Sempre aprendemos que a fonte primeira do Direito é a lei, sendo que a doutrina e a jurisprudência são fontes secundárias.
Realmente, somente a lei tem o caráter de perenidade que oferece segurança jurídica aos juridicionados. A doutrina, muda, evolui e, às vezes, retrocede, assim como a jurisprudência que modifica seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal sempre que se alterar a composição do órgão do judiciário. À vezes, chega-se a revogar até súmulas sem que haja alteração legislativa.
Quanto à alteração legislativa acompanhando a evolução doutrinária no âmbito interno e internacional neste contexto do mundo globalizado, nada temos a opor. O Direito não deve ser estático, mas acompanhar a evolução do tempo para que o ordenamento jurídico mantenha a sua legitimidade.
Mas, com a constante alteração legislativa, a pretexto de se harmonizar com o entendimento jurisprudencial, normalmente, do Superior Tribunal de Justiça, não podemos concordar. É que a jurisprudência daquele Colendo Tribunal não é estável, pelo contrário, além de instável, não raras vezes, tem contrariado o espírito e o corpo da lei.
Exemplo mais expressivo do que estamos falando é o entendimento daquela Corte sobre o local do pagamento do ISS que resulta, com solar clareza, da simples leitura dos dispositivos da lei de regência nacional daquele imposto, conjugado com o princípio da extraterritorialidade das legislações tributárias estaduais e municipais que está expresso no art. 102 do CTN. Porém, o STJ por meio de argumentos extrajurídicos, como combate à guerra fiscal, melhor distribuição do bolo tributário entre os diversos municípios etc. enveredou-se por caminhos opostos aos traçados pela lei de regência da matéria, trazendo perplexidade e insegurança jurídica permanente aos contribuintes. Mesmo no atual regime da LC nº 116/2003 as divergências continuam em relação ao local do pagamento nas operações de leasing.
Nesses casos, não há como o legislador ceder à jurisprudência do Tribunal sob pena de apequenar a independência do Poder Legislativo. O que o legislador deve fazer nessas hipóteses é melhor explicitar o texto legal para interditar interpretações tangenciais.
Outras vezes, o legislador altera a lei depois de corretamente interpretada e pacificada no âmbito do Tribunal. Pergunta-se, para quê? Se o Judiciário, depois de anos de debates e divergências, conseguiu alcançar a conclusão que poderia ter sido alcançada mediante interpretação sistemática dos dispositivos legais, tudo estará resolvido.
Refiro-me a não incidência do IPI na revenda do produto importado. Grassou durante décadas controvérsia quanto à incidência ou não do IPI nesse caso, para finalmente pacificar, corretamente, a tese da não incidência tributária.
Ora, a interpretação conjugada dos arts. 46 e 51 do CTN conduz ao entendimento de que o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados – IPI – ocorre alternativamente:
a) no desembaraço aduaneiro quando de procedência estrangeira;
b) na sua saída do estabelecimento industrial ou a ele equiparado;
c) na sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
A industrialização é elemento ínsito na composição do fato gerador do IPI. O estabelecimento aferido na letra “b” supra só pode ser aquele que promoveu a industrialização do produto dando saída em seguida. Não se trata de saída de qualquer estabelecimento. Na revenda, a menos que tenha havido nova industrialização segundo o conceito definido no parágrafo único, do art. 46 do CTN, por óbvio, não haverá a incidência do IPI por inocorrência do fato gerador respectivo. Foi o que decidiu o STJ, de conformidade com os dispositivos do CTN acertadamente interpretados.
Entretanto, a Câmara dos Deputados já aprovou o texto do PLC nº 23/2015 acrescentado o § 2º ao art. 51 do CTN, mediante convolação do atual parágrafo único em § 1º, para dispor que não incidirá o IPI na saída de produto industrializado importado se não houver nova industrialização. Soa como uma declaração acaciana. É o mesmo que afirmar que o IPI não incide sobre produto que não seja industrializado. O legislador deveria ter agido antes quando a confusão jurisprudencial tomava muito tempo dos tribunais. Agora que a matéria está pacificada com a aplicação correta dos textos do CTN não havia nenhuma necessidade dessa providência legislativa.
Contudo, quando o Legislativo adéqua a lei vigente à correta interpretação dada pela Jurisprudência é um mal menor. O pior é quando acontece ao contrário: o Judiciário muda a lei causando efeitos colaterais imprevistos e o Legislativo a encampa.
É preciso restabelecer a hierarquia das fontes do Direito em respeito ao principio da independência e harmonia em Poderes.
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