Já é do conhecimento público que o Executivo está provendo cortes no orçamento em relação às verbas destinadas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pergunta-se, a medida é constitucional?
Enquanto em elaboração da Lei Orçamentária Anual – LOA – o governo pode promover os ajustes necessários com vistas à obtenção do equilíbrio orçamentário, isto é, as despesas devem ser fixadas no exato montante das receitas previstas. Não pode haver orçamento negativo, como aconteceu na primeira mensagem presidencial que acompanhou a proposta legislativa. A proposta foi refeita, mas, os efeitos práticos são idênticos, pois, incluiu-se na estimativa de receitas o produto da arrecadação de tributo inexistente no mundo jurídico, a CPMF, o que não é permitido pela ordem constitucional vigente.
Dissemos que o Executivo pode fazer ajustes em relação às propostas orçamentárias apresentadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, só que de conformidade com o que está na Constituição e não de forma arbitrária.
Compete ao Poder Judiciário elaborar a sua proposta orçamentária dentro dos limites previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 99 e § 1º da CF). No âmbito federal essa proposta é encaminhada pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, conforme prescrição do § 2º, do art. 99 da CF. O Ministério Público e as Defensorias Públicas, também gozam de autonomia orçamentária para elaboração e envio de suas propostas orçamentárias (arts. 127, § 3º e 134, § 2º). As propostas orçamentárias do Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos demais órgãos ou entidades do Executivo são unificadas, sofrendo ajustes necessários antes do seu envio ao Parlamento Nacional (§ 4º, do art. 99 da CF), a fim de que as despesas a serem fixadas situem-se nos limites das estimativas de receitas. Contudo, esses ajustes só poderão ser feitos pelo Executivo se as propostas apresentadas excederem os limites fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O grande problema é que a LDO raramente é aprovada no prazo constitucional. A de 2016, por exemplo, estava em tramitação conjunta com a proposta de Lei Orçamentária Anual, sendo que aquela tem a função de orientar a elaboração desta. Esses atrasos costumeiros é uma das formas de “melar” o orçamento anual que hoje já deveria estar sendo executado, mas estamos, na verdade, executando o que está no projeto de lei orçamentária, o que equivale dizer que estamos aplicando uma lei sob elaboração.
Uma vez aprovado o projeto de lei orçamentária anual pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, os recursos financeiros correspondentes às verbas fixadas nas dotações pertencentes aos Poderes Judiciário e Legislativo e ao Ministério Público e Defensoria Pública deverão ser repassados na forma do art. 168 da CF, in verbis:
“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”.
O descumprimento do preceito constitucional retrotranscrito acarreta crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, caput da CF:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e especificamente, contra:”
Entretanto, nos termos do art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – “se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, ressalvadas “as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias” (§ 2º, do art. 9º). Prescreve, ainda, o § 3º que “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Esse § 3º, de discutível constitucionalidade, foi inserido no pressuposto de que incumbe ao Executivo promover a realização das receitas públicas previstas na LOA, a fim de promover a repasse dos recursos financeiros correspondes aos demais Poderes e ao Ministério Público. Mas, a norma sob comento está em confronto aberto com o art. 168 da CF que determina a liberação dos recursos em forma de duodécimos, no dia 20 de cada mês. Ela ofende, às escâncaras, o princípio da separação dos Poderes. De qualquer forma a aplicação desse discutível § 3º, do art. 9º da LRF depende de observância pelo Executivo de todas as normas da LRF concernentes à fiscalização e controle da execução orçamentária. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a palavra final sobre o assunto, lembrando que aquela Alta Corte de Justiça do País deferiu a liminar na ADI 2238MC/DF,
Rel. Min. Ilmar Galvão, para suspender os efeitos do § 3º, do art. 9? da LRF (DJe 11-9-2008).
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