Falaremos desta grande novidade para o Direito Constitucional pátrio, tema de imperioso estudo aos concurseiros e ainda embrionário em terra tupiniquim. Ousamos entrementes, propor um novo papel ao Supremo, que se faria mais ousado e determinante de um novo modelo de Brasil, um Supremo que reconquistaria sua credibilidade e iniciaria o processo para que o país reconquistasse a sua.
O STF no julgamento da Medida Cautelar na ADPF 347, de relatoria do ministro Marco Aurélio, como requerente o PSOL, requereu que fosse o sistema penitenciário brasileiro declarado um Estado de Coisas Inconstitucional, seguindo o modelo da Corte Constitucional colombiana.
Duas ponderações contrárias foram aduzidas 1. O STF não possuiria legitimidade democrática e institucional para adotar as medidas pleiteadas; 2. O sistema carcerário colombiano (de onde se importou o Estado de Coisas Inconstitucional) não obteve a melhora esperada, e por isso a incorporação do instituto ao Brasil não seria considerada boa medida.
Em momento algum a posição defendida por Marco Aurélio foi de interferência brusca quando se buscar a implementação de políticas públicas, mas o diálogo e o controle da execução das medidas, nada que se afaste de um modelo de "check's in balances", quando o Judiciário fiscalizaria o funcionamento de algo que possui inexorável interesse público, que é o restabelecimento dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição, mas violados pelo sistema.
O Estado de Coisas Inconstitucional não poderia e nem poderá ser declarado em hipótese alguma de uma forma vulgar ou leviana, é medida de caráter absolutamente excepcional. Há que estar comprovado desvios de finalidades capazes de alterar de forma insustentável o gozo de direitos fundamentais protegidos como cláusulas pétreas pela nossa ordem constitucional por ação ou omissão contrária ao que os direitos fundamentais buscam tutelar. Desta forma o Judiciário funcionaria de forma extraordinária dialogando para ajustar ao modelo de proteção constitucional os desvios de finalidade que comprometem o melhor funcionamento do Estado nos temos constitucionais.
O Judiciário neste pepel cumpre um mister de viés objetivo para a garantia da implementação da vontade constitucional e o restabelecimento dos direitos constitucionais fundamentais claramente vilipendiados e caráter sistêmico.
O Judiciário perceberá o estado de omissão ou comissão inconstitucional e a partir de um diálogo institucional procurará coordenar as politicas para que o estado constitucional reste restabelecido. É em verdade um trabalho conjunto e não uma interferência impositiva do Judiciário capaz de retirar uma atribuição originária constitucional. Não vemos, à princípio, qualquer ativismo judicial odioso, mas sim o que denominados de ativismo judicial constitucionalizado, pois como dissemos fundamenta-se na busca pela efetividade dos direitos fundamentais através de um dialogo institucional necessário, e não por indevidas interferências na execução da política pública, quando de fato usurparia competência constitucional e podere-se-ia cogitar em ativismo judicial odioso.
Importante ter em mente conforme dissemos que revela-se imperioso encontrar-se uma situação que se aproxime do caos, quando um incontável número de indivíduos tem os seus direitos fundamentais violados e se percebe claramente a falência (por ação ou omissão) da política pública que se pratica ou se deixa de praticar. Não são violações pontuais que legitimam a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, mas sim desvios já enraizados e difundidos dento do sistema, quando os diálogos institucionais não acontecem e se diagnostica que a ausência deste dialogo compromete a finalidade constitucional fundamental.
O Judiciário cumprirá este papel de aproximação das instituições necessárias para a execução dos direitos fundamentais lesionados e não o pepel de executor, mas de um mediador.
O Brasil tem elevadíssimo número de Estados de Coisas Inconstitucional. Possui quadros de violação massiva e contínua de direitos fundamentais decorrentes e agravadas por omissões e bloqueios políticos e institucionais que parecem insuperáveis: saneamento básico, saúde pública em diferentes estados e municípios, violência urbana em diversas regiões metropolitanas, sistema carcerário (já reconhecido no STF), consumo de crack, mobilidade urbana em grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, e não se esgota nestas.
Embora ainda não cogitado por articulistas e doutrinadores, até onde temos conhecimento, o mais agravado Estado de Coisas Inconstitucional que percebemos hoje no Brasil está na política, em sua putrefata prática sistêmica (em um entendimento mais ampliado que nos permitimos diagnosticar). A política tornou-se a raiz das mais hostis e vulneradoras violações aos direitos fundamentais de forma sistematizada. A omissão das autoridades não apenas na repressão deste sistema corrompido, mas principalmente na prevenção, fiscalização e controle sistematizou-se como um grande pacto de impunidade no melhor estilo “bundalelê”. A necessidade da busca de soluções, como por exemplo, agregando valor às instituições de controle conferindo-lhes independência para atuarem sem interferências políticas destrutivas seria uma forma de se iniciar a promoção de um profundo processo de moralização do sistema. As funções de Poder estão em absoluto colapso institucional, que tem sua raiz em uma profunda crise moral, quando não concebemos mais a existência de harmonia e temos dificuldades em perceber independência, nos termos do art. 2º caput da CRFB.
O Supremo Tribunal Federal poderia de fato iniciar este processo declarando as funções Executiva e Legislativa de Poder como em Estado de Coisas inconstitucional, e exigir à partir do diálogo mudanças nas práticas à muito deterioradas. De fato iria muito além da declaração pautada na ceara dos direitos fundamentais como se fez e se cogita, mas indo no cerne, no ponto fulcral de boa parcela das inconstitucionalidades que adoecem o sistema. Por que não exigir uma ampla discussão com a sociedade e com as instituições políticas de Poder à respeito da formulação de PECs para transformar nuclearmente as instituições com funções de fiscalizar, conferindo-lhes independência, sem interferências políticas? Por que não propor PECs que acabem com as indicações políticas para os tribunais e para as instituições de fiscalização, propondo nomeações através de um processo eletivo sim, mas pautado na meritocracia e no tempo de comprovados bons serviços prestados, com ficha limpa? Por que não endurecer as sanções contra mandatários que se desviarem da legalidade com o fito de burlar a lei para se autolocupletarem ou beneficiar terceiros companheiros, não apenas sancionando ao final da apuração com máximo rigor a partir de alterações legislativas, mas afastando das funções tão logo detectados consistentes indícios de desvios das finalidades públicas, mantendo o afastado com remuneração equivalente a 50% dos seus vencimentos, mas se condenado ao final devendo restituir os valores desviados e a remuneração percebida neste período aos cofres? Lembramos que mandatários contam com a fidúcia da sociedade que lhes conferem procuração para gerir o dinheiro que à todos pertence.
Entendemos serem inúmeras as intervenções possíveis ao Supremo Tribunal Federal se de fato resolverem implementar no direito pátrio o Estado de Coisais Inconstitucional (ECI), resta saber se haverá vontade política para tal mister... Para isso, o STF deveria despir-se de sua porção político-partidária para atuar também livre das ardis interferências que as políticas de legendas promovem já quando da indicação de seus nomes ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal, o que deveria findar-se em absoluto, e desta forma vestir-se como protagonista e não mais um dos antagonistas desta República.
É um momento de propostas por um novo Brasil, a nossa talvez flertando com a utopia por estarmos essencialmente comandados pelo pior que a política tem a nos oferecer, mas sentimos que é hora de pensarmos em uma ruptura com este Estado de Coisas Inconstitucional que se tornou o Brasil. Uma República de dimensões continentais gerida como uma republiqueta fosse, onde os interesse partidários e privatistas prevalecem, apequenando o Estado Democrático de Direito e o interesse público primário que em regra deveria prevalecer.
Até quando?!
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. O Estado de Coisas Inconstitucional e um novo papel para o Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2236/o-estado-de-coisas-inconstitucional-e-um-novo-papel-para-o-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 27 nov 2024.
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