Dentre as várias abordagens teóricas sobre a punição da tentativa, destacam-se as duas mais citadas, quais sejam, a objetiva e a subjetiva. Para a teoria objetiva, não bastaria, para fundamentar a punição do delito tentado, o elemento subjetivo congruente do agente com a descrição típica, mas seria necessário aferir a colocação objetiva do bem jurídico em perigo. Por isso, inclusive, a pena da tentativa teria de ser menor do que a do crime consumado. Para a teoria subjetiva, o elemento subjetivo congruente já seria o suficiente para a punição, de modo que, inclusive, há entendimento de que a tentativa deveria ser punida nos mesmos moldes do crime consumado.
No Brasil e na maioria dos ordenamentos jurídicos, adota-se a teoria objetiva (inteligência do artigo 14, Parágrafo Único, CP) (BITTENCOURT, 2014, p. 537).
Nesse contexto, adotada a teoria objetiva, surge o problema do chamado “crime impossível”, o qual não pode ser punido e é considerado “fato atípico” nos estritos termos do artigo 17, CP. O crime se torna impossível quando sua consumação não se dará jamais por “ineficácia absoluta do meio” ou por “impropriedade absoluta do objeto” (JESUS, 2012, p.l 393 – 395). São exemplos clássicos, a tentativa de envenenamento com uso de substância, em verdade, inócua (ineficácia absoluta do meio) e o desferir de tiros em um cadáver com o intuito de “matar o morto” (impropriedade absoluta do objeto).
Se o Brasil adotasse a teoria subjetiva, pouco importaria se o crime não se poderia consumar. O que seria levado em conta seria tão somente o elemento volitivo do agente para a prática do crime, o qual, inclusive, seria tratado como o consumado. Adotando a teoria objetiva, em sua modalidade “temperada, moderada ou matizada”, se o meio é absolutamente inidôneo ou o objeto é absolutamente impróprio, configura-se o crime impossível e não há possibilidade de punição, nem mesmo por crime tentado com pena diminuída. Há que lembrar que existe a chamada “teoria objetiva pura”, a qual não faz distinção entre meio ou objeto absolutamente ou relativamente inidôneo. Havendo inidoneidade, absoluta ou relativa, a tentativa se tornaria impunível. No entanto, tal teoria tem sido rechaçada pela maioria da dogmática e também não foi acolhida em terras brasileiras (GRECO, 2014, p. 63).
Acontece que a doutrina menciona a chamada “tentativa irreal ou supersticiosa”, a qual é uma espécie do gênero “crime impossível” ou “tentativa inidônea”.
A “tentativa irreal ou supersticiosa” é
“aquela em que o agente tenta alcançar a sua finalidade delituosa através de meios sobrenaturais (rezas, feitiçarias, invocação dos deuses ou dos mortos, fórmulas mágicas etc.” (DIAS, 2007, p. 717) (grifos no original).
Nestes casos a inviabilidade da consumação é elevada a um grau paroxístico, de modo que “a inaptidão do meio é absolutamente manifesta”, não sendo possível pensar em sua tentativa, nem mesmo num contexto dogmático informado por teoria subjetiva (DIAS, 2007, p. 717) (grifos no original).
Assim sendo, a chamada “tentativa irreal ou supersticiosa” seria um exemplo de “crime impossível” em seu grau máximo, de forma a inviabilizar a punição sequer da tentativa, seja diante da adoção de uma teoria objetiva (como faz nosso ordenamento), seja diante da opção por uma teoria subjetiva do crime tentado.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 1. 20ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Parte Geral. Tomo I. São Paulo: RT, 2007.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 8ª. ed. Niterói: Impetus, 2014.
JESUS, Damásio de. Direito Penal. Volume 1. 33ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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