiradas nas funções políticas de Estado e lamentavelmente na função jurisdicional parecem calar a normatividade constitucional do preceito, tratando como letra, não diríamos morta, mas “em coma”. Um princípio fundamental de proteção de inapelável importância.
É verdade que o não-confisco revela-se como conceito jurídico indeterminado em razão da ausência de critérios qualitativos objetivos para a configuração do “efeito de confisco” delineado no texto constitucional, tornando-se atribuição do intérprete avaliar a extensão do conceito. Todavia, este peculiar grau de subjetividade não justifica, de per si, que um princípio constitucional seja relegado a mera norma programática ou singela recomendação ao legislador.
O objetivo do governo é transformar o déficit primário da proposta orçamentária inicial (que era de R$ 30,5 bilhões, ou 0,5% do PIB) em um superávit primário (de R$ 34,4 bilhões, ou 0,7% do PIB).
O valor total do ajuste necessário para isso foi de R$ 64,9 bilhões - R$ 26 bilhões em cortes e o resto em novas receitas, obtidas com revisão de benefícios tributários, realocação de fontes e novas medidas arrecadatórias.
Metade do ajuste anunciado está baseado em recursos de uma única fonte: a volta da CPMF, o imposto sobre operações financeiras, com alíquota de 0,2% e redução do IOF (imposto sobre Operações Financeiras).
E a conta do descalabro da má gestão da coisa pública vem para o contribuinte, com a cessação de desonerações, com o aumento de impostos existentes, com a criação de novos tributos ou mesmo com a tentativa de ressurreição de tributos que já tinham sido sepultados pelo Parlamento, como é o caso da CPMF.
O enunciado proposto pelo artigo 150, inciso “IV” (CRFB), através do qual está disposta a norma direito fundamental abstrata que veicula a prerrogativa da tributação não confiscatória, reveste-se da condição de cláusula pétrea, sendo impassível de supressão total ou parcial mediante emenda à CRFB capaz de desconfigurar seu núcleo essencial.
O impedimento à utilização de tributo com efeito de confisco pressupõe a existência de um direito subjetivo à tributação não confiscatória. O direito subjetivo à tributação não confiscatória é um consectário lógico do direito fundamental à propriedade, quando combinado com o princípio da capacidade contributiva. Sendo um consectário lógico do direito à propriedade, o direito subjetivo à tributação não confiscatória é dotado do traço de fundamentalidade, razão pela qual pode ser classificado como um direito individual do cidadão estabelecido através da CRFB.
O direito fundamental à tributação não confiscatória é veiculado através de uma norma de direito fundamental abstrata com âmbito de proteção estritamente normativo, dada a inexistência de definição constitucional do que seria tributação confiscatória. Parte da doutrina tem erigido os critérios da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural da norma como limites da aplicação prática da norma definidora do direito fundamental à tributação não confiscatória.
A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, assim entendemos, mediante a verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de um determinado período.
Parte da jurisprudência, entrementes, tem entendido que a tributação confiscatória só se verifica quando a totalidade de tributos de um ente federativo transcender a capacidade econômica de um contribuinte individualmente determinado, o que nos afigura um equívoco! Explico: o direito fundamental ao não confisco tem relação estreita com o princípio da Razoabilidade, da Proporcionalidade e da Dignidade da Pessoa Humana, princípios que não podem ser cindidos por entes federativos, mas observados em seu âmbito global de Estado Federado.
De forma simplória, mas de fácil compreensão, se o contribuinte tem tributado da sua propriedade, renda, 50% do seu sustento, sobrando-lhe apenas a metade para mantença de um padrão digno de sobrevivência, pouco para ele importa se a tributação advém da União, do estado ou do município, o que lhe importa é a retirada irrazoável, desproporcional de parcela do seu patrimônio e com ela parcela da sua dignidade. O Estado é um só!
Contrariamente ao que pensamos, ministro Celso de Mello assim expõe: deve-se adotar a teoria do mínimo necessário e da propriedade mutilada, o parâmetro da insuportabilidade da carga tributária, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e o princípio de proteção à família, considerando-se a integralidade da carga tributária cobrada por uma só pessoa jurídica de direito público.
Os critérios da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural da norma não tem amparo constitucional, seja ele expresso ou implícito, razão pela qual não podem servir de postulados interpretativos da CRFB, sobretudo para impor limites aos direitos nela previstos, tais como o direito fundamental à tributação não confiscatória.
A norma direito fundamental abstrata que veicula a prerrogativa da tributação não confiscatória tem aplicabilidade imediata, independentemente do seu âmbito de proteção estritamente normativo.
Inexistindo conceito legal de tributação confiscatória, poderá o Poder Judiciário verificar a constitucionalidade de determinada tributação tendo como paradigma o direito fundamental à tributação não confiscatória, caso no qual deverá decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Perguntas: a proibição ao tributo com efeito de confisco deve ser apurada, em cada caso, à vista do conjunto dos tributos cobrados pelos diversos entes federativos, ou só em face de cada incidência em particular? Qual a alíquota limite de um imposto sobre a propriedade, para que não se torne confiscatório? E a do imposto sobre a renda? É possível constatar o efeito de confisco medindo a proporção do retorno da carga tributária em relação à arrecadação (especialmente no que se refere às receitas tributárias vinculadas)? São peguntas que a doutrina especializada faz.
Com efeito, é difícil traçar um parâmetro concreto que preencha o conteúdo indeterminado do princípio, ainda que a problemática da vedação ao confisco seja avaliada sob a ótica da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, CRFB). No entanto, na ausência de outro limite que o conteúdo semântico das palavras possa expressar, ao menos existe a possibilidade de diminuição da arrecadação com o abusivo aumento da carga tributária – teoria que a famosa curva de Laffe busca comprovar. Vale dizer, é o próprio Estado que tende a perder receita quando ultrapassa o limite da capacidade contributiva. Isto comprova que o país já vive uma tributação confiscatória faz anos, vide índices absurdos de sonegação fiscal, muitas com objetivo de trazer uma sobrevida à pessoa jurídica ou física considerada.
Em um Estado que sofre de uma indelével crise de legitimidade, sem capacidade para vender credibilidade tanto no âmbito nacional quanto internacional fruto de uma corrupção “nunca antes vista na história deste país” corroborada por uma reconhecida incompetência de gestão implacável e indissociável, não pode impelir um sacrifício ao povo que viole o mínimo existencial de um núcleo fundamental à uma existência digna, ainda mais quando ainda pode "lipar" da sua própria banha...
Lembramos, que somos um dos poucos Estados que possui uma carga tributária extorsiva de impostos indiretos, como são os impostos sobre o consumo, por exemplo, todos com repercussão ao contribuinte de fato, o consumidor. Lembramos ainda, que nossas PJs, nossas empresas, perdem em competitividade no mercado internacional pelos tributos que pagam, e a sociedade, o cidadão é obrigado a arcar com o repasse dos custos de cada tributo que o Estado (independente do ente) onera a empresa como forma de sobrevivência desta, pois sabemos que em especial, não apenas, os impostos indiretos repercutem.
Com o pobre e a classe média não mais apenas sobrecarregada, mas esgotada, com a menor parcela da sociedade (que em regra possui ramificações com as instituições de poder) ainda com escapismos que o poder financeiro e político lhes proporciona, somos nós, o povo, que não suportamos mais incidências tributárias desarrazoadas e não podemos mais ser onerados direta ou indiretamente.
A CPMF, que se criada, se ressuscitada, será mais um tributo onde o impactado será o povo. As empresas irão repassar os custos ao consumidor, que não possui mais lombo sem marcas para ser chicoteado por imposições tributárias.
Assim que entendemos que a criação de novo tributo com fins arrecadatórios, como é a CPMF, revela-se inconstitucional por atingir o já vilipendiado dispositivo constitucional que veda o confisco, nos lindas do art. 150, IV da CRFB e por ofensa a dignidade da pessoa humana, com espeque no art. 1º, III do mesmo, tudo em consideração à carga tributária global já suportada pelo contribuinte. Há um abuso do poder de tributar irrazoável, desproporcional do Estado, que deve ser emblematicamente combatido por sua parcela jurisdicional assim que provocada. Legislar em favor da criação de nova imposição tributária é para nós legislar por uma inconstitucionalidade passível da Mandado de Segurança para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal proposto por qualquer congressista que se negue votar PEC que viole as cláusulas pétreas mencionadas.
Some-se a todo o exposto os dizeres normativos seguinte:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
A CPMF não cumpre o preceito constitucional, pois absolutamente ignora a necessidade de graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte.
O brasileiro sofre com uma carga tributária confiscatória que precisa ser diminuída, jamais aumentada. Não há a mínima proporcionalidade do dinheiro despendido do contribuinte em relação aos benefícios por ele auferido, ao contrário, há sim uma desproporcionalidade acachapante!
A redução das imposições tributária é uma necessidade que reduzirá por conseguinte o processo de sonegação, o que finalisticamente proporcionará o aumento da arrecadação. Fundamental sim, que as receitas não sejam desviadas de suas finalidades públicas para as finalidades privatistas comezinhas dos hodiernos dias.
Reduzir este sufocante processo de obesidade mórbida do Estado promovendo uma “bariátrica” nos desperdícios e desvios de dinheiro público, no processo de locupletamento dos antagonistas do Poder e de seus “companheiros de luta” são as preliminares medidas de ajustes que o país precisa.
O retorno da CPMF é um verdadeiro escárnio imposto à sociedade para realidade presente tomado me conta nosso passado mais recente. De fato nos parece que confiscaram o princípio do Não Confisco da mesma forma que à cada dia confiscam as nossas dignidades fundamentais.
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. CPMF: Seu retorno é constitucional? Sustentamos a sua inconstitucionalidade! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2217/cpmf-seu-retorno-e-constitucional-sustentamos-a-sua-inconstitucionalidade. Acesso em: 27 nov 2024.
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