RESUMO. O presente artigo trata de um dos temas mais pulsantes do atual sistema de direito constitucional brasileiro. Com efeito, busca-se aqui desenvolver uma posição crítica a respeito das implicações de um ativismo judicial perante a ordem democrática. É que a vontade popular, em ambiente dominado por decisões judicias, acaba por perder parcela de sua soberania, ao passo que o Judiciário, de maneira aristocrática, passa a dominar o debate público e decidir, com efeitos de definitividade as questões fulcrais da sociedade, como a implementação de políticas públicas e a conformação do sistema político. Tudo isso nos põe sobre o limiar entre o poder atribuído à política e ao direito, de modo que se pretende aqui pensar esta relação justamente naquilo em que o direito mais se aproxima da atividade política que é perante a sua interpretação realizada por Cortes Constitucionais.
PALAVRAS-CHAVES. Constituição. Jurisdição Constitucional. Hermenêutica. Ativismo Judicial. Democracia.
SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. O papel dos tribunais e o ativismo desmedido da corte constitucional brasileira, no contexto do princípio da separação de poderes e do Estado de Direito. 3. Considerações finais; referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO.
É sentimento assente, confundindo-se com a própria raiz do sistema denominado civil law que a desconfiança no agir das pessoas e autoridades estatais precisava ser limitado por algo capaz de assumir, em certo aspecto, uma tendência contratual. Nesse contexto, a Constituição exerce o papel de garantir aos cidadãos seus direitos e deveres na organização social e ainda conformar a relação do poder, estabelecendo uma espécie de regramento central da sociedade[1], mediante uma generalização de expectativas comportamentais normativas.[2]
A Constituição, a rigor, é reconhecida como produto de um pacto social e político, sendo uma construção constituinte[3]-[4] de toda a sociedade, ainda que nem sempre seja possível uma participação real e generalizada de todas as pessoas[5], tal qual já restou estéril sob a égide da Constituição brasileira de 1891.[6]
Pois bem, a Constituição como documento jurídico superior necessita ser dotada de rigidez, pois a partir desta característica ela pode sobrepujar as demais legislações e atos jurídicos a ela contrários, exercendo uma supremacia que lhe garante normatividade, ao passo que assegura alinhamento da legislação vindoura e dos costumes sociais e econômicos a seus ditames. É dizer, a Constituição representativa de um modelo social, político e econômico é dotada de uma pretensão de eficácia[7] da qual não pode prescindir, haja vista o ímpeto de conformar a sociedade ao seu escopo, nada mais do que o desejo desta própria comunidade que se pretende realizado ou a se realizar.
Em decorrência, a Constituição vincula não só os próprios súditos que a ela se autoconformaram, como as gerações futuras. Contudo, esse modelo, a princípio estanque, não se sustenta sem que haja um permanente diálogo com a evolução dos costumes sociais ou das práticas econômicas e políticas. Esse diálogo, vale salientar, é tenso[8], pois a Constituição a princípio presta-se ao desenvolvimento e estabelecimento de um modelo determinado e ao descarte, por consequência, de outros caminhos possíveis. Todavia, outros modelos acabam por se sobrepor de modo a criar outras práticas capazes de ruir parcialmente o projeto inicial sacralizado, demandando, pois, algumas adequações[9].
Neste prisma, o ponto de partida de discussão do presente trabalho, consiste em investigar, sob que medida essa Constituição, tal qual definida acima, retrato de uma vontade social específica, seria afetada ou sucumbiria diante de decisões de uma corte constitucional que adequa seu conteúdo às mudanças originadas a partir do desenvolvimento de novos comportamentos sociais não necessariamente contemplados no texto jurídico.
2. O PAPEL POLÍTICO DOS TRIBUNAIS E O ATIVISMO DESMEDIDO DA CORTE CONSTITUCIONAL BRASILEIRA, NO CONTEXTO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DO ESTADO DE DIREITO.
A Constituição, sabe-se, é uma espécie de estatuto jurídico do político, diria Canotilho. Ela rege esta atuação política, de poder, tendo na tripartição de funções, um dos meios mais aptos a denotar tal situação. Contudo, as decisões políticas, ainda que em menor medida, também sejam objeto da jurisdição constitucional, pois não se pode despir a interpretação de um texto político-jurídico de um de seus caráteres, hão de ser comedidas e metodologicamente claras[10].
Decerto, a Constituição, as leis e em certa medida os atos legiferantes do Poder Executivo representam o condensamento das ideias e discussões políticas travadas no seio da sociedade[11], elas são a resultante da participação e oposição no processo de decisão pública. Daí se vê que a mediação legislativa assume um papel central na discussão e fixação dos rumos de uma sociedade.
Já o ativismo judicial[12] distorce esse processo sob o argumento artificioso da tutela da Constituição que se realizaria pela jurisdição constitucional. Deveras, pois tal forma de decidir insere no contexto da decisão pública uma visão particularizada dos fatos, que nem sempre representa uma vontade social dominante, e, desta forma, sob o guarda-chuva da técnica jurídica, os atos legislativos são solapados e a sociedade fica atônita[13], diante do engessamento do debate e de sua elitização, já que o judiciário na visão de muitos nada mais é do que um elemento aristocrático[14] inserido no processo democrático.
Por outro lado, a constante mudança da vida social origina a necessidade de novas decisões e de novos parâmetros, os quais acompanhem a evolução da sociedade e das relações entre seus indivíduos. Essa demanda tem imposto ao legislativo uma grande derrota, posto que o mesmo não consegue se colocar à frente dos fatos e regulamentá-los.
Diante de tal conjuntura, o Tribunal[15] tem preenchido esse papel de atualizador das normas e de criador de certos parâmetros normativos inéditos, como a admissão da união estável homoafetiva (ADPF 132 e ADI 4277), deixando sobressalente em relação ao intérprete por natureza a função de criador legislativo[16].
Todavia, cabe frisar que não se nega aqui que a função jurisdicional também contribua para a formação e qualificação da vontade geral. Agora, determinar a verticalização das eleições, como se deu em 2002, ou mesmo disciplinar o novel instituto da fidelidade partidária, inaugurando institutos como da justa causa, demonstram decisões, eminentemente políticas, cujo foro natural residiria no debate popular e não necessariamente na técnica jurídica de viés jurisdicional.
E mais, a atuação positiva dos tribunais e o abandono do dogma do legislador negativo como um modelo a ser seguido e mais condizente com os ideais postos na relação entre política e direito, sabe-se, faz com que o Tribunal inove na ordem jurídica, e ao fazê-lo, nos vemos diante de um dilema político-jurídico, a saber, como conciliar a decisão majoritária do processo político-legislativo com as decisões judiciais que avançam cada vez mais sobre as questões de natureza política?
Exemplos significativos deste problema no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não nos falta, tanto em termos de controle concentrado de constitucionalidade quanto na esfera do controle incidental. E aqui se cita a Reclamação nº 4.335-5, que trata da interpretação que se deve conferir ao artigo 52, X da Constituição Federal[17], a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.961, a qual abriu a possibilidade do Advogado Geral da União se abster de defender a constitucionalidade dos textos atacados em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, mitigando o imperativo contido no artigo 103 § 3ª da Constituição Federal[18] e o HC 96772 / SP – São Paulo[19] que transformou o artigo 5º, LXVII da Constituição Federal [20], que permite a prisão civil por dívida em uma expressão simbólica constitucional, interrompendo a sua eficácia jurídica. Logo, nota-se que tais casos demonstram cabalmente um processo de fragilização normativa do Constituição, justamente no momento em que seu fenômeno oposto, qual seja, a força normativa da Constituição ganha fôlego e aceitação.
Sendo assim, será que, de fato, o Supremo tem o poder de retirar eficácia de norma constitucional? A democracia comporta tal atuação? O fenômeno da hermenêutica constitucional permite essa atualização incessante e descompromissada do texto constitucional acompanhada da mudança literal do próprio dispositivo? E ainda, o limite existente no próprio texto no que concerne a seu sentido semântico e prognósticos de enunciados normativos é realmente eficaz, legítimo e necessário? Ou, afinal, todas essas decisões seriam legítimas, pois, decorreriam em maior ou menor proporção de uma omissão legislativa, de uma falha de representatividade a qual cabe ao Judiciário sanar?
São questionamentos sensíveis, entretanto, sendo a jurisdição constitucional legítima e como decorrência também o processo de interpretação, que em certa medida é um desdobramento hermenêutico da aplicação, criação e atualização do direito, reconhece-se que o texto legal puro e simplesmente é insuficiente para pautar a decisão de um caso concreto ou mesmo a análise abstrata de uma norma perante a Constituição. Contudo, a hermenêutica constitucional como inerência lógica e instrumento do processo descrito acima não pode ficar flutuante em uma zona cinzenta em que não haja limites ao seu espectro de atuação, pois ela tem que respeitar a integridade[21] das normas.
Assim, diante de tal conjuntura, pode-se extirpar decisões em que a atuação judicial possa caminhar em um sentido contrário à concretização normativa, valendo-se da interpretação constitucional para sepultar determinadas conseqüências que os magistrados repelem por razões não tão claras e democráticas[22]. Isso, contudo, não significa pugnar por uma interpretação autêntica dos textos legais ou mesmo ressuscitar a interpretação baseada na vontade do legislador, uma espécie de retorno à escola da exegese, mas sim, lembrar que a soberania ainda permanece com o povo e seus representantes e que não se pode desvirtuar a ordem natural das coisas e subverter prescrições legais, negando-as sob o pálio de uma pretensa hermenêutica constitucional, como se pretendeu fazer com a disposição contida no preceito do artigo 52, X da Constituição Federal e já se fez com o artigo 103, § 3º e o artigo 5º, LXVII e mais recentemente com a possibilidade de se levar a prisão alguém pelo cometimento de um crime, ainda que a decisão condenatória não tenha transitado em julgado.
Nesta seara, aprova-se a ideia trazida pelo professor Luís Roberto Barroso[23], qual seja, a de que a hermenêutica constitucional está mitigada por duas hipóteses: as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que se está sendo interpretado ou afetado e a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição.
Deste modo, estabelece-se um modelo, que sem se aproximar o bastante do self restraint, respeita o máximo possível a lógica legislativa e as possibilidades semânticas das disposições, fazendo a interpretação corresponder ao prescrito pelos enunciados normativos, evitando excessos que permitam afirmar exatamente o oposto do texto legal, pois ao assim se conduzir, estará a magistratura subtraindo poder da soberania popular e desvirtuando o procedimento democrático.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Do quanto exposto, nota-se que o fato de a Constituição compor parcela da política, antes mesmo de ser jurídica não significa, porém, que seja dado a seu intérprete maior o senhorio[24] sobre os conceitos e semântica dos termos constitucionais, em moldes tópicos[25], como sói acontecer no Brasil nesta última década, em prejuízo do equilíbrio das funções do poder, ainda que não estejamos aí a tratar de um modelo rígido de divisão das atribuições estatais.
Logo, podemos assumir que a interpretação é parte da política, entretanto igualmente parte da ciência do direito, e a opção por um desses caminhos, ato científico ou ato político, tem conseqüências deletérias para o entendimento do atual estado de coisas que permeiam a jurisdição constitucional brasileira, sendo a tomada de uma perspectiva pela outra uma escolha científica e não meramente política.
Assim, não se pode negar que existe uma zona política no processo de interpretação do direito, conforme se destacou acima, mas isso não pode significar a admissão do arbítrio do magistrado no processo de conhecimento das demandas judiciais, sobretudo, quando as mesmas se originarem de temas afeitos às decisões acerca de políticas públicas e outros debates nacionais, cujo assento, segundo nossa concepção de democracia, melhor se contém na mediação legislativa ou mesmo em mecanismos de democracia direta.
A hermenêutica constitucional, portanto, caso não se estabeleça critérios para sua utilização, como o critério da integridade, caminha no sentido da inaplicabilidade de parte texto constitucional, das expectativas normativas, trazendo a lume o risco de simbolização do texto magno dada a ineficácia normativo-jurídica daí advinda, assim como um risco à democracia instalada no país. Não se trata, porém, de restringir o fenômeno da hermenêutica constitucional ou mitigar seus efeitos de forma temerária, conservadora e policialesca, mas sim, melhor compreendê-lo, a fim de que o mesmo não autorize arbitrariedades judiciais[26].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] “Para a antiga tradição europeia da filosofia social e da filosofia do direito era evidente que o homem encontrava a sua liberdade e sua virtude, sua sorte e seu direito enquanto parte viva da sociedade também viva. A sociedade era vista como associação de homens concretos, muitas vezes explicitamente chamada de corpo social. Era exatamente por consistir de homens que ela apresentava seu humanismo evidente e abrangente, e sua pretensão moral. Nesse contexto, o ambiente da sociedade sem se considerar a natureza não humana, só podia constituir-se de outras sociedades – ou seja de corpos sociais formados por outros homens. Consequentemente, os limites da descendência ou limites territoriais que agrupavam os homens nas categorias de pertencentes ou não pertencentes. Os desenvolvimentos mais recentes de teoria sociológica de sistemas força o rompimento com tais concepções. O sistema social, enquanto sistema estruturado de ações relacionadas entre si através de sentidos, não inclui, mas exclui o homem concreto. O homem vive como um organismo comandado por um sistema psíquico (personalidade). As possibilidades estruturalmente permitidas para esse sistema psíquico-orgânico não são tão idênticos às da sociedade enquanto sistema social. Formulando de outra maneira: a relação de sentido que une as ações no sistema da sociedade é diferente da relação também de sentido, mas organicamente fundamentada, das ações reais e possíveis de um homem. A identidade de ações que constituem ambos os sistemas não permite concluir que os próprios sistemas sejam idênticos, que possuam sua unidade na diferente seleção das possibilidades. Por isso homem e sociedade são reciprocamente ambiente. Cada um é para outro demasiadamente complexo e contingente. E ambos estão estruturados de tal forma que apesar disso possam sobreviver. A estrutura e os limites da sociedade reduzem a complexidade e absorvem a contingência das possibilidades orgânicas e psíquicas. Eles representam principalmente limites com respeito ao próprio homem. Asseguram assim que as possibilidades dos homens sejam reciprocamente expectáveis.”(Luhmann, Niklas. Sociologia do Direito. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, 169 p.)
[2] “o direito tem que ser visto como uma estrutura cujos limites e cujas formas de seleção são definidos pelo sistema social. Ele não é de nenhuma forma a única estrutura social: além do direito devem ser consideradas as estruturas cognitivas, os meios de comunicação (como por exemplo a verdade ou o amor) e, principalmente a institucionalização do esquema de diferenciação de sistemas na sociedade. Mas o direito é imprescindível enquanto estrutura, porque sem a generalização congruente de expectativas comportamentais normativas os homens não podem orientar-se entre si, não podem esperar suas expectativas. E essa estrutura tem que ser institucionalizada ao nível da própria sociedade, pois só aqui podem ser criadas aquelas instâncias que domesticam o ambiente para outros sistemas sociais. Ela se modifica, portanto, com a evolução da complexidade social.” (Luhmann, op. Cit. 170 p.)
[3] “O objeto deste ponto é a resposta a uma pergunta que, sem dúvida, vem à mente de todos que estudam esta matéria. Admitamos – raciocinam todos - que exista um poder que estabelece a Constituição, e não é assimilado pela Constituição, nem fica subordinado a essa Constituição. Mas se existe esse poder, a quem ele pertence? Qual é o titular desse poder? Quem é que pode estabelecer a Constituição? Quem é que pode estabelecer a organização política fundamento de um Estado? (...) o formulador da doutrina do Poder Constituinte, Seyès, afirma que esse poder pertence à nação, que o titular do Poder Constituinte é a nação. (...) Mas que é a nação? A nação pode ser caracterizada e encarada de modos muito diferentes. Pode ser encarada, por exemplo, como uma realidade sociológica que apresenta determinados característicos. Mas não é essa nação, realidade sociológica, que propriamente preocupa Sieyès; não é essa realidade sociológica que é para Seyès a detentora desse supremo poder e do Poder Constituinte. Para Seyès, nação é um termo empregado para que não se use da palavra povo. O aspecto fundamental do pensamento de Seyès, nesse ponto, é a distinção entre nação e povo. Povo, para ele, é o conjunto dos indivíduos que estão sujeitos a um poder. Ao passo que a nação é mais do que isso, porque a nação é a encarnação de uma comunidade em sua permanência, nos seus interesses constantes, interesses que eventualmente não se confundem nem se reduzem aos interesses dos indivíduos que a compõem em determinado instante.” (Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 5º edição. São Paulo: Saraiva, 2007, 22-3 p).
[4] Para um conceito crítico da ideia do poder constituinte como um poder social e sem juridicidade, um poder de fato, confira as palavras do mestre alemão Friedrich Muller, “O ‘poder constituinte do povo’ não ‘é’, à maneira da ontologia, uma substância ou essência: também não, de forma por assim dizer ontológica, algo efetivamente existente, como e.g.’poder/violência’, ‘força’, ou ‘vontade’. Se, por um lado, ‘o Conselho Federal’ ou ‘órgãos especiais da legislação, do Poder Executivo e do judiciário’ baseiam-se em prescrições constitucionais, e se, por outro lado, também revelam possuir um lado material, uma realidade física e social. Já o poder constituinte carece de tal materialização. A única afirmação que se pode fazer dele com bons argumentos é a seguinte: ele é uma expressão de linguagem e, como expressão nos diplomas constitucionais, uma texto escrito.” (Muller, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, 19 p).
[5] “A invocação do poder constituinte ‘do’ povo, a sua invocação mágica, sugere ilusoriamente o retorno a um estado social no qual houve, teria havido efetivamente, um ‘povo’ (i. é, a totalidade de todas as pessoas do grupo; e a sua totalidade como algo ainda não sistematicamente cindido por instituições jurídicas e políticas, tais como a horda, a tribo, o clã); a um estado, portanto, do qual o povo justamente por isso não necessitou de uma Constituição (...) E a democracia? Mesmo lá onde se pensou na população e se tentou instituir o seu governo, a seletividade de cada invocação d ‘o povo’ (e mesmo d’a’ população) acabou por se impor diabolicamente: o deus evidenciou ser dificilmente exorcizável [diferenças de informação, de cultura, de camada, de classe, de linguagem; manipulação; ‘estrutura de vigência’ jurídico constitucional]. Por trás do lado vitrine do Uno Ponto de Convergência de todas as legitimações pel’o povo’, pulula e atua o politeísmo real (i. é, dos constituent groups, das classes decisoras, dos que são capazes de articulação e poder-violência (poder) entre os grupos). (Muller, Op. Cit. 21-2 p.)
[6] “A importância da Constituição de 1891 só está no fato de ter consolidado a República e a Federação decretadas pelo Decreto 1, de 15.11.1891. Contudo, sob sua égide é que se desenvolveu o idealismo político quase sem nenhum contato com as realidades do nosso meio (...) o povo não tinha a menor participação no processo do poder, não tinha sequer autonomia eleitoral...” (Silva, José Afonso da. O Constititucionalismo brasileiro: evolução institucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, 38-9 p.)
[7] “Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas.” (Hesse, Konrad. A força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, 15 p.).
[8] “Não se deve esperar que as tensões entre ordenação constitucional e realidade política e social venham a deflagrar sério conflito. Não se poderia, todavia, prever o desfecho de tal embate, uma vez que os pressupostos asseguradores da força normativa da Constituição não foram plenamente satisfeitos. A resposta à indagação sobre se o futuro do nosso Estado é um questão de poder ou um problema jurídico depende da preservação e do fortalecimento da força normativa da Constituição, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade de Constituição. Essa tarefa foi confiada a todos nós.” (Hesse, Konrad. Op. Cit. 32 p.).
[9] “A linha geral da mudança evolutiva da estrutura está clara: se as conquistas evolutivas devem ser estabilizadas, então as estruturas devem permitir mais ações, por seu lado, mais variadas, ou seja, devem ser compatíveis com um número maior de situações no sistema social – ou seja, devem permitir maiores liberdades. Por outro lado, tendo em vista a constante oferta superabundante de expectativas normativas, as estruturas devem possuir mais possibilidades de rejeitar expectativas; a possibilidade de dizer não tem que ser fortalecida. Nesse sentido geral e quase vazio pode-se falar de uma inevitabilidade da evolução (...) Isso tudo não representa um processo necessário, mas apenas um processo possível e que participa da criação de suas próprias condições, através da formação de sistemas. Para compreendê-lo como processo temos que voltar-nos para a teoria da evolução. Parece que tanto no campo orgânico quanto no sentido da evolução de sistemas complexos é necessária a ação conjunta de três tipos de mecanismos: (1) mecanismos de geração da variedade no sentido de uma superprodução de possibilidades; (2) mecanismos de seleção das possibilidades aproveitáveis; (3) mecanismos de manutenção e estabilização das possibilidades escolhidas, apesar do campo de escolha permanecer complexo e contingente. “ (Luhmann, Niklas. Op. Cit. 175 p.)
[10] “Na escolha da variante exegética (programa normativo) compatível com o espaço de interpretação não se está trabalhando fora da dogmática e sim sob seus pressupostos, já que a opção há de ser justificada racionalmente e de se mostrar coerente com o sistema jurídico em vigor. Admite-se aqui a influência da consciência ética que o intérprete-aplicador partilha com a sociedade em que vive. Não se trata da imposição voluntarista de concepções éticas pessoais, que não atenderiam às necessidades de uma justificação correlata ao desempenho de função estatal, mas da tentativa de expressar o sentimento de justiça radicado no meio social de onde provém o operador do direito e para o qual se dirige. Não se está, por outro lado, a admitir a complementação da ordem jurídica vigente com prescrições provenientes de uma direito natural ou de uma ordem objetiva de valores; ainda que se parta de imperativos éticos construídos em consideração ao que melhor convém à pessoa humana, não se poderá jamais recusar a juridicidade de propostas interpretativas distintas, desde que compatíveis com o espaço que se está a densificar” (Ramos, Elival da Silva. Parâmetros Dogmáticos do Ativismo Judicial em Matéria Constitucional. Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para inscrição em concurso público visando ao provimento de cargo de Professor Titular, junto ao Departamento de Direito do Estado – área de Direito Constitucional, São Paulo, 2009, p. 74-75.).
[11] “De fato, todo o procedimento parlamentar, com sua técnica dialético-contraditória, baseada em discursos e réplicas, em argumentos e contra-argumentos, tende a chegar a um compromisso. Este é o verdadeiro significado do princípio da maioria na democracia real. Portanto, seria melhor dar a tal princípio o nome de princípio majoritário-minoritário, uma vez que ele organiza o conjunto dos indivíduos em apenas dois grupos essenciais, maioria e minoria, oferecendo a possibilidade de um compromisso na formação da vontade geral, depois de ter preparado esta última integração obrigando ao compromisso acima mencionado, que é a única coisa que pode permitir a formação tanto do grupo da maioria quanto do grupo da minoria: relegar a segundo plano o que separa os elementos a serem unidos, em favor daquilo que une.” (Kelsen, Hans. A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti e outros. São Paulo: Martins Fontes, 2000, 70 p.)
[12] “Activism and self-restraint are relevant only when judicial discretion exists. A judge who declares what the law is, without creating new law, exercises neither activism nor self-restraint. A judge who issues an opinion holding that the speed limit on a particular road is as provided in the traffic stature acts as the ‘mouth’ of the legislature. His declaration is neither activist nor restrained; he does no more than declare what exists. Activism or self-restraint exists only when judges make law (…) No judge may impose his personal opinions on society. We can discuss activism and self-restraint only in the zones in which a judge has discretion to choose different courses of action. This discretion does not include the judge’s personal beliefs which are not shared by society at large.” (Barak, Aharon. The Judge in a Democracy. Princeton University Press, 2006, 264-5 p.)
[13] “As pessoas convenceram-se de que há algo indecoroso em um sistema no qual uma legislatura eleita, dominada por partidos políticos e tomando suas decisões com base no governo da maioria, tem a palavra final em questões de direitos e princípios. Parece que tal fórum é considerado indigno das questões mais graves e mais sérias dos direitos humanos que uma sociedade moderna enfrenta. O pensamento parece ser que os tribunais, com suas perucas e cerimônias, seus volumes encardenados em couro e seu relativo isolamento ante a política partidária, sejam um local mais adequado para solucionar esse caráter. Não estou convencido disso; mas não é minha intenção argumentar aqui contra a revisão judicial da legislação. Penso que é imperativo, porém, que tal reforma não seja empreendida sem uma percepção clara do que é valioso e importante na ideia de uma legislatura e da dignidade e autoridade que a legislação pode angariar.”(Waldron, Jeremy. A Dignidade da Legislação. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 5p.)
[14] “Em face da inércia Legislativa e muitas vezes incompetência da burocracia administrativa, a tentação do ativismo judicial é muito grande. Juízes muito bem intencionados, a partir de provocações de órgãos do Ministério Público igualmente bem-intencionados, tomam as rédeas e condenam órgãos públicos e às vezes até privados às prestações de direitos fundamentais prestacionais e sociais. (...) a concretização de direitos fundamentais sociais fica a cargo da discricionariedade judicial, vale dizer, dependente de juízos de valor e de boa vontade de juízes singulares e órgãos judiciários colegiados que não têm competência constitucional nem legitimidade democrática para tanto. (...) O problema é menos complexo quando a omissão é meramente administrativa, pois a Administração Pública está toda vinculada negativa e positivamente aos direitos fundamentais. Por sua vez, no campo das omissões legislativas, a racionalidade e dogmáticas jurídicas alcançam seus limites de atuação: Não há o que fazer se não constatar a omissão inconstitucional e esperar que o parlamento a saneie. Trata-se de um teste para a maturidade de uma democracia representativa, teste esse pelo qual ela deve passar. Não há como ser transferido à corte suprema ou tribunal constitucional; a não ser que queiramos transformar o Estado democrático de direito em uma aristocracia judicial. Um governo de juízes significaria a quebra da ordem constitucional vigente. Será que nosso ceticismo em face da democracia representativa nos levará tão longe? Qual é o papel da ciência do direito constitucional neste contexto? (Martins, Leonardo. Igualdade e Liberdade na Justiça Constitucional in Estado Constitucional e organização do Poder. Tavares, André Ramos, Leite George Salomão e Sarlet, Ingo Wolfgang (orgs). Sâo Paulo: Saraiva, 2010, p. 477-478).
[15] “Por isso, na autorização constitucional para o exercício da jurisdição – e tendencialmente em outros tribunais superiores -, se acumula e se agudiza a problemática da ‘indeterminação do direito’(...) ‘o direito não se identifica com a totalidade das leis escritas. Em certas circunstâncias, pode haver um ‘mais’ de direito em relação aos estatutos positivos do poder do Estado, que tem a sua fonte na ordem jurídica constitucional como uma totalidade de sentido e que pode servir de corretivo para a lei escrita; é tarefa da jurisdição encontrá-lo e realizá-lo em suas decisões.’ (...) Outras formulações, que atribuem ao tribunal constitucional a função do desenvolvimento do direito através do ‘encontro criativo do direito’, deixam entrever, contudo, uma auto-compreensão problemática do tribunal. K. Hesse enfrenta esse ponto com a observação ousada, justificada de acordo com as considerações do capítulo anterior: ‘certamente as decisões da jurisdição constitucional contêm um momento de configuração criativa. Porém toda interpretação revela um caráter criativo. Ela continua sendo interpretação, mesmo quando serve para a resposta de questões do direito constitucional e quando ela tem como objeto normas da dimensão e abertura das normas de direito constitucional. A concretização de tais normas pode reservar dificuldades maiores do que as das prescrições mais detalhadas; todavia, isso não muda o fato de que, em ambos os casos, se trata de processos estruturalmente análogos.’ Nesta visão, as competências amplas do Tribunal Constitucional Federal não constituem necessariamente uma ameaça à lógica da divisão de poderes. Os críticos, apoiados mais em considerações históricas ou metódicas, constatam no Estado de direito e no desenvolvimento do sistema jurídico em geral, um deslocamento preocupante dos pesos entre parlamentos e tribunais constitucionais.” (Habermas, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2 edição. Tradução de Flávio Bento Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010, 303-4p.).
[16] “Observe-se como, nos dias atuais, correntes como o uso alternativo do direito, o ativismo judicial ou a hermenêutica filosófica, apesar de suas diferenças, propugnam exatamente por uma politização do judiciário, entendendo-o criador de direito e realizador de demandas sociais em defesa dos cidadãos e minorias menos privilegiadas economicamente.” (Adeodato, João Maurício. A Retórica Constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo, Editora Saraiva, 2009, 156 p.)
[17] “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”
[18] “Art. 103. Podem propor Ação Direta de Inconstitucionalidade de Ação Direta de Constitucionalidade: (...) § 3º. Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”
[19] “E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE HERMENÊUTICA INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de hermenêutica constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano. HC 96772 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 09/06/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma.
[20] “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel”.
[21] “A interpretação constitucional sob a leitura moral é disciplinada pela exigência de integridade constitucional (...) Os juízes não podem dizer que a Constituição expressa as suas próprias convicções. Não podem pensar que os dispositivos morais abstratos expressam um juízo moral particular qualquer, por mais que esse juízo lhe pareça correto, a menos que tal juízo seja coerente, em princípio com o desenho estrutural da Constituição como um todo e também com a linha de interpretação constitucional predominantemente seguida por outros juízes no passado. Têm que considerar que fazem um trabalho de equipe junto com os demais funcionários da justiça do passado e do futuro, que elaboram juntos uma moralidade constitucional coerente; e devem cuidar para que suas contribuições se harmonizem com todas as outras (...) A vela da Constituição é bem grande, e muitos temem que seja grande demais para um navio democrático.” (Dworkin, Ronald. O Direito da Liberdade: A Leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006, 15-17 p.)
[22] Aqui, rememora-se o voto do ministro Eros Grau (MS 26.602-3) em face da perda do mandato parlamentar em razão da infedilidade partidária, mesmo não havendo previsão deste tipo de sanção na Constituição Federal. Nota-se que o voto é um tanto eloquente, e desnuda as efemeridades presentes na adoção de um modelo ativista, em que os parâmetros de controle das decisões são praticamente nulos e ficam ao alvedrio cético da argumentação jurídica, in verbis: “Resulta bem nítido, o desígnio nutrido pelo impetrante, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, crie por via oblíqua, hipótese de perda de mandado parlamentar, não prevista no texto constitucional. Pretende transformar este tribunal em legislador, trilhando a estreita via do mandado de segurança.”
[23] Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1º edição. São Paulo: Saraiva, 2009, 127 p.
[24] Cf. Zagrebelsky, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justiça. Traducción de Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2011, 153 p.
[25] “A linha argumentativa da tópica jurídica apresenta o problema de uma excessiva abertura em relação ao texto normativo, considerado apenas expressão de um topos dentre outros. Segundo seus críticos, recusa o primado dogmático da conexão com o texto e torna a ‘orientação por meio de problemas’ uma abordagem demasiadamente livre, que não consegue estabelecer um procedimento seguro para a decisão, indispensável em um estado democrático de direito.” (Adeodato, Op. Cit. 145 p.)
[26] Exemplo de tais arbitrariedades podem ser extraídas da seguinte notícia veiculada no sítio do Consulltor Jurídico, sob o título “Ativismo judicial estica limites da justiça”: “não é só o Supremo Tribunal Federal que está fazendo o chamado ativismo judicial. As instâncias inferiores, mais perto do cidadão, estão a todo vapor procurando a melhor maneira de fazer Justiça, ainda que para isso precisem ir além do que diz a lei. A prática, embora comum, ainda é polêmica. É vista com bons olhos por uma parte da comunidade jurídica, que considera importante que o Judiciário supra a inércia legislativa do Congresso. Já outra parte entende que juízes não podem inventar normas,mesmo que seja para garantir direitos. Recentemente, um juiz da cidade de Taperoão (PB) determimou toque de recolher às 21h para menores de 12 anos. Em Conceição de Coité (BA), um juiz condenou um homem por furto, mas não mandou para cadeia. A pena, neste caso, foi arrumar um emprego. Na Paraíba, o toque de recolher imposto teve como base os altos índices de violência na região. Na Bahia, o juiz agraciou o acusado por entender que ele passou a infância e adolescência lançado à sorte, esquecido pelo Estado. Em Goiás, a titular do Juizado Especial de Águas Lindas criou um projeto chamado Kit Educação, que consiste na compra de material escolar com dinheiro das transações penais. Juízes de execução criminal de Porto Alegre decidiram há um mês que, sem vagas no sistema prisional, mandados de prisão não deverão ser expedidos no Rio Grande do Sul. No campo do Direito de Família, um entendimento aplicado muitas vezes por magistrados para obrigar o pai a indenizar o filho por abandono afetivo já caiu por terra no Superior Tribunal e Justiça. Os ministros da 4ª Turma decidiram que não cabe indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo. Ou seja, a Justiça não pode obrigar um pai a dar afeto para o seu filho. Os juízes que entendem que cabe a indenização embasam a decisão num princípio amplo que é o da dignidade da pessoa humana.” Disponível no endereço http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/ativismo-judicial-ainda-causa-polemica-comunidade-juridica, acesso em 15.10.2010.
Mestre em direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - FDUSP, especialista em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e em administração pública pela Fundação Getulio Vargas - FGV. Graduado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Professor da Unieuro-DF e da ESAF e Procurador da Fazenda Nacional - Ministério da Fazenda/Advocacia Geral da União, com atuação perante os tribunais superiores em Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Ricson Moreira Coelho da. Constituição, estado de direito e o processo de interpretação constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2451/constituicao-estado-de-direito-e-o-processo-de-interpretacao-constitucional. Acesso em: 23 nov 2024.
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