O poder cautelar é inerente ao juiz que exerce a atividade jurisdicional para solução de conflitos, conferindo efetividade ao direito à parte que o tem. Daí o princípio da cautela que tem sua matriz constitucional no art. 5º, inciso XXXV, in verbis:
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
De fato, perpetrada a lesão, o dano poderá ser irreversível ou de difícil reparação. Quem perdeu a oportunidade para participar de um concurso público, por exemplo, em razão de um despacho arbitrário de autoridade administrativa, não terá como remediar o dano, se concedida, posteriormente, a segurança pleiteada no mandamus sem que tenha havido a concessão da medida liminar.
Por isso, o ordenamento jurídico prevê diversos procedimentos que comportam a concessão de medida liminar para afastar a ameaça a direito. São os mandados de segurança, os habeas corpus, os processos cautelares e o sistema de tutelas antecipatórias no bojo de ações ordinárias.
É preciso compreender que o princípio da cautela, fundado no inciso XXXV, do art. 5º da CF, existe para assegurar, efetivamente, os direitos e garantias fundamentais que abrangem não apenas aqueles elencados no art. 5º, como também todos aqueles espraiados nos diversos textos constitucionais, bem como aqueles que derivam de tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Em poucas palavras, tudo que representa um NÃO contra o poder político do Estado configura um direito fundamental assegurado em nível de cláusula pétrea.
Entretanto, com o advento da Justiça Federal, que surgiu inicialmente para decidir apenas casos de interesse da União, inaugurou-se a estranha teoria da contracautela. Para concessão de medida liminar contra a Fazenda passou-se a exigir um depósito em dinheiro ou uma fiança bancária, como condição para deferir a liminar pleiteada pelo impetrante para livrar-se de um lançamento tributário manifestamente ilegal e inconstitucional. Assim, surgiu o princípio da contracautela, hoje, generalizado no âmbito da Justiça Comum.
É muito princípio! Tudo que é contra o jurisdicionado está se transformando em princípios: princípio da preclusão, princípio do prequestionamento, princípio da formalidade, princípio da intempestividade, princípio da litispendência etc. que são aplicados, muitas vezes, só para contornar ou adiar o conhecimento do mérito.
O princípio da contracautela, que não tem amparo constitucional, invalida o princípio da cautela que tem fundamento constitucional, como retroexaminado. Outrossim, exigir um depósito ou qualquer outra garantia para deferir a liminar em mandado de segurança, presentes os dois requisitos, a relevância jurídica do pedido e o periculum in mora, é o mesmo que negar a existência do remédio heroico de natureza constitucional. Outrossim, se o juiz constatar que não há direito líquido e certo a amparar o mandamus não será o depósito ou qualquer outra garantia que irá provocar o surgimento daquele direito líquido e certo. Nesse caso, mesmo que depositado o dobro ou o triplo do valor exigido pelo fisco, a liminar não poderá ser deferida nos termos da lei de regência da matéria.
Lamentavelmente, o fiscalismo exacerbado que tomou conta deste Estado Democrático de Direito faz com que a vontade do fisco prevaleça sobre a vontade da Constituição e das leis.
Enquanto o decantado princípio da separação dos Poderes continuar
apenas no plano teórico, os direitos e garantias proclamados na Constituição Cidadã, igualmente, continuarão no plano abstrato.
Por fim, de nada adianta a Carta Magna proclamar o princípio da universalidade da jurisdição se a ação judicial intentada leva décadas para se chegar ao termo final, quando não extinta sem resolução do mérito mediante invocação de ‘n’ princípios de natureza processual.
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