Fisiologismo refere-se a um tipo promíscuo de relações de poder político em que as ações políticas e decisões são tomadas em troca de favores e outros benefícios a interesses privatistas. É um fenômeno que ocorre com relativa frequência em parlamentos de países que adubam sistemas corruptos de poder, assim como no poder Executivo alcançando até mesmo o Judiciário quanto mais sistematizado se encontrar o fisiologismo. Os partidos políticos podem ser considerados fisiologistas quando deferem seu apoio independente da coerência entre as ideologias ou programas de partidos. Pode-se definir o fisiologismo como a conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários em detrimento do bem comum, muito próximo do clientelismo político,
Poderíamos parar nesta definição de fisiologismo, mas por amor a melhor clareza e repúdio as vaguezas trazemos outras definições de “intempéries” permanentes que qualificam a política brasileira. Assim:
Clientelismo Político é um sub-sistema de relação política, com uma pessoa recebendo de outra proteção em troca do apoio político. O que caracteriza o clientelismo é o sistema de troca quando o “cliente” fica em total submissão ao “patrão”, independentemente de com este possuir qualquer relação que não a da promiscuidade.
Coronelismo é o conjunto de ações políticas de latifundiários – estrito sensu - (chamados de coronéis) em caráter local, regional ou federal, onde se aplica o domínio econômico e social para a manipulação eleitoral em causa própria ou de particulares. Fenômeno social e político típico da República Velha, caracterizado pelo prestígio de um chefe político e por seu poder de mando. Em processo de extinção no Brasil, porém permanece em diversos municípios esquecidos do país.
Nepotismo é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento da meritocracia, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos, especialmente para cargos em comissão.
Corporativismo é ação em que prevalece a defesa dos interesses ou privilégios de um setor organizado da sociedade, em detrimento do interesse público. Quando por exemplo um agente público comete algum desvio de finalidade funcional e acaba acobertado pela categoria que pertence não recebendo a sanção que lhe seria aplicada por disposição legal – sentido amplo..
Presidencialismo de Coalizão designa a realidade de um país presidencialista em que a fragmentação do poder parlamentar entre vários partidos obriga o Executivo a uma prática que costuma ser mais associada ao parlamentarismo. Para governar, ele precisa costurar uma ampla maioria frequentemente contraditória em relação aos programas ideológicos de partido no poder, O presidencialismo de coalizão é a mola propulsora do fisiologismo entre as funções de poder, já que para governar o Executivo precisa do Parlamento, e imerso em um sistema corrupto de negociações (melhor qualificadas como negociatas) escambia favorecimentos mútuos distantes do interesse público e adequado aos mais diversos crimes que se utiliza do dinheiro público como esteio. Hoje. Inelutavelmente o Brasil vive um presidencialismo de cooptação. Não raro princípios como os da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Eficiência e Publicidade restam renegados a um segundo, terceiro plano, Não é demais lembrar o que diz a nossa Constituição de 1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...).
Como podemos perceber no Brasil vislumbramos um país de muitas qualificações que nos desqualificam. Cada ano de observação que angario com o passar da vida concluo com maior grau de certeza que o nosso problema é de fato muito mais humano que político. Congregamos interesses exclusivistas e praticamos “farinha pouca meu pirão primeiro”, e quando a farinha é muita meu pirão em primeiro, segundo e terceiro.
Quando percebemos que coabitamos um Estado translúcido de valores invertidos e que até mesmo entre os que deveriam representar-nos como baluartes maiores dos princípios constitucionais se desviam por completo de suas missões, a esperança se inibe e a desesperança nos oprime.
O fisiologismo não é, faz bom tempo, uma exclusividade das instituições essencialmente políticas de poder, não encontra trânsito, comunicação, apenas em nossos legislativos e em nossos executivos, mas reverbera cada vez com maior fluidez em nosso Judiciário. O fisiologismo tem se mostrado cada vez mais desinibido quando tratamos de jurisdições atinentes a interesses caros para a política. Encontramos já de forma quase que curial a verdadeira ratio decidendi, por detrás do véu, em certas jurisdições com a predominância do fisiologismo como orientação velada a partir de compadrinhamentos espúrios, decisões em que o melhor Direito pautado no senso de justiça e equidade resta absolutamente vilipendiado.
O STF, em especial quando decide monocraticamente por alguns de seus ministros, ou mesmo em turmas a partir de entendimentos previamente combinados, tem de forma já escancarada decidido sem fundamento razoável de Direito na senda do fisiologismo. Um caso concreto quando chega ao STF dificilmente dele abstrai-se apenas uma solução possível por mera subsunção, quando tratamos em regra de casos mais complexos que abarcam interpretações das mais diversas muitas das vezes orientadas por princípios, como parte de um crescente neoconstitucionalismo.
Os casos mais complexos em regra abarcam mais de uma possibilidade como decisão final, assim:
Aquela decisão que guarda maior sentido de justiça e equidade, que atende aos princípios orientadores da Constituição e que em geral atende aos anseios de interesse público - ideal;
Aquela que se agarra em uma literalidade normativa que convenientemente pode ser aplicada àquele caso concreto, mas que se aplicada a decisão não revelar-se-á a mais justa existindo um outro caminho também possível e constitucional para se perpetrar justiça;
Aquela que se revela quase que teratológica em clara afronta ao melhor Direito, fruto de um malabarismo argumentativo com o fito de alcançar determinado fim.
Pois o STF reiteramos, em especial por suas decisões monocráticas e por vezes por suas colendas turmas, tem lamentavelmente optado não raras vezes pelas hipóteses B e C como formas de se praticar fisiologismos. Não tão raro também encontrarmos decisões plenárias por maiorias viciadas, com raízes mais oportunistas com viés no mais escancarado fisiologismo que á ostentar a busca pela decisão mais justa e que reflita o melhor direito.
É claro o processo de desacreditação por que passa o Judiciário, em especial os tribunais como fontes de jurisdições colegiadas. A sociedade já percebeu com perplexa nitidez o quão nossos tribunais superiores caminham com o fisiologismo em suas escamoteadas entranhas. Um país que desacredita na sua justiça é um país absolutamente fadado ao insucesso. Urge a necessidade de uma limpeza do que se denota apodrecido para que surjam novas perspectivas e nos reencontremos com um processo acreditação. Um Judiciário desacreditado nos remete uma sociedade em desesperança.
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