A competência pela prerrogativa de função estabelecida pelo art. 84 do CPP, conhecida como foro privilegiado, vem merecendo críticas pela sociedade porque emperra a atuação do STF, transformando-o em um tribunal criminal quando, na realidade, é um tribunal para dirimir questões de natureza constitucional embora sem status de Corte Constitucional.
Sustenta-se que o foro privilegiado é uma proteção exigida pelo cargo público e não uma proteção à pessoa, pelo que é compatível com a Constituição.
Aparentemente a letra b, do inciso I, do art. 102 da CF quis conferir competência do STF por prerrogativa de função nas infrações comuns, ao Presidente da República, ao Vice Presidente da República, aos membros do Congresso Nacional, e a seus próprios Ministros e ao Procurador Geral da República.
É preciso que a Corte Suprema dê exata interpretação ao texto constitucional mencionado para espancar de vez a dúvida: crime comum praticado no exercício do cargo ou crime praticado durante o exercício do cargo que são coisas diferentes. Sabemos que há julgados determinando a cessação do foro privilegiado quando a autoridade acusada deixa de exercer o cargo, seguindo-se a remessa do processo ao juízo de primeira instância. Investido de novo cargo público os autos retornam ao STF provocando a dança do processo até a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.
Isso evidentemente viola o princípio da isonomia e vai contra a natureza republicana do regime político adotado, além de contrariar o princípio da razoabilidade.
Pessoalmente entendo que a prerrogativa por função deve ser reservada apenas aos acusados de crimes comuns praticados durante e em função do exercício do cargo. Do contrário deixa de ser uma proteção ao cargo. Se uma autoridade pública, fora do exercício do cargo, atropela uma pessoa, com dolo ou com culpa, não há que se invocar a prerrogativa de função. Agora, se um parlamentar, durante um debate apaixonado em torno de uma questão discutida no Congresso Nacional, dispara um tiro e mata seu adversário político pode-se dizer que o crime foi cometido no exercício do mandato. Houve um exemplo no passado em que o Senador Arnon de Mello, ao pretender atingir o Senador Silvestre Péricles, seu inimigo que estava na tribuna do Senado Federal, acabou acertando o Senador José Kairaba que estava próximo do Senador visado. O episódio ficou conhecido como uma hipótese de aberratio ictus, isto é, erro na execução do crime. Como na época não existia o chamado foro privilegiado, o Senador agressor foi julgado pelo Tribunal de Juri e rapidamente absolvido.
Assim, cabe ao STF dar a correta interpretação ao art. 84 do CPP à luz do que dispõe o art. 102, I, b da CF explicitando o alcance e o conteúdo do chamado foro privilegiado. Para tanto não há necessidade de uma PEC como pretendido por alguns, pois, o STF é o intérprete máximo da Constituição.
A interpretação restritiva, além de se ajustar ao regime republicano, onde todos são iguais, desafogará a Corte Suprema que vem fazendo o papel de um juiz de primeira instância sem estar habituada a realizar instrução criminal. Essa interpretação restritiva seria aplicada para as autoridades dos três Poderes, pelo que descabe falar em casuísmo como aventado por algumas autoridades do Legislativo.
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