Em 13 de abril de 2016 foi sancionada a Lei Ordinária Federal nº 13.269, que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, em 19 de maio de 2016, na ADI 5501, deferiu pedido de liminar para suspender a eficácia da Lei nº 13.269/2016, até o julgamento final desta ação.
Para o Supremo, em sede de liminar, a Lei nº 13.269/2016 padece do vício de inconstitucionalidade formal, pois de acordo com o Art. 37, Inciso XIX, da Constituição Federal de 1988, caberia à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, enquanto Autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, autorizar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados.
Noutras palavras, caberia à ANVISA e não ao Congresso Nacional brasileiro deflagrar ação normativa visando o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna no País.
Para o desacostumado ou inexperiente ao juridiquês, oportuno fazer a seguinte distinção: o Supremo poderá declarar a inconstitucionalidade de determinada lei sob dois ângulos, quais sejam, o da inconstitucionalidade formal ou da inconstitucionalidade material.
Na declaração de inconstitucionalidade formal o Supremo reconhece vício extrínseco da normal, estranho ao seu mérito propriamente dito, como, por exemplo, quando reconhece o vício de iniciativa da lei ou reconhece o atropelo do procedimento estabelecido para o seu devido ingresso no ordenamento jurídico.
Já na declaração de inconstitucionalidade material o Supremo analisa frontalmente o conteúdo da norma e sua compatibilidade com a Constituição. Por exemplo, na ADI 4983, o Supremo julgou materialmente inconstitucional lei do Estado Ceará que regulamentava a vaquejada, pois tal prática reflete ato de crueldade contra os animais, conforme o disposto no Art. 225, §1º, Inciso VII, da Constituição.
Como se vê, ao julgar pedido de liminar com relação à Lei nº 13.269/2016, o Supremo nesta sede cognitiva inicial apenas reconheceu a sua inconstitucionalidade formal, ante a ausência de aval do Ministério da Saúde e monitoramento pela ANVISA.
Mais uma vez afastando o juridiquês, o que se quer dizer ao cidadão comum é que o Supremo não disse que a substância fosfoetanolamina sintética não funciona, que seria substância ineficiente ou inútil. Nada disso.
Em nenhuma hipótese, nem de longe, nesta sede sumária de apreciação de pedido de liminar o Supremo debruçou-se sobre a questão da eficácia ou ineficácia da fosfoetanolamina à luz do disposto no Art. 196 da Constituição, que assegura o direito de todos à saúde e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
E nem poderia o Supremo e seus Ministros em sede de cognição sumária tecer alguma consideração científica a respeito da eficácia ou ineficácia da fosfoetanolamina sem antes aplicar a regra disposta no Art. 20, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.868/99, que disciplina o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Essa análise da eficácia da fosfoetanolamina exige naturalmente esclarecimento científico da matéria, requisitando-se informações adicionais, designando-se comissões de peritos e notáveis para que emitam parecer sobre a questão em audiências públicas, ouvindo-se depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria (Art. 20, §1º, da Lei nº 9.868/99).
Em última análise, o efeito produzido pela decisão liminar do Supremo na ADI 5501 foi o de voltarmos à estaca zero. Cabendo a cada juiz no País, em ações individuais, decidir soberanamente a respeito do fornecimento ou não da fosfoetanolamina à luz do Art. 196 da Constituição, fazendo juízo valorativo substancial e meritório de cada pretensão deduzida, desconsiderando a existência da Lei nº 13.269/2016 que dispunha sobre o fornecimento meramente automático da substância.
Tanto que quando do julgamento da ADI 5501, o Ministro Gilmar Mendes, divergindo do Relator, considerou que o Supremo, ao suspender a norma questionada, pode estar produzindo uma situação que vai estimular a judicialização da questão. E vai mesmo.
Para ilustrar a matéria, cabe dizer quer a liberação do uso do canabidiol (substância canabinoide existente na planta da maconha) no Brasil só foi determinada pela ANVISA em 2015, depois de uma movimentação feita pela sociedade civil, amparada por medidas judiciais. É um clássico exemplo do Poder Judiciário velando pela dignidade da pessoa humana, antecipando-se à ação tardia do Poder Público.
Em suma, o Poder Público não pode destruir a esperança, extinguir a confiança na cura, frustrar o gravemente enfermo ou abraçar-se à futurologia. Caberá ao Poder Público nas ações individuais em que for demandado, em cada caso, juntar documentação médica posterior demonstrando que o uso da fosfoetanolamina não vem apresentando eficácia concreta no paciente demandante, único argumento compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal, classificado como fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.
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