RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar, a partir de uma análise histórico-constitucional, que o Congresso Nacional não possui um presidente, por ser estruturado bicameralmente.
Palavras-chave: Direito Constitucional; Poder Legislativo Federal; Bicameralismo; Câmara dos Deputados; Senado Federal; Mesa do Congresso Nacional; Presidente.
INTRODUÇÃO
Vez ou outra se lê ou ouve gente do povo, jornalistas, políticos e até juristas referindo-se a um suposto “presidente do Congresso Nacional”. Mas, na verdade, o Congresso Nacional brasileiro, desde sempre estruturado bicameralmente, não tem nem poderia ter um presidente.
BICAMERALISMO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Desde a Constituição do Império do Brasil de 1824, o Poder Legislativo brasileiro está estruturado bicameralmente. Denominado de “Assembleia Geral”, o Poder Legislativo era então formado pela Câmara dos Deputados e pela “Câmara dos Senadores ou Senado” (Constituição de 1824, art. 14).
A Constituição 1891, em que pese às importantes mudanças que introduziu – republicanismo, presidencialismo e federalismo, entre outras –, manteve a estrutura bicameral do Poder Legislativo, desde então chamado de “Congresso Nacional”. O Congresso Nacional da República do Estados Unidos do Brasil continuou, pois, formado por uma Câmara dos Deputados e por um “Senado Federal”, como passou a ser denominado a “Câmara dos Senadores” do período monárquico.
O bicameralismo brasileiro foi mitigado durante o curto período de vigência da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.[1] Sob o regime instituído por aquela Constituição, o poder legislativo passou a ser “exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal” (Constituição de 1934, art. 22). De fato, o Senado não mais integrava o Legislativo. A ele cabia tão somente a “coordenação dos Poderes federais entre si (Constituição de 1934, art. 88). Nos termos da Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937, o Legislativo passou a ser chamado “Parlamento Nacional” e voltaria a ser formado por duas câmaras: a Câmara dos Deputados e o “Conselho Federal”, denominação recebida pelo Senado naquela Carta Constitucional. O Parlamento Nacional, porém, nunca veio a ser constituído e instalado.
Sob o regime da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, o Legislativo voltou a ser chamado de “Congresso Nacional” e o bicameralismo foi efetivamente restabelecido: o Legislativo federal voltou a ser formado pela Câmara dos Deputados e pelo outra vez denominado de “Senado Federal” (Constituição de 1946, art. 37).[2]
Os militares, conquanto tenham, pelo uso da força, abortado a tenra experiência democrática brasileira e imposto, de 1964 a 1985, um regime ditatorial aos brasileiros, mantiveram o Congresso Nacional e sua estrutura bicameral. Durante esse período, entretanto, importantes matérias passaram a ser apreciadas em sessões conjuntas. Aos vetos presidenciais, que já haviam sido submetidos à deliberação conjunta da Câmara e do Senado pela Constituição democrática de 1946, as Constituições autoritárias de 1967 e de 1969 acrescentara os seguintes itens: decretos-leis (Constituição de 1967, art. 58), projetos de lei enviados pelo presidente da República em regime de urgência (Constituição de 1967, art. 54, § 3º), propostas de emendas à Constituição (Constituição de 1967, art. 51) e projetos de lei orçamentária (Constituição de 1969, art. 31, § 3º). A apreciação de matérias em sessões conjuntas implica, na prática, uma atenuação do bicameralismo.
A Constituição democrática de 1988 manteve a estrutura bicameral do Legislativo federal, suprimindo as limitações a ela impostas pelo regime militar, com exceção da apreciação dos veto presidenciais e dos projetos de lei orçamentária, que seguem sendo objeto da deliberação das duas Casas do Congresso Nacional em sessão conjunta.
CARACTERÍSTICAS DO BICAMERALISMO BRASILEIRO
Essa estrutura bicameral do Legislativo federal firmemente alicerçada na experiência política e constitucional brasileira implica a independência das duas Casas e a consequente inexistência de subordinação entre elas, razão pela qual o Congresso Nacional não tem nem pode ter um presidente. Tivesse o Congresso um presidente e fosse ele o presidente de uma das Casas, necessariamente haveria subordinação de uma Casa a outra e a consequente negação do bicameralismo.
Não é por outra razão que inexiste na Constituição, nos Regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e no Regimento Comum das duas Casas qualquer referência a um “presidente do Congresso Nacional”. Tudo o que se pode encontrar em tais normas constitucionais e regimentais são referências a um “presidente da Mesa do Congresso Nacional”.
MESA DO CONGRESSO NACIONAL
A Mesa do Congresso Nacional foi introduzida pela Constituição de 1891. Ela era presidida pelo vice-presidente do Senado – presidente de fato, já que a presidência de direito do Senado competia ao vice-presidente da República –, o qual era substituído sucessivamente pelo presidente e vice-presidentes da Câmara. Serviam como secretários os primeiros e segundos-secretários das duas Casas, os quais eram substituídos pelos respectivos suplentes (Regimento Comum de 1926, art. 6º). A principal atribuição da Mesa do Congresso era a de promulgar as reformas da Constituição (Constituição de 1891, art. 91).
A Constituição de 1934 suprimiu a Mesa do Congresso Nacional. As sessões conjuntas passaram a ser presididas pela Mesa do Senado, e as revisões e reformas da passaram a ser promulgadas conjuntamente pelas Mesas da Câmara e do Senado (Constituição de 1934, arts. 28 e 178).
A Mesa do Congresso Nacional só veio a ser restaurada pela Constituição de 1988. Na definição de José Afonso da Silva, “não é um organismo per se stante; não existe por si, não tem uma formação adrede, por que se constitui dos membros das Mesas do Senado e da Câmara” (SILVA, 2000, p. 512). Nos termos do art. 57, § 5º, da Constituição atual, é presidida pelo presidente do Senado, sendo os demais cargos exercidos, alternadamente, pelos ocupantes de cargos equivalentes na Câmara e no Senado. Em outras palavras, a primeira-vice-presidência é exercida pelo primeiro-vice-presidente da Câmara; a segunda-vice-presidência, pelo segundo-vice-presidente do Senado; a primeira-secretaria, pelo primeiro-secretário da Câmara; a segunda-secretaria, pelo segundo-secretário do Senado; a terceira-secretaria, pelo terceiro-secretário da Câmara; e a quarta-secretaria, pelo quarto-secretário do Senado. Vale ressaltar que o presidente da Câmara não faz parte da Mesa do Congresso. Em homenagem ao princípio do bicameralismo e à consequente independência das duas Casas, não queria o constituinte que, em hipótese alguma, o presidente da Câmara ficasse em posição de subordinação ao presidente do Senado. A principal atribuição da Mesa do Congresso é a de presidir as sessões conjuntas das duas Casas.
CONCLUSÃO
A figura de um presidente do Congresso Nacional, portanto, contraria o princípio do bicameralismo, de acordo com o qual o Poder Legislativo brasileiro vem sendo estruturado desde o nascimento do estado brasileiro. Não é por outra razão que a Constituição e os Regimentos da Câmara e do Senado, assim como o Regimento Comum das duas Casas, em momento algum fazem referência a tal figura. Tudo quanto se encontram nessas normas constitucionais e regimentais são referências ao presidente da Mesa do Congresso Nacional, órgão que, como se viu, não existe por si só, não tem formação adrede, e cuja principal função é presidir as sessões conjuntas da Câmara e do Senado. Sequer conserva a Mesa do Congresso a competência de sua antecessora da Velha República de promulgar emendas à Constituição, prerrogativa que, sob o regime constitucional atual, passou a ser exercida conjuntamente pelas Mesas da Câmara e do Senado (Constituição de 1988, art. 60, § 3º).
Ante todo o exposto, reafirma-se: o Congresso Nacional não tem nem poderia ter um presidente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PINTO, Julio R. S. Poder Legislativo brasileiro: institutos e processos. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
[1] A Revolução de 1930 pôs abaixo a chamada “Velha República”. Getúlio Vargas, o líder do movimento revolucionário, interveio nos estados, liquidou a política dos governadores, mandou desarmar os coronéis e criou a Justiça Eleitoral, para a qual transferiu a atribuição de julgar a validade das eleições e de proclamar os eleitos, função antes exercida pelos corpos políticos. Em 1932, Vargas marcou eleições para uma Assembleia Constituinte, que se realizaram no ano seguinte. Até a promulgação da Constituição de 1932, Vargas governou por decretos-leis. O mesmo aconteceu de 1937 a 1945, durante o denominado “Estado Novo”. Vargas, eleito presidente pela Assembleia Constituinte, revogou a Constituição de 1934 e outorgou a Constituição de 1937, por força da qual a Câmara dos Deputados e o Senado foram dissolvidos (PINTO, 2009).
[2] Antes disso, ao final da Segunda Guerra Mundial, por meio da Lei Constitucional n. 9/1945, Vargas fez várias alterações à Constituição de 1934, convocando eleições diretas para presidente da República e governadores dos estados, assim como para o Parlamento e as Assembleias Estaduais (art. 4º). A eleição do Parlamento eventualmente evoluíram para eleição de uma Assembleia Constituinte. Em 2 de dezembro de1945, Vargas foi deposto por seus ministros militares (PINTO, 2009).
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Processo Civil pelo Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Esdras Silva. O Congresso Nacional não tem Presidente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2252/o-congresso-nacional-nao-tem-presidente. Acesso em: 27 nov 2024.
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