A Medida Provisória nº 685, de 21-7-2015, que institui o Programa de Redução de Litígios Tributários – PRORELIT – a pretexto de combater o planejamento tributário, cria a modalidade de lançamento por homologação baseado nas informações exigidas a título de operações realizadas com a finalidade de reduzir ou diferir o imposto devido.
Ao invés de disciplinar em nível de lei abstrata e genérica as hipóteses excludentes do planejamento tributário, regulamentando o disposto no parágrafo único do art. 116 do CTN, o legislador palaciano criou uma obrigação concreta versando sobre obrigação, crédito e lançamento tributários invadindo a esfera reservada à lei complementar.
Nos dois artigos anteriormente publicados demonstramos a inconstitucionalidade formal e material dessa medida provisória. Examinemos agora a inconstitucionalidade do meio eleito para combater a chamada elisão fiscal, que é uma forma legal e legítima de diminuir o encargo tributário, sem violação da legislação tributária em vigor.
Cumpre esclarecer, desde logo, que é legítima a ação do fisco de procurar combater a prática do planejamento tributário, porém, por via de instrumento legislativo que venha preencher os vazios existentes na legislação tributária, trazendo para o campo da tributação aquilo que está fora do alcance da incidência tributária. É o que se chama de juridicização dos fatos economicamente aptos a suportar a imposição tributária, mas que por deficiência da lei, ou por opção do legislador ficou fora do âmbito da tributação. Legítimo também o combate sistemático a fraudes fiscais sob o manto de planejamento tributário.
Não é o que fez a medida provisória sob comento que, por meio de seus artigos 7º e 9º, interpretados conjugadamente, criou uma modalidade de lançamento tributário por homologação ancorado nas informações detalhadas sobre as operações de planejamento tributário que o contribuinte deverá apresentar à SRF, sob pena de incorrer em processo criminal por delito contra a ordem tributária, conforme prescrição do art. 12. Transcrevamos esses dispositivos para melhor exame:
“Art. 7º O conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser declarado pelo sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 30 de setembro de cada ano, quando:
I – os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes;
II – a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócios jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou
III – tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Parágrafo único. O sujeito passivo apresentará uma declaração para cada conjunto de operações executadas de foram interligada, nos termos da regulamentação”.
.....
“Art. 9º Na hipótese de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas nos termos do art. 7º, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora”.
...
“Art. 12. O descumprimento do disposto o art. 7º ou a ocorrência de alguma das situações previstas no art. 11 caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa no § 1º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996”.
A interpretação isolada do art. 7º pode induzir em erro o leitor que poderá concluir pela simples obrigação acessória de prestar informações ao fisco. No texto anteriormente publicado demonstramos que essa obrigação está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF). É um equívoco sustentar, com base no § 2º, do art. 113 do CTN, que por ser uma obrigação tributária acessória não está sob reserva de lei, como querem alguns estudiosos, pois, isso seria negar o princípio maior da legalidade genérica, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.
A interpretação conjugada dos dispositivos legais que antes nos referimos conduzirá à conclusão de que o art. 7º obriga o contribuinte a descrever pormenorizadamente as operações realizadas a título de planejamento tributário no exercício anterior, informando o exato montante do valor que resultou na economia do imposto. Não se trata de mera declaração ou de informação acerca das atividades do contribuinte que a SRF já dispõe de forma até abundante. Diante desses dados, o fisco irá examinar se as atividades desenvolvidas pelo contribuinte, que resultaram na economia do imposto no valor por ele apontado, deve ou não ser desconsideradas ante as três hipóteses previstas nos incisos I a III do art. 7º. A obrigação de informar o valor do imposto economizado decorre da cobrança desse imposto conforme prescrição do art. 9º, como adiante se verá. Se o valor do imposto não tiver sido declarado pelo contribuinte, o fisco só poderia cobrar o tributo mediante a lavratura do auto de infração seguido de notificação do contribuinte para exercer o contraditório e ampla defesa. Não é o que está no texto normativo.
Se a autoridade administrativa competente entender que as atividades de planejamento tributário informadas pelo contribuinte: (a) não possuem razões extratributárias relevantes; (b) ou que aquelas atividades não observaram a forma usual, contendo cláusulas que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou (c) que aquelas atividades correspondem a atos ou negócios jurídicos especificados em ato da SRF, haverá homologação das atividades exercidas e informadas pelo contribuinte e o imposto será devido na forma do art. 9º, isto é, o contribuinte deverá pagar o montante do imposto informado ou requerer o seu parcelamento no prazo de 30 dias. Isso corresponde ao lançamento por homologação condicional. Por que condicional? Por que se o fisco entender, a seu juízo, que a atividade desenvolvida pelo contribuinte configura uma legítima e lícita economia de imposto no valor informado, não haverá cobrança. Mas, se o fisco entender que a atividade descrita pelo contribuinte caracteriza ocorrência de fato gerador de imposto, ele homologa a atividade exercida pelo contribuinte e exige o pagamento do imposto no valor declarado. Não há imposição de penalidade porque o fisco convola aquela atividade de economia de imposto declarada e informada, em lançamento por homologação. E nem há que se falar em contraditório ou ampla defesa porque o fisco limita-se a exigir aquilo que o contribuinte está informando. Trata-se, sem dúvida , de uma modalidade de lançamento por homologação sob condição.
O pior é que todos os incisos do art. 7º sob comento representam normas abertas, cuja interpretação do seu alcance e conteúdo depende apenas da autoridade administrativa tributária competente. Contudo, em direito isso é usual. O tributo é um dos raros exemplos de conceito determinado. Entretanto, a hipótese do inciso III representa uma norma legal em branco. A qualquer momento a autoridade administrativa da SRF poderá acrescentar atos ou negócios jurídicos que descaracterizam a elisão fiscal situando-os no campo da tributação, à medida que tomar conhecimento desses atos praticados pelos contribuintes ao longo do tempo.
Resta patente a inconstitucionalidade da criação, por medida provisória, de nova modalidade de lançamento por homologação, baseada nas informações que os contribuintes estão obrigados a fornecer de forma detalhada acerca das operações praticadas no âmbito do planejamento tributário.
Se a medida prevista no art. 7º fosse facultativa ela até poderia significar um avanço em termos de relacionamento fisco-contribuinte. As hipóteses dos incisos I e II poderiam representar normas anti-abusivas servindo de alerta aos contribuintes. Já a hipótese do inciso III deverá, em qualquer caso, ser eliminada, pois, o que o contribuinte pode fazer ou não pode fazer é matéria que se insere no âmbito da legalidade estrita.
A medida provisória sob exame, como está, gera total insegurança jurídica e elevará fatalmente o aumento do nível da demanda judicial, contrariando a sua ementa que diz instituir o Programa de Redução de Litígios Tributários – PRORELIT[1].
[1] Pelas razões apontadas neste e nos outros dois artigos anteriormente divulgados, a Câmara dos Deputados extirpou do corpo da Medida Provisória nº 685 os arts. 7º a 12 como forma de evitar o aumento da demanda judicial ante a cristalina inconstitucionalidade desses dispositivos. É preciso que o Senado Federal não restabeleça esses artigos.
Advogado em São Paulo (SP). Mestrado em Teoria Geral do Processo pela Universidade Paulista(2000). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Kiyoshi. Medida Provisória nº 685 institui a 4ª modalidade de lançamento tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2270/medida-provisoria-no-685-institui-a-4a-modalidade-de-lancamento-tributario. Acesso em: 26 nov 2024.
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