Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, a medida de segurança é “uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.” [1]
Vale dizer: a medida de segurança trata-se de uma sanção penal de natureza preventiva e curativa imposta ao indivíduo inimputável (ou semi-imputável) que comete crime.[2]
A execução de medida de segurança terá lugar depois de transitada em julgado a sentença que aplicá-la, ordenada a expedição de guia para a execução. A sentença que aplica medida de segurança decorre do reconhecimento de semi-imputabilidade (sentença condenatória) ou inimputabilidade do agente (sentença absolutória imprópria, que declara que o acusado cometeu o fato, mas reconhece sua incapacidade de entender o seu caráter ilícito e de determinar-se conforme o direito à época da sua prática).[3]
Existem duas espécies de medida de segurança, apontadas nos incisos do art. 96 do CP, a saber:
CP. Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial.
A esta altura, cumpre indagar: qual é o prazo máximo de duração das medidas de segurança?
O Código Penal afirma que a medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial) será aplicada por tempo indeterminado e que deverá ser mantida enquanto o indivíduo for considerado perigoso. Confira:
CP. Art. 97 (...) § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. (grifo nosso)
Constata-se, portanto, que a lei fixa prazo mínimo para a duração da medida. No entanto, quanto à sua duração máxima, afirma que será por prazo indeterminado, condicionando a sua extinção à “cessação de periculosidade” do agente.
Quanto ao tema, o STJ possuía o entendimento de que a medida de segurança, por seu caráter preventivo, curativo e terapêutico, não teria prazo máximo de duração, perdurando enquanto não cessada a periculosidade do agente.[4]
Em contrapartida, o STF, há muito vinha se manifestando sobre a necessidade de se limitar no tempo a duração das medidas de segurança (internação e tratamento ambulatorial). Tendo em vista que as medidas de segurança possuem evidente caráter de sanção penal, o Supremo Tribunal Federal considerava que as medida de segurança seriam espécies do gênero sanção penal, ao lado da pena. Partindo dessa concepção, à luz do art. 5º, XLII, “b”, CF/88 (que afirma que “não haverá penas de caráter perpétuo”), deveria-se buscar um limite temporal máximo para a execução da medida de segurança. [5]
Mostrava-se patente a necessidade de que fosse fixado um prazo máximo de duração da medida de segurança. Afinal, não se pode conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável, uma vez que, ao imputável, a legislação estabelece expressamente o respectivo limite de atuação do Estado. Veja-se que, em relação à pena privativa de liberdade, o Código Penal, em seu art. 75, determinou que o seu tempo de cumprimento não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
Tendo por base os princípios da isonomia e da proporcionalidade o Supremo Tribunal Federal firmou o seguinte entendimento:[6]
“(...) A prescrição da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos, conforme a jurisprudência pacificada do STF. (...)” STF - RHC n.º 100383 AP-AMAPÀ, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe 4⁄11⁄2011.
Revendo sua jurisprudência, o STJ passou a interpretar o art. 97, § 1.º, do CP, em consonância com os princípios da isonomia e da proporcionalidade, de modo que o tempo de cumprimento da medida de segurança (na modalidade internação ou tratamento ambulatorial) deveria ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado, bem como ao máximo de 30 (trinta) anos, por analogia ao art. 75 do CP. [7]
Essa nova orientação do STJ culminou na criação da Súmula 527, que ganhou a seguinte redação:
STJ/Súmula 527: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
A título de exemplificação, confira o caso julgado no HC 143315 RS:
“(...) 4. O delito do art. 129, caput do Código Penal prevê uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção. Isso significa que a medida de segurança não poderia, portanto, ter duração superior a 4 (quatro) anos, segundo art. 109, V, do CP. Em outras palavras, tendo o paciente sido internado no Instituto Psiquiátrico Forense em 30/10/1992, não deveria o paciente lá permanecer após 30/10/1996. 5. Ordem concedida a fim de declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão do seu integral cumprimento. (STJ – HC 143315 RS, Rel. Min. OG FERNANDES, 6ª TURMA, DJe 23/08/2010)
No que diz respeito aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, trazemos o elucidativo voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura: [8]
“A meu sentir, fere o princípio da isonomia o fato da lei fixar o período máximo de cumprimento de pena para o imputável, pela prática de um crime, e determinar que o inimputável cumprirá medida de segurança por prazo indeterminado, condicionando o seu término à cessação da periculosidade. Em razão da incerteza da duração máxima da medida de segurança, está-se claramente tratando de forma mais severa o infrator inimputável quando comparado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado.
Há aqui que se invocar, ainda, o princípio da proporcionalidade, na sua faceta da proibição de excesso. Sobre tal princípio Eduardo Reale Ferrari assevera:
Esse princípio constitui-se em uma limitação legal às arbitrariedades do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, impedindo, de um lado, a fixação de sanções abstratas, desproporcionadas à gravidade do delito, e, de outro, a imposição judicial de sanções desajustadas à gravidade do delito ultimado. O princípio da proporcionalidade refuta a enunciação de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que não levem em conta o valor do fato cometido, precisando uma obrigatória relação com o bem jurídico. Possui como consequência um duplo destinatário: a) o Poder Legislativo, obrigando a cominar sanções proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito; b) o Poder Judiciário, exigindo fixar sanções proporcionadas à concreta gravidade do delito. (Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora RT, 2001, p. 100/101.)
Feitas tais considerações, mostra-se patente a necessidade de que seja fixado um prazo máximo de duração da medida de segurança, que, no meu entendimento, não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. (...)”
À luz do que foi até agora exposto, podemos concluir que o tempo de cumprimento da medida de segurança deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a 30 anos. A questão que surge é a seguinte: e se o agente atinge esse tempo máximo de cumprimento de medida de segurança, mas a perícia médica indica que ele continua com alto grau de periculosidade?
Nesses casos, poderá ser proposta ação civil de interdição em face do agente, cumulada com pedido de internação psiquiátrica compulsória. Assim, o Poder Judiciário poderá decretar a interdição civil do agente em razão da doença mental grave (art. 1.767 c/c art. 1.769, I, do CC), bem como a internação compulsória, com base no art. 6º da Lei nº 10.216/2001 (que disciplina os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais).
Cumpre registrar que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que “é admitida, com fundamento na Lei 10.216/01, em processo de interdição, da competência do Juízo Cível, a determinação judicial da internação psiquiátrica compulsória do enfermo mental perigoso à convivência social, assim reconhecido por laudo técnico pericial, que conclui pela necessidade da internação”. [9]
CONCLUSÃO
O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, sendo certo que deverá perdurar enquanto estiver presente a periculosidade do agente. Entretanto, a duração da medida de segurança deve ser limitada ao período máximo de 30 anos (por analogia ao art. 75, CP).
Este entendimento decorre de duas premissas: a) O prazo de cumprimento da medida de segurança não pode ser ilimitado. Isso porque lhe é aplicável a disposição do art. 5º, XLVII, b, da CF/88 (vedação às penas de caráter perpétuo); b) o art. 97, § 1º, do CP deve ser interpretado com base nos princípios da proporcionalidade (proibição de excesso), e da isonomia (não se pode tratar de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável).
Ressalte-se que, para os casos que o agente atinge o tempo máximo de cumprimento de medida de segurança, mas a perícia médica indica que ele continua com alto grau de periculosidade, o STJ admite, com fundamento na Lei 10.216/01, em processo de interdição, a determinação judicial da internação psiquiátrica compulsória do enfermo mental perigoso à convivência social, assim reconhecido por laudo técnico pericial, que conclui pela necessidade da internação.
[1] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 479.
[2] Quanto à natureza jurídica da medida de segurança, cumpre esclarecer que a doutrina majoritária sustenta seu caráter jurídico-penal, enquanto a corrente minoritária afirma trata-se tão somente de uma medida administrativa. Sobre seu caráter administrativo, trazemos as lições de ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 115: “Em relação às medidas de segurança destinadas a inimputáveis ou sujeitos considerados sem capacidade psíquica suficiente para serem merecedores de uma pena, pode-se afirmar que elas não têm caráter “materialmente” penal, mas só “formalmente” penal, por estarem previstas na lei penal.” E continuam os autores: “Essas medidas são materialmente administrativas e formalmente penais. Uma das provas mais acabadas de que não pode ser outra a sua natureza é que juridicamente não podem chamar-se “sanções”, ainda que, na prática, o sistema penal as distorça e a elas atribua, eventualmente, esta função, realidade que se faz necessário controlar e procurar neutralizar. Além disso, o seu fundamento não é a periculosidade em sentido jurídico-penal (isto é, a relevante probabilidade de que o sujeito cometa um delito), mas a periculosidade entendida no sentido corrente da palavra, que inclui o perigo de autolesão, que não pode ser considerada delito.
[3] Cf. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6ª ed., 2011, p. 1.256.
[4] Cf., nesse sentido, o julgado a seguir transcrito: “(...) 2. Nos termos da orientação firmada nesta Corte, a internação do inimputável deve durar enquanto não cessada a sua periculosidade. 3. O MPF manifestou-se pela concessão do writ. 4. Ordem denegada. (HC nº 113998⁄RS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 5ª TURMA, DJe 16⁄03⁄2009.
[5] Com efeito, nos autos do HC nº 84.219/SP, a 1ª Turma do STF firmou o entendimento de que a medida de segurança, aplicada em razão de “título judiciário penal condenatório”, deve respeitar o limite máximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinário. O acórdão restou assim sumariado: MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (HC n. 84.219, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, 1ª Turma, DJ 23.9.2005.)
[6] Cf., sobre o tema, os seguintes precedentes: HC 107432 RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 24/5/2011; HC 97621 RS, Rel. Min. Cezar Peluso, Julgamento em 2/6/2009.
[7] Cf., sobre o tema: STJ – Voto do Rel. Min. JORGE MUSSI no AgRg no HC: 160734 SP, 5ª TURMA, DJe 08/10/2013.
[8] Cf. STJ – Voto da Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA no HC 91602 SP, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DES. CONVOCADA DO TJ/PE), Rel. p/ Acórdão Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª Turma, DJe 26/10/2012
[9] STJ – HC 135271 SP, Rel, Min. SIDNEI BENETI, 3ª TURMA, DJe 04/02/2014.
Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLAR, Alice Saldanha. O tempo de duração da medida de segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2247/o-tempo-de-duracao-da-medida-de-seguranca. Acesso em: 22 nov 2024.
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