A Lava Jato, nos seus dois primeiros anos (2014 e 2015), parecia que iria atacar apenas a corrupção individual e empresarial. No máximo, dizia-se, ela chegaria à corrupção petista, que tinha o domínio das entranhas putrefatas da Petrobras. As elites corruptas chegavam a afirmar que se o grande líder petista fosse preso, tudo estaria de bom tamanho.
Em maio de 2016 divulgou-se o famoso áudio gravado pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, onde se ouvia o alerta de alguns velhos coronéis da política brasileira: “é preciso estancar a sangria”. Pelo estrondo dos relâmpagos os caciques com larga experiência na arte da rapinagem do dinheiro público sabem bem a força energética dos raios que se aproximam das suas cabeças.
O sistema corrupto atordoado, que nos rouba R$ 600 milhões por dia (R$ 200 bilhões por ano), contentou-se no princípio com as combatentes defesas individuais dos réus. Os criminalistas espernearam de todas as maneiras, defenderam a integridade do Estado de Direito e protestaram contra o fim da “omertà” (que é o silêncio da máfia).
A mídia repercutia as inflamadas censuras contra o novo sistema jurídico e probatório, inaugurado com as sequenciadas e contundentes delações premiadas.
Até outubro de 2016 (data das eleições municipais) as investigações da Lava Jato achavam-se centradas na corrupção endêmica e institucional do PT. Em novembro de 2016 surgiram os primeiros vazamentos das delações da Odebrecht, que revelavam provas incontroversas de uma corrupção sistêmica transversal contaminante de praticamente todos os tradicionais partidos. Entrou em colapso o velho jeito de fazer política e negócios com o Estado.
Vimos, a partir daí, o sepultamento definitivo do mito de que a corrupção emana exclusivamente do Estado e dos seus agentes. A velha tese do patrimonialismo só do Estado (sustentada por Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro etc.) caiu por terra. A corrupção sistêmica envolve tanto o mercado (grandes empresários e bancos) como agentes do Estado, cujas fortunas, em grande medida, provêm do surrupiamento do dinheiro de todos em favor de poucos (das oligarquias).
Desde o último trimestre de 2016, depois de já consumada a troca do governo, iniciou-se a defesa sistêmica da corrupção enraizada nas vísceras fétidas das elites dirigentes e governantes. As defesas individuais, fundadas no direito processual regido pelo liberalismo clássico, tornaram-se insuficientes para a preservação da corrupção sistêmica.
Para se alcançar a impunidade das classes dirigentes corruptas do País, todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) foram acionados para o desencadeamento de uma grande operação abafa, capaz de assegurar o “status quo”.
Em 7/12/16 o STF, curvando-se à pressão do poder político, manteve o réu Renan Calheiros na presidência do Senado. Depois assegurou-se o foro privilegiado em favor de quem fora protegido pela criação de um ministério especial.
A colonização do TSE, evidenciada no escandaloso julgamento em favor da chapa vitoriosa em 2014, foi a senha definitiva para a continuidade da operação abafa, que viria a estarrecer a nação com os privilégios concedidos a um senador gravado pedindo propinas a uma grande empresa um dia chamada de “campeã nacional”.
No âmbito dos poderes Executivo e Legislativo muita coisa já foi feita para a sobrevivência da corrupção sistêmica: corte orçamentário da polícia federal, desmantelamento da força-tarefa de Curitiba, escolha e nomeação de ministros e procuradores “de confiança”, troca do diretor-geral da polícia federal, discussão da nova lei de abuso de autoridade, proposta legislativa que proíbe as delações premiadas para presos, congelamento da emenda que acaba com o foro privilegiado, preservação da morosidade do STF para permitir que corruptos disputem as eleições de 2018 etc.
A luta Lava Jato “versus” sistema corrupto não será ganha por nocaute, e sim, por pontos (diz o ministro Ayres Britto). Daí a importância da cidadania vigilante, seja para apoiar a Lava Jato, seja para promover a faxina geral dos corruptos que nos governam nas próximas eleições.
Quem não confia na capacidade emancipadora do povo brasileiro tem ao menos o dever de fazer sua parte, para que o futuro do País não seja mera continuação do seu nefasto passado colonizador.
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