1. ENTENDENDO A ADPF N. 378
A Constituição Federal, por meio da Emenda à Constituição n. 3, de 17.3.1993, passou a dispor: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Sua criação teve em vista suprir a lacuna deixada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pois esta não pode ser proposta contra lei ou atos normativos anteriores à Constituição Federal vigente.
A petição inicial ADPF n. 378 foi protocolada no dia 3.12.2015[1][2] e distribuída ao mais recente Ministro do STF, Edson Fachin, o qual determinou a oitiva dos interessados, no prazo comum de 5 dias, e, em 8.12.2015, concedeu liminar “acautelatória” do procedimento do impedimento[3] da Presidente da República Dilma Roussef.
A petição inicial se fez acompanhar de parecer dos Professores Juarez Tavarez e Geraldo Prado, dois notáveis juristas pátrios, que reclamam o respeito às garantias constitucionais aos direitos fundamentais no processo de impedimento do(a) Presidente da República, conforme consta da própria petição inicial.
2. DA MEDIDA CAUTELAR DETERMINADA
O inteiro teor da decisão interlocutória proferida pelo Min. Edson Fachin, datada de 8.12.2015 e publicada em 10.12.2015, é o seguinte:
MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 378 DISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) :PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL
ADV.(A/S) :ADEMAR BORGES DE SOUSA FILHO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO MONOCRÁTICA: Em 08/12/2015, o Partido requerente apresentou pedido de medida cautelar incidental para que se anule a decisão de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados contra a Presidente da República e que, assim, outra decisão seja proferida por ele com a devida observância do direito de defesa prévia da Presidente da República.
Ainda em 08/12/2015, foi apresentado pelo requerente segundo pedido de medida cautelar incidental para que, no momento de formação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a eleição de seus membros observe a regra de indicação pelos partidos, por meio das lideranças partidárias, através de voto aberto e que a composição da Comissão Especial se dê segundo a representação proporcional dos partidos, e não dos blocos partidários.
Tendo em vista que, dos 03 (três) pedidos cautelares incidentais, 02 (dois) deles dizem respeito aos mesmos pedidos cautelares feitos anteriormente quando da proposição da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 378, aguardem-se as informações e manifestações requeridas no prazo comum de 05 (cinco) dias no Despacho proferido em 03/12/2015.
Dada a urgência do feito e a relevância respectiva para que esta Corte chancele a segurança jurídica constitucional ao procedimento, consigno que, em respeito ao princípio da colegialidade, pedi ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, em 08/12/2015, dia para julgamento na primeira sessão ordinária do Tribunal Pleno desta Corte após o decurso do prazo das informações e manifestações das medidas cautelares requeridas. O prazo estabelecido no Despacho proferido em 03/12/2015 expirará em 11/12/2015, sendo que a primeira sessão ordinária subsequente do Tribunal Pleno desta Corte será em 16/12/2015.
Em relação ao pedido cautelar incidental que requereu a suspensão da formação da Comissão Especial em decorrência da decisão da Presidência da Câmara dos Deputados de constituí-la por meio de votação secreta, verifica-se, na ausência de previsão constitucional ou legal, bem como à luz do disposto no art. 188, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a plausibilidade jurídica do pedido, bem como, ante a iminência da instauração da Comissão Especial, o perigo de dano pela demora da concessão liminar requerida.
É coerente e compatível com a Constituição da República de 1988 procedimento regular que almeja, em face de imputação de crime de responsabilidade, o respectivo impedimento de Presidente da República.
Emergindo dúvidas relevantes no curso do procedimento, aptas a suscitar pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, impende submeter o processo ao crivo do exame constitucional diante do Tribunal Pleno.
Com o objetivo de (I) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (II) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (III) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16.12.2015, todos os atos até este momento praticados.
Em caráter excepcional, com fulcro na Lei 9.882/1999, art. 5º, §1º, se sustenta essa decisão monocrática, ad referendum do Tribunal Pleno, por ser portadora de transitória eficácia temporal de 08 (oito) dias, a contar de hoje, diante da magnitude do procedimento em curso, da plausibilidade para o fim de reclamar legítima atuação da Corte Constitucional e da difícil restituição ao estado anterior caso prossigam afazeres que, arrostados pelos questionamentos, venham a ser adequados constitucionalmente em moldes diversos.
Solicitem-se informações à Presidência da Câmara dos Deputados, no prazo de 24 horas, contados da comunicação desta decisão, sobre a forma de composição e eleição da referida Comissão Especial Comunique-se, com a máxima urgência, inclusive via fax ou outro meio mais expedito, o teor do presente despacho.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 08 de dezembro de 2015, 22h28min.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
Documento assinado digitalmente[4]
Causa estranheza a distribuição aleatória ter sido feita àquele Ministro que ainda “não pagou sua dívida” com o Partido dos Trabalhadores, aquele da Presidente da República que o nomeou Ministro do STF, a primeira mulher a ser Presidente da República e, possivelmente, a primeira a ser impedida a prosseguir com o seu mandato.
O interessante é que o prognóstico que se pode fazer da situação brasileira não é bom. Desse modo, atrasar o andamento da ADPF n. 378 pode ser pior, pois a popularidade da Presidente(a) da República tende a piorar. De qualquer modo, o partido político que propôs a ação espera é que seja declarada nula a decisão de início do processamento do impedimento da presidente e que ele não reinicie.
3. PROCESSO E JULGAMENTO DA ADPF N. 378-DF
O processo, juridicamente, é concebido como um conjunto de atos coordenados entre si, tendentes à aplicação da lei material ao caso concreto. Ele não é um fim em si mesmo, mas um instrumento finalístico, tem em si a finalidade de tornar possível a aplicação da lei a determinado caso. No caso da ADPF n. 378-DF, o PCdoB tinha em vista a tutela de direitos fundamentais da Presidente(a) da República, sendo que inicio pela visão geral do julgamento, conforme informativo do STF:
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 378, que discute a validade de dispositivos da Lei 1.079/1950 que regulamentam o processo de impeachment de presidente da República. Com o julgamento, firmou-se o entendimento de que a Câmara dos Deputados apenas dá a autorização para a abertura do processo de impeachment, cabendo ao Senado fazer juízo inicial de instalação ou não do procedimento, quando a votação se dará por maioria simples; a votação para escolha da comissão especial na Câmara deve ser aberta, sendo ilegítimas as candidaturas avulsas de deputados para sua composição; e o afastamento de presidente da República ocorre apenas se o Senado abrir o processo.
A corrente majoritária seguiu o voto do ministro Luís Roberto Barroso, divergente do relator da ação, ministro Edson Fachin, que rejeitava alguns dos principais pedidos feitos pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), autor da ADPF, como a necessidade de defesa prévia do presidente da República, a vedação ao voto secreto para a formação da comissão especial e a possibilidade de o Senado rejeitar a instauração do processo.
Seguiram a divergência as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, em menor extensão, e o presidente, ministro Ricardo Lewandowski. O ministro Teori Zavascki divergiu do voto do ministro Barroso apenas quanto à comissão especial, por entender cabível o voto secreto. Com o relator, votaram os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O ministro Celso de Mello divergiu do relator em relação ao papel do Senado. Para ele, não há qualquer relação de subordinação do Senado em relação à Câmara.
Confira abaixo como votou cada ministro.
Ministro Teori Zavascki
O ministro Teori Zavascki acompanhou o voto do ministro Barroso quantos ao rito a ser adotado para o procedimento do impeachment, com exceção ao ponto em que Barroso considera ilegítimo o voto secreto para a eleição da comissão especial.
Para Zavascki, a constituição de comissões deve observar as regras regimentais das casas legislativas. O regimento interno da Câmara dos Deputados, de acordo com o ministro, embora não faça menção específica a essa comissão especial, distingue o procedimento em relação a atos deliberativos e atos eletivos. A norma prevê, segundo Teori Zavascki, que em relação a atos deliberativos, o voto deve ser aberto. No entanto, do que diz respeito aos atos eletivos, a votação pode ser secreta. “Há uma escolha, uma indicação de quem vai deliberar. Não vejo inconstitucionalidade na escolha secreta daqueles que vão deliberar. É uma questão interna corporis, que seria compatível com a Constituição Federal”, disse. Portanto, para o ministro Teori, é legítima a votação por voto secreto para a escolha da comissão especial.
O ministro votou pela adoção, na íntegra, dos procedimentos realizados em 1992, no julgamento do ex-presidente Fernando Collor. “Na formulação de juízo sobre as questões da sua competência, o Judiciário deve, em nome da segurança jurídica, observar a sua jurisprudência”, frisou.
Quanto ao papel das casas legislativas, o ministro Teori afirmou que cabe à Câmara dos Deputados, tanto em relação aos crimes de responsabilidade, quanto em relação aos crimes comuns, apenas autorizar a instauração do processo. O Senado, de acordo com o ministro, tem discricionariedade para abrir ou não o processo, como o STF tem discricionariedade para aceitar ou não denúncia. “Há uma perfeita sintonia fina entre o que acontece em relação ao julgamento pelo Senado e pelo Supremo”.
Ministra Rosa Weber
Em seu voto, a ministra Rosa Weber divergiu em parte do voto do relator, Edson Fachin. Ela defendeu que o juízo da Câmara dos Deputados é de mera admissibilidade e autorização de um pedido de impeachment de presidente da República. Dessa forma, essa decisão não se vincula obrigatoriamente ao Senado Federal que, para a ministra, tem a função de processar e o julgar. Outro ponto de discordância da ministra é em relação ao voto secreto. Rosa Weber entendeu que o voto, em matéria de pedido de impeachment do presidente da República, deve ser aberto em todas as etapas do processo. “Se a deliberação final há de ser em voto aberto por força da própria Constituição, a constituição da comissão especial, que seria acessório, não pode deixar de seguir a sorte do principal, na mais absoluta transparência”. Assim Rosa Weber acompanhou integralmente a divergência aberta pelo voto do ministro Luís Roberto Barroso.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux, em seu voto, também defendeu que o rito de impeachment deve ser semelhante ao adotado em 1992, no caso do ex-presidente Fernando Collor. Para ele, o Supremo Tribunal Federal já tem jurisprudência nesse sentido e já estabeleceu um rito procedimental, depois da Constituição de 1988. “Se já iniciado o processo sugere-se um novo rito, só esse fato já viola a segurança jurídica”, afirmou o ministro. Assim, Luiz Fux, foi contrário ao voto do relator em quatro pontos e acompanhou a divergência aberta no voto do ministro Luís Roberto Barroso.
Com base no princípio da publicidade, direcionado pela Constituição de 1988, o ministro Luiz Fux defendeu o voto aberto em julgamento de pedido de impeachment do presidente da República. Também entendeu que o Senado Federal pode ou não instaurar o processo admitido pela Câmara. Sobre a formação da Comissão Especial na Câmara dos Deputados, que já analisa o pedido de impeachment, Fux também divergiu do voto do relator Edson Fachin. Para ele, os membros do colegiado precisam ser indicados pelos líderes dos partidos, sem candidaturas avulsas. Ainda sobre a comissão, o ministro defendeu que a indicação dos parlamentares deve ser feita pelo voto aberto, o que invalida, nesse ponto, o procedimento já adotado pela Câmara.
Ministro Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli acompanhou em seu voto o entendimento do relator, ministro Edson Fachin, destacando seu posicionamento em três pontos principais: o Senado não pode rejeitar o processamento do impeachment aprovado na Câmara; a votação pode ser secreta, uma vez que se trata de em votação eletiva – a escolha da comissão especial – e é lícita a existência de candidaturas avulsas para a formação da comissão.
Em relação às candidaturas avulsas, o ministro aprofundou seu argumento, sustentando que um veto às candidaturas avulsas seria, além de uma interferência indevida em matéria interna corporis, uma atitude contrária ao princípio democrático. “Nós estaríamos tolhendo a representação popular, tolhendo a soberania popular a mais não poder, porque qualquer um dos 513 deputados pode ser candidato”, afirmou.
Ministra Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência inaugurada pelo ministro Luís Roberto Barroso. “Sem responsabilidade não há democracia, sem democracia não há justiça, sem justiça não há dignidade, menos ainda cidadania”, afirmou, ao ressaltar que a questão é gravíssima para o Brasil. A ministra baseou-se nos três pilares da dinâmica democrática estatal: responsabilidade, legalidade e segurança jurídica. Ao votar, ela considerou prudente seguir o que já foi aplicado pelo Supremo na análise do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor em coerência com a Constituição Federal de 1988. A ministra Cármen Lúcia destacou ainda o limite estrito de atuar “de tal maneira que a segurança jurídica não fosse de qualquer forma tisnada” e salientou a juridicidade a ser assegurada no processo, “a fim de que eventuais teorias não pudessem fazer sucumbir direitos de minorias ou de maiorias”. Ela ressaltou que ao Senado Federal compete processar “e, como competência não é faculdade, é dever, então ele tem que processar para receber ou não a denúncia”.
Ministro Gilmar Mendes
Para o ministro Gilmar Mendes, o relator enfrentou todas as questões suscitadas na ADPF “e deu a elas respostas plausíveis que vêm sendo reconhecidas pela Corte”. Quanto ao papel da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ele considerou que o relator apresentou solução adequada e respeitosa para a convivência entre as duas casas. “Eu também compartilho da ideia de que é necessário preservar a jurisprudência estabelecida no caso Collor e o roteiro seguido com adaptações”, disse o ministro, ao ressaltar que “deve-se ter enorme cuidado para não agravar uma situação que já está muito agravada”. Em relação ao voto secreto e à candidatura avulsa, o ministro Gilmar Mendes também acompanhou o voto do relator.
Ministro Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio aderiu em menor extensão à divergência apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Segundo ele, nada justifica a existência do voto secreto, portanto considerou que, no caso, a votação tem que ser aberta. “Há de prevalecer sempre o interesse público, princípio básico da administração pública, que direciona a publicidade e a transparência, que viabiliza a busca de um outro predicado que é a eficiência”, ressaltou.
O ministro Marco Aurélio afastou a candidatura avulsa, em homenagem à existência dos partidos políticos. “Ante à ênfase dada pela Carta aos partidos políticos, não há campo para ter-se candidatura avulsa, cuja espontaneidade é de um subjetivismo maior”, destacou. De acordo com o ministro, ao Senado cumpre julgar e também processar, portanto há possibilidade ou não daquela casa legislativa concluir pelo arquivamento da acusação formalizada. Sobre a defesa prévia, o ministro assentou que “a oportunidade ótima da audição é aquela que antecede a instauração da acusação pelo Senado da República”. Em seu entendimento o quórum para instauração no Senado deve ser qualificado em dois terços dos membros.
Ministro Celso de Mello
O decano do STF seguiu majoritariamente o voto do relator, à exceção da parte relativa ao papel do Senado Federal. Segundo o ministro Celso de Mello, a Constituição de 1988 reduziu os poderes da Câmara dos Deputados, que, no caso do impeachment, “se limita, a partir de uma avaliação eminentemente discricionária, a conceder ou não a autorização” para a abertura do processo. “Sem ela, o Senado não pode instaurar um processo de impeachment, mas, dada a autorização, o Senado, que dispõe de tanta autonomia quanto a Câmara, não ficará subordinado a uma deliberação que tem conteúdo meramente deliberativo”, afirmou.
O ministro assinalou que as consequências da instauração do processo são “radicais e graves”, devido ao afastamento de presidente da República, que pode acarretar problemas gravíssimos. Por isso, considera lícito que o Senado tenha o mesmo juízo discricionário reconhecido à Câmara, ou seja, a possibilidade de declarar improcedente a acusação e extinguir o processo.
Ministro Ricardo Lewandowski
Em seu voto, o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, acompanhou a posição adotada pelo ministro Luís Roberto Barroso, destacando três pontos do seu entendimento. Um foi a impossibilidade de voto secreto que, para o ministro, tem hipóteses taxativas previstas na Constituição, e a publicidade dos atos deve ser a regra, sendo necessário o voto aberto no caso. Outro ponto foi a participação do Senado no processamento do impeachment, hipótese que, para o presidente, é facultada pela Constituição Federal – ou seja, o Senado não se vincula ao entendimento da Câmara pelo processamento do impeachment.
Quanto à questão da participação de representantes de blocos na comissão especial, o presidente entendeu que ela é possível, uma vez que pela Constituição Federal tanto eles como os partidos podem formar a comissão. Mas afastou em seu pronunciamento a tese da possiblidade de candidaturas avulsas. “Afasto a possibilidade de candidaturas avulsas. O regime político que adotamos é o da democracia representativa. E ela se faz mediante os partidos políticos. Não há a menor possibilidade de candidaturas avulsas”. Ele assinalou ainda que o processo de impeachment é pedagógico, como instrumento para afastar maus governantes. “Se é algo para melhorar a democracia, precisa ser transparente”, afirmou. “Não há nenhuma razão para permitir que os representantes do povo possam de alguma forma atuar nas sombras”.
Maioria simples
Ao final, os ministros decidiram por maioria que o juízo de admissibilidade do pedido de impeachment por parte do Senado (que, uma vez aceito, resulta no afastamento do presidente da República) exige maioria simples, com a presença da maioria absoluta. A condenação, porém, necessita de maioria qualificada (dois terços dos membros). Prevaleceu, nesse ponto, o voto do ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de manter o entendimento do STF quando definiu o rito no caso do impeachment de Fernando Collor, em 1992. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio.
Mérito
Por estar devidamente instruída a ADPF para julgamento de mérito, tendo se manifestado nos autos todos os interessados e a Procuradoria Geral da República, os ministros converteram a apreciação da liminar em julgamento definitivo da ação.[5]
Destaco, desde o início, que o voto que mais me convenceu foi o do Min. Dias Toffoli, até porque assegurou o voto secreto para nomeação de comissões, o que é assunto interna corporis, assunto sobre o qual a jurisprudência do STF foi abandonada para invadir assuntos próprios de um Poder constitucionalmente instituído para legislar e que criou o seu próprio regimento interno.
Este, Regimento Interno da Câmara dos Deputados, foi declarado inconstitucional?
Lamentável que, “no tapetão”, o governo tenha conseguido reverter a nomeação da Câmara dos Deputados. Ótimo que a decisão trará maior maturidade ao processo de natureza política-jurídica. Embora a decisão seja casuística, sem fundamentação jurídica, obriga estabelecer chapa única para escolha da comissão, a ser escolhida por dirigentes dos partidos.
Não existe razão para isso e se a Câmara dos Deputados alterar seu Regimento Interno para inserir expressamente a escolha de Comissão Especial para decidir sobre o impedimento da República, terá aplicação imediata e o STF terá que inventar novas razões para a pífia posição, por maioria, vencedora.
No 16.12.2015, o STF iniciou o julgamento do Min. Edson Fachin, o qual, em apertada síntese, sustentou:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. IMPEACHMENT. EXIGÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA. LEI 1.079/1950. FILTRAGEM CONSTITUCIONAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DOS REGIMENTOS INTERNOS DAS CASAS DO CONGRESSO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CÂMARA DOS DEPUTADOS. DEFESA PRÉVIA AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO PRESIDENTE DA CÂMARA. FORMAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. AUTORIZAÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO NO SENADO FEDERAL. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO NO SENADO. AFASTAMENTO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
1. O impeachment integra, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Lei 1.079/1950, o rol de procedimentos presentes no Estado Democrático de Direito, configurando-se em processo de índole dúplice, de natureza jurídico-política para o fim de examinar a imputação e definir a ocorrência ou não de crime de responsabilidade por parte de Presidente da República, devendo o Supremo Tribunal Federal assegurar a realização plena do procedimento nos estritos termos da lei e da Constituição.
2. O conteúdo do juízo exclusivamente político no procedimento de impeachment é imune à intervenção do Poder Judiciário, não sendo passível de ser reformado, sindicado ou tisnado pelo Supremo Tribunal Federal, que não deve adentrar no mérito da deliberação parlamentar.
3. Restringe-se a atuação judicial, na hipótese, à garantia do devido ADPF 378 MC/DF processo legal. A forma do procedimento de impeachment deve observância aos direitos e garantias do acusado, especialmente aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos pela Constituição da República e pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
4. Sendo a lei existente sobre a matéria anterior à Constituição de 1988, e não tendo havido pelo Parlamento edição de lei específica para o respectivo regramento, em termos procedimentais e formais pode o Poder Judiciário à luz de filtragem constitucional examinar a legislação pretérita iluminada por preceitos fundamentais previstos no Texto Constitucional e na Convenção Americana de Direitos Humanos, em sede de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a teor do inciso I, do parágrafo único, do artigo 1º. da Lei 9.882/1999.
5. A atuação judicial pode, assim, adequar, em tais limites e naqueles definidos pelos pedidos na presente ADPF, o procedimento quando necessário à observância de regras e preceitos constitucionais.
6. Deve-se adotar, na espécie, a técnica da “interpretação conforme” ao artigo 38 da Lei 1.079/50, de maneira a consignar que a única interpretação passível de guarida pela ordem constitucional contemporânea se resume na seguinte assertiva: os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal somente possuem aplicação no rito do impeachment naquilo que dizem respeito à auto-organização interna dos referidos órgãos legislativos, mas não para a autorização, processamento e julgamento do impeachment.
7. Não há violação à reserva de lei exigida pelo art. 85 da Constituição de 1988 na aplicação de regras dos regimentos internos das Casas Legislativas, desde que não sirvam para regulamentar a autorização, processamento e julgamento do impeachment.
8. Considerando que o recebimento operado pelo Presidente da Câmara dos Deputados configura juízo sumário da admissibilidade da denúncia para fins de deliberação colegiada, não há obrigatoriedade de defesa prévia a essa decisão. Não se reconhece que a exigência de defesa prévia ao recebimento da denúncia constitua derivação necessária da cláusula do devido processo legal. Reconhecido o direito de manifestação anterior à aprovação do primeiro parecer proferido pela Comissão Especial, há contraditório prévio à admissibilidade conclusiva, o que é suficiente para garantir o devido processo legal.
9. As causas de impedimento, suspeição e outras limitações impostas aos magistrados, próprias do processo jurisdicional, que visam à garantia de um juízo dotado da mais absoluta imparcialidade, não se compatibilizam com o processo jurídico-político do impeachment.
10. No que diz respeito à formação e à composição da Comissão Especial na Câmara dos Deputados, uma autêntica filtragem constitucional da Lei 1.079/50 exige a equiparação normativa dos blocos parlamentares aos partidos políticos, tanto quanto for possível, nas circunstâncias passíveis de legítimo alvedrio por parte do Legislativo. Não cabe ao Poder Judiciário tolher uma opção feita pela Câmara dos Deputados no exercício de uma liberdade política que lhe é conferida pela ordem constitucional, conforme art. 58, §1º, da Constituição da República de 1988.
11. Tendo em vista o disposto no art. 58 da Constituição da República de 1988 não há ofensa direta à normatividade constitucional quando as instâncias competentes da referida casa legislativa deliberaram em favor do modelo de votação fechada para a eleição da Comissão Especial.
12. O direito ao contraditório e à ampla defesa implica: (I) dar interpretação conforme ao art. 20, §2º da Lei 1.079/1950 a fim de firmar o entendimento de que antes da discussão em plenário seja lida a manifestação do Presidente da República sobre o parecer preliminar elaborado pela Comissão Especial; (II) declarar a recepção do art. 22, caput da Lei 1.079/50 para que, no caso de o plenário decidir que a denúncia deve ser objeto de deliberação, o Presidente da República deverá ser notificado para contestar a denúncia, indicando meios de prova; (III) dar interpretação conforme ao art. 22, §3º a fim de firmar o entendimento de que a oportunidade de contradizer o parecer final da Comissão Especial configura meio inerente ao contraditório.
13. A indicação da tipicidade é pressuposto da autorização de processamento, na medida de responsabilização do Presidente da República nas hipóteses prévia e taxativamente estabelecidas.
14. Em relação ao art. 23, §1º, da Lei 1.079/50, deve-se dar interpretação conforme a Constituição vigente para inferir que à expressão “decretada a acusação”, constante no art. 59, I, da Constituição de 1946, deve ser dirigida uma interpretação evolutiva, à luz do art. 51, I, da Constituição da República de 1988. Portanto, deve-se fixar interpretação constitucional possível ao §1º do art. 23 da lei em comento, isto é, o efeito lógico da procedência da denúncia na Câmara dos Deputados é a autorização para processar o Presidente da República por crime de responsabilidade. Dessa forma, declara-se a não recepção dos artigos 23, §5º; 80, caput, ab initio; e 81 da Lei 1.079/1950.
15. À luz do disposto no art. 58 da Constituição da República, bem como do art. 24, caput, da Lei 1.079/1950, inexiste competência do Senado para rejeitar a autorização expedida pela Câmara do s Deputados. O comando constitucional é claro ao indicar, no art. 86, que “admitida a acusação contra do Presidente da República, será ele submetido a julgamento”, não havendo faculdade da Mesa do Senado pois, quando recebe a autorização, deve ela instaurar o processo.[6]
A atuação prévia, com concessão de medida cautelar, soou meio estranho, até porque foi designado o dia 16.12.2015 para votação da cautelar e a tramitação na Câmara dos Deputados não poderia ensejar nenhum constrangimento irreparável ou de difícil reparação. Assim, o perigo da demora não estava presente, o que esvazia a liminar de conteúdo.
Flávio Dino de Castro e Costa requereu sua admissão no feito como “amigo da corte” (amici curiae), sustentando que o tema interessa a toda federação e, portanto, aos Estados e Distrito Federal. Como ele é governador do Estado do Maranhão, entendeu ser cabível como “amigo da corte”. No entanto, o então relator, decidiu, em 15.12.2015, que, embora a Lei n. 9.882, de 3.12.1999, não preveja a admissão de “amigo da corte” na ADPF, reconheceu que aquele tribunal tem admitido o “amigo da corte” em tal espécie de ação, isso por analogia ao art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868, de de 10.11.1999 (que dispões sobre o processo e o julgamento das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, mas não seria cabível na hipótese porque admite-se instituições e órgãos, negando-se a possibilidade às pessoas físicas, especialmente quando a ação foi promovida pelo PCdoB, ao qual o requerente é filiado e participa da sua Comissão Política Nacional. Ademais, o indeferimento não gera prejuízo à parte, razão de sequer ser cabível recurso.
Nas redes sociais, o Diretor do Departamento de Administração (Deadm) da Fundação Nacional de Saúde, publicou uma série de manifestações de apoio ao Governo Dilma, sendo que o contestei, especialmente, porque o apoio feito à Presidente(a) da República, quando admitido o processo do seu impedimento, em 8.12.2015, a maioria dos Governadores das Unidades da Federação que a apoiaram eram do Nordeste, sabidamente, a região do Brasil que mais apresenta problemas de concentração de riquezas e piores níveis do IDH.
O julgamento iniciou no dia 16.12.2015, sendo que o Min. Fachin apresentou um relatório sucinto, mas que enumera 11 pedidos constantes da petição inicial. Tais pedidos, a partir do relatório do Min. Fachin, [7] serão apresentados adiante.
Será com a análise dos principais aspectos do voto do Min. Luís Roberto Barroso, ao lado da posição do relator e outras, que discorrerei rapidamente sobre a ADPF n. 378-DF para dizer que negar vigência ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados é um absurdo jurídico, especialmente porque o que houve, criação de “chapa avulsa”, apenas ampliou o debate democrático.
No STF o julgamento se encerrou no dia 17.12.2015, mas o presidente, Min. Ricardo Lewandowski deixou para proclamar o resultado na sessão extraordinária de 18.12.2015, a que encerrou o ano de atividades no STF.
Passo a transcrever o que o STF entendeu do voto do Min. Luís Roberto Barroso:
Com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quinta-feira (17) o julgamento de liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 378, na qual se discute a validade de dispositivos da Lei 1.079/1950 que regulamentam o processo de impeachment de presidente da República. Em seu entendimento, a Câmara dos Deputados apenas dá a autorização para a abertura do processo de impeachment, cabendo ao Senado fazer juízo inicial de instalação ou não do processo. O ministro entende também que a votação para escolha da comissão especial na Câmara dos Deputados deve ser aberta e que o afastamento do presidente ocorre apenas se o Senado abrir o processo.
O ministro destacou que o papel do STF no processo de impeachment deve ser o de árbitro, no sentido de preservar a segurança jurídica e garantir o uso de normas claras, estáveis e que estejam vigendo antes do início do jogo. Barroso destacou que seu voto foi pautado pela jurisprudência do STF e pelos ritos adotados pelo Congresso, com a chancela da Suprema Corte, durante o processo de impeachment o ex-presidente Fernando Collor, em 1992.
O ministro Barroso salientou que a Lei 1.079/1950 foi elaborada sob a vigência da Constituição de 1946, segundo a qual a Câmara desempenhava papel de recebedora da denúncia, cabendo ao Senado apenas o julgamento. Entretanto, observou, esse modelo foi alterado pela Constituição de 1988 que, em seu artigo 51, deu expressamente à Câmara competência unicamente para autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra presidente, cabendo ao Senado, segundo o artigo 86, processar e julgar em todas as fases, inclusive quanto ao recebimento da denúncia.
De acordo com ele, quando a Constituição confere ao Senado a tarefa de processar e julgar, esse papel envolve também o juízo preliminar sobre o recebimento da denúncia. Para o ministro, a Câmara autoriza, mas não pode determinar ao Senado a abertura do processo, pois isso significaria submissão de uma das casas legislativas a outra. Lembrou ainda que, no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, esse foi o rito adotado.
O ministro destacou que o rito do impeachment definido pelo STF em 1992 estabeleceu a necessidade de juízo prévio e, caso rejeitado o parecer da Câmara dos Deputados autorizando a abertura do processo, a proposta seria arquivada. Aprovado o parecer, a Presidência do Senado é transferida ao presidente do STF e só neste momento o presidente da República é afastado do cargo.
“Quem olhar para a Constituição não verá nenhum momento em que um órgão constitucional fique subordinado a outro. Eu penso que seria um papel indigno de um órgão constitucional funcionar como carimbador de papéis para dar execução à determinação da Câmara dos Deputados. Atos menos gravosos que o afastamento de presidente da República, como derrubada de veto, dependem de pronunciamento das duas casas”, afirmou.
Voto aberto
No entendimento do ministro, a eleição da votação da comissão especial da Câmara dos Deputados deve ser feita por voto aberto. Segundo ele, embora os casos de votação secreta elencados na Constituição seja absolutamente fechado, é possível que em um documento infraconstitucional preveja voto secreto. Entretanto, observou, a Lei 1.079/1950, que regulamenta o processo de impeachment, não prevê voto secreto para formar a comissão. Destacou ainda que o regimento interno da Câmara, ao tratar da composição de comissões, sejam elas temporárias ou permanentes, em nenhum momento menciona votação secreta.
“O voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara. Portanto, sem autorização constitucional, sem autorização legal, sem autorização regimental. A vida em democracia não funciona assim”, assinalou.
O ministro Barroso ressaltou que, além da impossibilidade dogmática de se criar um procedimento sem previsão legal ou constitucional, em um processo como o de impeachment, com grande impacto sobre a legitimidade democrática, pois pode representar a destituição constitucional de um presidente da República, deve prestar a máxima reverência aos princípios republicano, democrático, representativo e da transparência.
“Eu acho que o cidadão brasileiro tem o direito de saber a postura de cada um de seus representantes. Esse não é um procedimento interno, é um procedimento que tem que ser transparente para a sociedade brasileira”, disse.
Rito na Câmara e no Senado
De acordo com o ministro Barroso, deve ser seguido o mesmo rito adotado no processo de impeachment do ex-presidente Collor. Em sua opinião, a Lei 1.079/1950 não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 nesta parte, pois o papel das casas legislativas foi significativamente alterado. Ele considera que a Câmara dos Deputados deve se manifestar uma única vez, com quórum de dois terços, e apenas sobre a autorização para a instauração do processo.
Já o Senado, explica, deve se pronunciar em três momentos. Inicialmente, pelo recebimento ou não da denúncia, por maioria simples. Depois, também por maioria simples, deve se manifestar em relação à pronúncia. Para a condenação, a votação deverá ter quórum qualificado, com a aprovação de dois terços dos membros.
Candidaturas avulsas
No entendimento do ministro, as candidaturas avulsas para a composição da comissão especial que analisará a admissibilidade do impeachment são ilegítimas. Segundo ele, a Lei 1.079/1950 estabelece participação proporcional dos partidos na comissão, dessa forma, a escolha dos membros deve ser realizada pelos respectivos líderes, e não pelo plenário da Câmara.
Observou ainda que a Constituição delega a cada uma das casas legislativas a forma de composição das comissões, mantida a proporcionalidade. Entretanto, o regimento interno da Câmara dos Deputados estabelece que os integrantes da comissão devem ser indicados pelos líderes de partidos.
Penso:
Como escrever pouco sobre tudo isso?
Tentarei!
1º Pedido (a): seja realizada interpretação conforme à Constituição do art. 19 da Lei n. 1.079/1950, para se fixar, com efeito ex tunc – abrangendo os processos em andamento –, a interpretação segundo a qual o recebimento da denúncia referido no dispositivo legal deve ser precedido de audiência prévia do acusado, no prazo de quinze dias.
11º pedido (k): seja realizada interpretação conforme do art. 19 da Lei 1.079/1950, com efeitos ex tunc – alcançando processos em andamento –, para fixar a interpretação segundo a qual o Presidente da Câmara dos Deputados apenas pode praticar o ato de recebimento da acusação contra a Presidente da República se não incidir em qualquer das hipóteses de impedimento ou suspeição, esta última objetivamente aferível pela presença de conflito concreto de interesses.[8]
Dispõe o preceito impugnado:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
A interpretação deste preceito não apresenta relevância jurídica e, no contexto de uma medida cautelar, não tem relevância jurídica suficiente para se dizer que há fumaça do bom direito capaz de ensejar a decisão liminar proferida. Com efeito, embora eu não concorde, com a reforma legislativa de 2008, a jurisprudência tem confirmado a validade dos procedimentos comuns ordinário e sumário, constantes do Código de Processo Penal, nos quais o recebimento da denúncia é anterior à manifestação do réu (art. 396), o que se aplica aos procedimentos especiais, ex vi do art. 394, § 4º do codex.
No processo criminal em sentido estrito, a regra é o recebimento da denúncia ou da queixa sem a oitiva prévia do acusado. Nos denominados “crimes de responsabilidade” da Lei n. 1.079, de 10.4.1950, não existem propriamente crimes, não se submetendo a um processo criminal imparcial, mas político-jurídico que não resultará propriamente em uma pena, mas em uma sanção de impedimento ao exercício de qualquer dos cargos que a lei enumera pelo prazo de 5 anos, período em que o sentenciado ficará impedido de exercer qualquer função pública (Lei n. 1.079/1950, art. 68, parágrafo único). Aliás, a própria Constituição Federal veda a prisão do(a) Presidente(a) República, enquanto não sobrevier sentença condenatória por crime comum (art. 86, § 3º). Portanto, em sendo a regra para o mais severo (processo criminal), a do recebimento da denúncia sem manifestação prévia do acusado, não há incompatibilidade do procedimento da Lei n. 1.079/1950 com o ordenamento jurídico pátrio.
Em matéria criminal, a palavra denúncia, em sentido estrito, é a petição inicial elaborada por membro do Ministério Público. Na Lei n. 1.079/1950, a denúncia será firmada por qualquer cidadão (arts. 14, 41 e 75), remontando seu sentido amplo, que decorre do verbo latino denuntiare (anunciar, declarar, avisar, citar), ou seja, comunicação que se faz em juízo. No processo de impedimento da Presidente(a) da República, a petição inicial é apresentada à Câmara dos Deputados (Lei n. 1.079/1950) e ali recebida sem a defesa prévia do(a) acusado(a), ex vi do art. 19 transcrito.
2º Pedido (b): seja declarada a ilegitimidade constitucional (não recepção) das expressões “regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado federal”, constantes do art. 38 da Lei 1.079/1950.
Dispõe o artigo impugnado: “Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, serão subsidiários desta lei, naquilo em que lhes forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Código de Processo Penal”.
Os regimentos internos dos tribunais disciplinam procedimentos, o que não os tornam inconstitucionais, o que evidentemente, não pode afastar os regimentos internos das Casas Legislativas para o procedimento do impedimento.
Não se olvide que o cabimento de embargos infringentes em ações criminais originárias no STF, cujas decisões não sejam unânimes, decorrerão de previsão do regimento interno (art. 333, inc. I), o que foi objeto de profunda discussão na Ação Criminal n. 470 (mensalão do PT), sendo que o STF, por maioria, assentou entendimento de que o seu regimento deve prevalecer, tendo como importante o denso voto do Min. Celso de Mello.[9]
Como sustentou o Min. Dias Toffoli, o STF não poderia se imiscuir em assuntos interna corporis da Câmara dos Deputados. Ora, o art. 17, inc. I, alínea “m”, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) comete ao Presidente da Câmara “nomear Comissão Especial, ouvido o Colégio de Líderes”. Na discordância, poderia ele optar pela chapa avulsa?
Parece-me que estender o aspecto democrático da discussão não pode tornar nula a escolha, a ser declarada pelo Poder Judiciário, até porque a petição inicial não diz que foi violado o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, mas impugna a sua aplicação ao procedimento de impedimento do(a) Presidente da República. Desse modo, dizer que a nomeação de comissão especial deve ser por voto aberto, data venia, é, no mínimo, extra petita.
Diversamente, o Min. Luís Roberto Barrroso, não admite a inserção de “chapa avulsa” sob o seguinte fundamento:
4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o art. 58 e § 1º da Constituição que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária.
A construção do STF foi desproporcional porque a Constituição Federal, em seu art. 58, dispõe: “§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa”. Há aí alguma vedação à chapa avulsa indicada pelos partidos?
A resposta é negativa, mas o STF inventou para invadir assuntos interna corporis.
Não se olvide que os arts. 85-86 da Constituição Federal não tratam de serem as sessões públicas ou secretas quando das nomeações de comissões na Câmara dos Deputados. Desse modo, não parece cabível o entendimento que permite que o Poder Judiciário faça uma drástica intromissão nos assuntos internos do Poder Legislativo.
3º pedido (c): seja declarada a recepção dos artigos 19, 20, 21, 22 e 23, caput, da Lei 1.079/1950, afastando-se a interpretação segundo a qual o art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados substitui o procedimento previsto nos referidos preceitos legais.
4º pedido (d): seja realizada interpretação conforme a Constituição do art. 19 da Lei 1.079/1950, afastando-se a interpretação segundo a qual a formação da comissão especial deve se dar com representantes dos blocos parlamentares no lugar de representantes dos partidos políticos.
5º pedido (e): seja realizada interpretação conforme dos artigos 18, § 1º, 22, 27, 28 e 29 da Lei 1.079/1950, para se fixar a interpretação segundo a qual toda a atividade probatória deve ser desenvolvida em primeiro lugar pela acusação e por último pela defesa.
6º pedido (f): seja realizada interpretação conforme do § 1º do art. 22 e dos artigos 28 e 29, todos da Lei 1.079/1950, para se fixar a interpretação segundo a qual, em cada fase processual – perante a Câmara Federal e perante o Senado Federal –, a manifestação do acusado, pessoalmente ou por seus representantes legais, seja o último ato de instrução.
7º pedido (g): seja realizada interpretação conforme a Constituição do artigo 24 da Lei 1.079 para se fixar a interpretação segundo a qual o processo de impeachment, autorizado pela Câmara, pode ou não ser instaurado no Senado, cabendo a decisão de instaurá-lo ou não à respectiva Mesa, aplicando-se analogicamente o disposto no artigo 44 da própria Lei 1.079/1950, não sendo tal decisão passível de recurso.
8º pedido (h): seja realizada interpretação conforme a Constituição do artigo 24 da Lei 1.079/1950 para se fixar a interpretação segundo a qual a decisão da mesa do Senado pela instauração do processo deve ser submetida ao Plenário da Casa, aplicando-se, por analogia, os artigos 45, 46, 48 e 49 da própria Lei 1.079/1950, exigindo-se, para se confirmar a instauração do processo, a decisão de 2/3 dos senadores.
9º pedido (i): seja declarada a ilegitimidade constitucional – não recepção – dos §§ 1º e 5º do art. 23, e dos artigos 80 e 81 da Lei 1.079/1950.
10º pedido (j): seja realizada interpretação conforme dos artigos 25, 26, 27, 28, 29 e 30 da Lei 1.079/1950, para se fixar a interpretação segundo a qual os Senadores só devem realizar diligências ou a produção de provas de modo residual e complementar às partes, sem assumir, para si, a função acusatória.
Agrupei os pedidos porque entendo que a abordagem não pode ser separada, até porque o Min. Luís Roberto Barroso os reuniu parte deles, conforme se pode ver no início do voto, quando abriu a divergência:
II. MÉRITO: PONTOS DE DIVERGÊNCIA COM O RELATOR 1. PAPEIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL NO PROCESSO DE IMPEACHMENT (ITENS “C”, “G”, “H” E “I”):
1.1. Apresentada denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, compete à Câmara dos Deputados autorizar a instauração de processo (art. 51, I, da CF/1988). A Câmara exerce, assim, um juízo eminentemente político sobre os fatos narrados, que constitui condição para o prosseguimento denúncia. Ao Senado compete, privativamente, “processar e julgar” o Presidente (art. 52, I), locução que abrange a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara.
1.2. Há três ordens de argumentos que justificam esse entendimento. Em primeiro lugar, esta é a única interpretação possível à luz da Constituição de 1988, por qualquer enfoque que se dê: literal, histórico, lógico ou sistemático. Em segundo lugar, é a interpretação que foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal em 1992, quando atuou no impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, de modo que a segurança jurídica reforça a sua reiteração pela Corte na presente ADPF. E, em terceiro e último lugar, trata -se de entendimento que, mesmo não tendo sido proferido pelo STF com força vinculante e erga omnes, foi, em alguma medida, incorporado à ordem jurídica brasileira. Dessa forma, modificá-lo, estando em curso denúncia contra a Presidente da República, representaria uma violação ainda mais grave à segurança jurídica, que afetaria a própria exigência democrática de definição prévia das regras do jogo político.
1.3. Partindo das premissas acima, depreende-se que não foram recepcionados pela CF/1988 os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80, 1ª parte (que define a Câmara dos Deputados como tribunal de pronúncia); e 81, todos da Lei n. 1.079/1950, porque incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, todos da CF/1988.
Não obstante a notoriedade jurídica do Min. Luís Roberto Barroso, entendo que a sua posição é completamente dissonante do que estabelece a Constituição Federal. Com efeito, houve a declaração de não recepção de dispositivos que nada tem a ver com o momento procedimental do impedimento da Presidente da República que se materializa, eis que a Constituição Federal dispõe:
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;
II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa;
III - elaborar seu regimento interno;
Ao contrário de respeitar o sistema constitucional, a posição vencedora, esposada pelo Min. Luís Roberto Barroso, negou eficácia ao art. 51, inc. III, da Constituição Federal, pois negar vigência a preceito de lei que não contraria a Constituição Federal, emanado do Poder Legislativo é um absurdo.
Parece que o voto vencedor foi proferido sem se atentar para procedimento semelhante, em duas fases, que é o dos crimes dolosos contra a vida, procedimento especial que consta do Código de Processo penal, a partir do art. 406. Nele consta uma parte do iudicio acusationis e outra do iudicio causae. Embora o tribunal popular seja o competente para decidir, julgar, os crimes dolosos contra a vida, o Juízo de pronúncia será o singular. Desse modo, a decisão proferida na ADPF n. 378 está em descompasso com o sistema normativo pátrio e com a própria jurisprudência, que pacificamente acolhe, ao exemplo do consagrado pela Lei n. 1.079/1950, um procedimento em duas fases, em que o juízo da causa sucederá ao de pronúncia.
Na Lei n. 1.079/1950, o procedimento é bicameral, tendo o RICD estabelecido, como regra, que as comissões, desde a Mesa, são nomeadas por voto secreto. Veda-se o escrutínio secreto, nos termos do art. 188, apenas na fase de decisão sobre a instauração do processo, não na fase de nomeação da comissão que decidirá sobre a remessa dos autos ao Senado Federal, in verbis: “IV – autorização para instauração de processo, nas infrações penais comuns ou nos crimes de responsabilidade, contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado”.
O preceito impugnado no terceiro pedido tem a seguinte redação: “Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade”. Ele não altera o que está nos arts. 19-23 da Lei n. 1079/1950.
Tais artigos da lei estabelecem a formação da comissão especial e o acolhimento ou rejeição da petição inicial pela Câmara dos Deputados, com a participação de todos os partidos, mediante votação nominal. Isso é processo ou procedimento?
Na esteira do que venho sustentando, o Regimento Interno da Câmara pode ter prevalência, sendo que os argumentos vencedores não me convenceram, mas na dicção do exposto pelo Min. Luís Roberto Barroso, a vontade normativa é a da transparência e, portanto, o voto deve ser aberto, sem a possibilidade de “chapa avulsa”, ou seja, os membros da comissão especial serão indicados pelos partidos em votação aberta.[10]
Sobre esse pedido, embora o tendo o Min. Luís Roberto Barroso tenha discutido o 3º pedido em conjunto com outros pedidos, o destacou em item seguinte, expondo:
2. RITO DO IMPEACHMENT NA CÂMARA (ITEM “C”):
2.1. O rito do impeachment perante a Câmara, previsto na Lei n. 1.079/1950, partia do pressuposto de que a tal Casa caberia, nos termos da CF/1946, pronunciar-se sobre o mérito da acusação.
Estabeleciam-se, em virtude disso, duas deliberações pelo Plenário da Câmara: a primeira quanto à admissibilidade da denúncia e a segunda quanto à sua procedência ou não. Havia, entre elas, exigência de dilação probatória.
2.2 Essa sistemática foi, em parte, revogada pela Constituição de 1988, que, conforme indicado acima, alterou o papel institucional da Câmara no impeachment do Presidente da República. Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do processo (condição de procedibilidade).
2.3. A ampla defesa do acusado no rito da Câmara dos Deputados deve ser exercida no prazo de dez sessões (RI/CD, art. 218, § 4º), tal como ocorreu no caso Collor (MS 21.564, Rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso). Caso assim não se entenda, deve ser aplicado por analogia o prazo de 20 (vinte) dias previsto no art. 22 da Lei n. 1.079/1950.
Destaque-se que a Constituição Federal de 1946 foi a melhor da nossa história. Não obstante a Constituição Federal vigente ser a que trouxe o maior rol de direitos fundamentais, é simbólica. Aliás, sobre o assunto, na minha tese de doutoramento, informei que quanto mais analítica, mais a Constituição tende a ser simbólica.[11]
Modificar o escrutínio, aberto ou secreto, não modificará probidade do procedimento porque, espera-se os representantes do povo serão probos. Ademais, não há previsão constitucional ou legal de escrutínio aberto para a nomeação de comissão. Assim, o que houve foi invenção de tribunal, legislando sem ter poderes para tal. No entanto, o Min. Luís Roberto Barroso sustentou:
5. A VOTAÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOMENTE PODE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR INCIDENTAL):
No processo de impeachment, as votações devem ser abertas, de modo a permitir maior transparência, accountability e legitimação. No silêncio da Constituição, da Lei n. 1.079/1950 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão Especial de impeachment. Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatívelcom a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não é possível invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece a possibilidade de controle popular sobre os representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano. Por fim, a votação aberta (simbólica) foi adotada para a composição da Comissão Especial no processo de impeachment de Collor, de modo que a manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento.
O voto invocou um caso concreto como se fosse jurisprudência, quando é sabido que a jurisprudência é o costume do tribunal, o que contraria a sua posição. Mais, ainda, se reconhece que o RICD prescreve o escrutínio secreto para nomeação de comissão, portanto, não poderia lhe negar vigência.
Quanto ao procedimento, em 10 sessões, nada há a obstar o que se expôs, até porque respeita ao procedimento anteriormente aplicado, não existindo razões para modificá-lo, isso sem alteração legislativa.
O art. 19, que o PCdoB pediu para prevalecer, não regulamenta o procedimento. Ele regula a matéria dispondo que os “representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma”. Isso, em princípio, não foi violado, eis que, no caso concreto, o Presidente da Câmara procurou fazer valer a maior democracia e, no conflito interno dos partidos, provocou a deliberação sobre qual chapa seria melhor para deliberar sobre a composição da Comissão Especial, o que está regulamentado no RICD, assunto interna corporis no qual o STF não poderia ter se imiscuído.
No 4º pedido, novamente volta a discussão interna corporis que não exigirá maiores explicações porque já foi explicitado quantum satis e não pretendo tornar este texto exageradamente longo.
Sou a favor de que a defesa se manifeste depois da acusação, eis que a ampla defesa é constitucional. No entanto, temos procedimentos criminais que não respeitam isso, v.g., Lei n. 11.343, de 23.8.2006, e não declarados inconstitucionais pelo STF, inexistindo, portanto, razão para se pretender que a oitiva do acusado se dê depois da instrução probatória, até porque ele se confirmará ao final, quando o(a) processo(a) terá chance para se manifestar, razão de dizer que os pedidos 5º e 6º não encontram amparo na jurisprudência do STF.
Novamente invadindo assuntos interna corporis da Câmara dos Deputados, maculando a atuação do Poder Legislativo por interveniência inoportuna do Poder Judiciário, o Min. Luís Roberto Barroso sustentou:
3. RITO DO IMPEACHMENT NO SENADO (ITENS “G” E “H”):
3.1. Por outro lado, há de se estender o rito relativamente abreviado da Lei n. 1.079/1950 para julgamento do impeachment pelo Senado, incorporando-se a ele uma etapa inicial de instauração ou não do processo, bem como uma etapa de pronúncia ou não do denunciado, tal como se fez em 1992. Estas são etapas essenciais ao exercício, pleno e pautado pelo devido processo legal, da competência do Senado de “processar e julgar” o Presidente da República.
3.2. Diante da ausência de regras específicas acerca dessas etapas iniciais do rito no Senado, deve-se seguir a mesma solução jurídica encontrada pelo STF no caso Collor, qual seja, aplicação das regras da Lei n. 1.079/1950 relativas a denúncias por crime de responsabilidade contra Ministros do STF ou contra o PGR (também processados e julgados exclusivamente pelo Senado).
3.3.Conclui-se, assim, que a instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples de seus membros, a partir de parecer elaborado por Comissão Especial, sendo improcedentes as pretensões do autor da ADPF de (I) possibilitar à própria Mesa do Senado, por decisão irrecorrível, rejeitar sumariamente a denúncia; e (II) aplicar o quórum de 2/3, exigível para o julgamento final pela Casa Legislativa, a esta etapa inicial do processamento.
Não há que se discordar do entendimento exposto porque a recepção no Senado, certamente, parará por uma nova admissibilidade que permitirá, em face da sua autonomia, rejeitar a acusação. É como se fosse a instituição de um segundo grau de jurisdição complementar, isso porque adotado um sistema bicameral para o procedimento, em nada dissonante com o sistema democrático adotado pela nossa Constituição Federal.
No Senado da República poderão ser realizadas diligências complementares e sua sessão de julgamento será aberta, com votos nominais dos Senadores, exigindo 2/3 dos votos para declaração do impedimento do(a) Presidente(a) da República. É o mesmo quorum que se exige para o processamento na Câmara e etapa inicial no Senado.
Passarei às minhas conclusões, convergindo e divergindo das posições do STF para expor que efetivamente não estivemos diante de um julgamento jurídico adequado.
4. CONCLUSÃO
No item 5 do seu voto, o Min. Luís Roberto Barroso admite a aplicação subsidiária dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado da República, mas negou, em seu voto a aplicação do RICD para nomeação de comissão, o que constitui contraditio in terminis.
Estabeleceu o interrogatório como último ato, o que concordo porque, não havendo prejuízo, não poderá ensejar nulidade. Aliás, é o que proponho para os processos da lei antidrogas (Lei n. 11.343, de 23.8.2006), mas não encontra eco nas mentes dos juízes.
Ao final, ficou claro:
(1) concessão parcial das cautelares requeridas pelo autor;
(2) denegação, de modo a afirmar que não há direito à defesa prévia ao ato do Presidente da Câmara;
(3) interpretação conforme a Constituição do art. 38 da Lei n. 1.079/1950, que é possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado ao processo de impeachment, desde sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes;
(4) declarar recepcionados pela CF/88 os arts. 19, 20 e 21 da Lei n. 1.079/1950, interpretados conforme a Constituição, para que se entenda que as “diligências” e atividades ali previstas não se destinam a provar a (im)procedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia, e para declarar não recepcionados pela CF/88 os arts. 22, caput, 2ª parte [que se inicia com a expressão “No caso contrário...”], e §§ 1º, 2º, 3º e 4º, da Lei nº 1.079/1950, que determinam dilação probatória e segunda deliberação na Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto que caberia a tal casa pronunciar-se sobre o mérito da acusação;
(5) denegação, por reconhecer que a proporcionalidade na formação da comissão especial pode ser aferida em relação aos partidos e blocos partidários;
(6) estabelecer que a defesa tem o direito de se manifestar após a acusação;
(7) estabelecer que o interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória;
(8) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 24 da Lei 1.079/1950, a fim de declarar que, com o advento da CF/88, o recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado Federal, em votação nominal tomada por maioria simples e presente a maioria absoluta de seus membros;
(9) declarar constitucionalmente legitima a aplicação analógica dos arts. 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da Lei n. 1.079/1950 – os quais determinam o rito do processo de impeachment contra Ministros do STF e PGR – ao processamento no Senado Federal de crime de responsabilidade contra Presidente da República, denegando-se o pedido de aplicação do quórum de 2/3 do Plenário do Senado para confirmar a instauração do processo;
(10) declarar que não foram recepcionados pela CF/88 os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80, 1ª parte; e 81, todos da Lei n. 1.079/1950, porque estabelecem os papeis da Câmara e do Senado Federalde modo incompatível com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da CF/1988;
(11) afirmar que os Senadores não precisam se apartar da função acusatória;
(12) reconhecer a impossibilidade de aplicação subsidiária das hipóteses de impedimento e suspeição do CPP relativamente ao Presidente da Câmara dos Deputados;
Cautelar Incidental (
(13) não é possível a formação da comissão especial a partir de candidaturas avulsas;
(14) a eleição da comissão especial somente pode se dar por voto aberto.
Pelas razões expostas, considero temerária a atuação do STF. Ele legislou para invadir a seara interna corporis do Poder Legislativo, especialmente da Câmara dos Deputados, sendo que a sua “interpretação conforme” dada à Lei n. 1.079/1950, não diverge do possível, mas, ratifico, não deve o STF legislar sob o manto de interpretar.
[1] BICUDO, Hélio Pereira; PASCHOAL, Janaína Conceição. Petição inicial da ADPF n. 378, datada de 31.8.2015. Disponível em: <http://famildf.com.br/files/Peticao_Inicial__Helio_Bicudo.pdf>. Acesso em: 20.12.2015, às 11h48.
[2] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; BORGES, Ademar. Petição inicial da ADPF n. 378. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adpf378.pdf>. Acesso em: 20.12.2015, às 6h03.
[3] Concordo com Habermas, no sentido de que o consenso só será possível por meio de uma identificação que se dá especialmente por meio da fé e da língua. Portanto, a palavra inglesa impeachment, que significa impedimento ou impugnação, será evitada neste artigo, até porque defendo a tradição como consuetudo ou desuetudo, respectivamente, capaz de consolidar ou revogar normas. Com isso, não posso ser plenamente contrário ao estrangeirismo, mas o evito.
[4] BRASIL. STF. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero= 378&classe=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 18.12.2015, às 12h30. Ali consta: documento assinado digitalmente conforme MP n. 2.200-2/2001 de 24.8.2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9973547.
[5] BRASIL. STF. Redação. STF reafirma rito aplicado ao processo de impeachment de Fernando Collor. 17.12.2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo= 306614>. Acesso em: 19.12.2015, às 16h.
[6] BRASIL. STF. ADP n. 378-DF. Rel. Edson Fachin. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/processo/ verProcessoAndamento.asp?incidente=4899156>. Acesso em: 18.12.2015, às 22h.
[7] BRASIL. STF. Pleno. ADPF n. 378-DF. Min. Edson Fachin. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/ cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF378relator.pdf>.
[8] BRASIL. STF. Pleno. ADPF n. 378-DF. Min. Edson Fachin. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF378relator.pdf>.
[9] STV. Pleno. AP n. 470. Pleno. Voto do Min. Celso de Mello. Disponível em: <http:// www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AP_470__EMBARGOS_INFRINGENTES.pdf>. Acesso em: 20.12.2015, às 5h41.
[10] Rapidamente o PT ajustou para que o Deputado Federal Leonardo Picciani retornasse à liderança do partido na Câmara, visando a construir uma comissão de aliados que rejeitem a petição inicial. Isso evidencia que ninguém busca uma comissão imparcial, mas, ao contrário, que atenda aos seus interesses. A posição governamental sobre o retorno do líder está em: <http://radioagencianacional.ebc.com.br/ politica/audio/2015-12/leonardo-picciani-retorna-lideranca-do-pmdb>. Acesso em: 20.12.2015, às 6h53.
[11] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Funcionalismo e garantismo en la defensa de los derechos fundamentales em el processo criminal. Buenos Aires: UNLS, tese defendida em 28.4.2015.
Procurador Federal; Concluiu o Curso de Formação de Oficiais (APMG) e Graduou-se em Direito (UniCEUB); Especialista em Direito Penal e Criminologia (UniCEUB); e em Metodologia do Ensino Superior (UniCEUB); Mestre (UFPE) e Doutor em Direito (UNZL); Professor, Procurador Federal e Advogado; Autor dos livros "Prescrição Penal", "Execução Criminal: Teoria e Prática" e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (Editora Atlas); e de vários artigos jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIDIO ROSA DE MESQUITA JúNIOR, . O que dizer da ADPF N. 378? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2276/o-que-dizer-da-adpf-n-378. Acesso em: 26 nov 2024.
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