Dois de janeiro de 2017, oitenta presos são encontrados brutalmente assassinados dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. O episódio foi o segundo no Brasil em número de mortos, perdendo apenas para o Massacre do Carandiru, em 1992.
Do Vaticano, o Papa Francisco manifestou sua dor pela tragédia ocorrida na Penitenciária de Manaus. Para o Santo Padre as instituições prisionais brasileiras devem ser locais de reabilitação e reintegração social e as condições de vida dos detidos devem ser dignas de seres humanos.
Jesus Cristo pregando no Templo de Jerusalém para a multidão que o ouvia, sob o olhar atento de escribas, fariseus e sacerdotes, respondendo como será a salvação para o Reino dos Céus no final dos tempos, nos ensinou:
“Estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus, 25).
Noutra oportunidade, Jesus esclareceu que sua missão era salvar o que tinha se perdido:
“Que vos parece? Se algum homem tiver cem ovelhas, e uma delas se desgarrar, não irá pelos montes, deixando as noventa e nove, em busca da que se desgarrou? E, se porventura achá-la, em verdade vos digo que maior prazer tem por aquela do que pelas noventa e nove que se não desgarraram” (Mateus 18).
Muitas vezes incompreendido por alguns que assistiam e ouviam seus atos e ensinamentos, repreendeu o Nazareno aos fariseus, enquanto comia entre publicanos e pecadores:
“Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9).
Para o Papa Francisco todos temos algo de ovelha perdida. Certa vez disse o Sumo Pontífice:
“A ovelha perdida não se perdeu porque não tinha uma bússola. Conhecia bem o caminho. Se perdeu porque o coração estava doente, cego por uma dissociação interior e foge para ficar longe do Senhor, para saciar aquela escuridão interior que a levava à vida dupla: estar no rebanho e fugir para a escuridão. O Senhor conhece estas coisas e vai a sua procura. A figura que melhor me faz entender o comportamento do Senhor com a ovelha perdida é o comportamento do Senhor com Judas.
A mais perfeita ovelha perdida no Evangelho é Judas: um homem que sempre, sempre tinha algo de amargo no coração, algo a criticar nos outros, sempre separado. Não sabia da doçura da gratuidade de viver com todos os outros. E sempre, esta ovelha não estava satisfeita – Judas não era um homem satisfeito! – fugia. Fugia porque era ladrão, ia para aquele outro lado, ele. Outros são luxuriosos, outros... Mas sempre escapam porque têm aquela escuridão no coração que o separa do rebanho. E aquela vida dupla, aquela vida dupla de tantos cristãos, e também, com dor, podemos dizer, sacerdotes, bispos... E Judas era bispo, era um dos primeiros bispos, eh? A ovelha perdida. Pobre! Pobre este irmão Judas como o chamava padre Mazzolati, naquele sermão tão bonito. ‘Irmão Judas, o que acontece no teu coração?’. Nós devemos entender as ovelhas perdidas. Também nós temos sempre algo, pequeno ou nem tanto, das ovelhas perdidas”.
Atualmente o Brasil tem o quarto maior número de presos do mundo, são 622.202 encarcerados. São 622.202 ovelhas perdidas que nos devem revelar o verdadeiro significado de ser cristão, 622.202 doentes que necessitam de cura, de arrependimento de um passado vacilante.
Os valores cristãos não se dissociam do Estado Democrático de Direito, muito menos o contrário. A dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a construção de uma sociedade justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais, o bem de todos sem discriminação, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos que constituem fundamentos e objetivos da República brasileira assentam suas raízes no ideal cristão primitivo.
O Direito não precede a caridade, a bondade e a compaixão. A ciência do Direito procura auxiliar o ser humano e as Nações a encontrarem um modo de convivência social fraterno e pacífico. O Direito positivado não revoga o direito natural da pessoa humana à busca da felicidade e da paz.
Estado laico não é um Estado sem Deus, sem passado, sem escrúpulos. O laicismo não revoga o caminhar cristão, o laicismo não se presta à promoção gratuita do ódio pelo ódio. O laicismo pode ser resumido na parábola do Bom Samaritano: a compaixão que deve ser aplicada a todas as pessoas, indistintamente, sem obstáculos.
O massacre de presos nas penitenciárias brasileiras no início deste novo Ano de 2017 revela que nosso País vem abandonando suas ovelhas, desprezando seus doentes. Mais que um descumprimento de determinado preceito legal, a carnificina em nossos presídios atinge os próprios fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro, derivados de preceitos cristãos intransigíveis.
Para onde caminha o Brasil?
Precisa estar logado para fazer comentários.