Dentre as medidas protetivas de urgência criadas pela Lei Maria da Penha, seu art. 22, inciso II, traz a que obriga o agressor a se afastar do lar comum do casal, visando resguardar a incolumidade física e psíquica da mulher vítima de violência doméstica.
Naturalmente, essa medida protetiva de urgência deferida pelo juízo criminal que afasta o agressor do lar comum do casal em absolutamente nada se identifica ou se assemelha com a partilha de bens que acontecerá em momento posterior no juízo de família.
A medida protetiva de urgência que afasta o agressor do lar é profilaxia judicial provisória, tutela inibitória por natureza – ou cautelar, como queiram alguns doutrinadores –, serviente à garantia da ordem pública, de modo a evitar a presumida reiteração delitiva.
Sem a possiblidade do afastamento do agressor do lar comum do casal como alternativa legal, certamente a decretação de sua prisão preventiva seria o único instrumento processual à disposição do juiz, afiançando a integridade da ofendida.
Destarte, na medida protetiva de afastamento do agressor do lar não se cogita em nenhuma hipótese de arbitramento de alugueres em desfavor da ofendida, pois se trata de provimento jurisdicional de natureza inibitória (ou cautelar), adotado por ato ilícito praticado pelo próprio agressor (culpa exclusiva), consistente em ato de violência doméstica.
A prática da violência doméstica contra a mulher além de produzir repercussão na esfera penal (crime) também ocasiona seus reflexos no âmbito do direito civil (ato ilícito), razão pela qual a expressão econômica da posse exclusiva (e temporária) exercida pela vítima no imóvel também possui natureza de recomposição de prejuízo sofrido pela mulher de que trata o Art. 949 do Código Civil.
Resta fora de qualquer dúvida o fato de que a prática da violência doméstica desestabiliza e neutraliza por completo a capacidade de promoção da própria subsistência por parte da mulher. Sessões de tapas e espancamentos, esganaduras e chutes, ameaças e xingamentos, entre outros atos de violência, crueldade e humilhação impossibilitam que a vítima de imediato reconstrua sua vida longe de seu agressor.
Nada mais legítimo e justo que o agressor doméstico suporte exclusivamente as consequências econômicas de seu ato de barbárie, perdendo a posse provisória do lar comum, em favor da vítima. Como forma de recomposição civil do ato ilícito.
A tutela inibitória ou cautelar possui esse viés de fazer com que o agente que cometa o ato ilícito suporte as consequências de seu ato flagrantemente contrário ao ordenamento jurídico. Por exemplo, o motorista que dirige embriagado e tem seu veículo apreendido não pode cobrar aluguel do Poder Público, o assaltante em que a coisa subtraída é recuperada não pode cobrar pelo depósito do bem, a porta arrombada no ato de prisão em flagrante também não é indenizável.
A máxima romana “venire contra factum proprium” ou “nemo potest venire contra factum proprium” também socorre a mulher vítima de violência doméstica. “Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta anterior" (Resp n° 9553-9/SP – Min. Ruy Rosado de Aguiar – STJ). Não pode o agressor bater na mulher, deixando-a aos pedaços, depois lhe cobrar aluguel do local onde convalesce de suas feridas e, ainda, se oculta de nova investida criminosa de seu carrasco.
Entretanto, a medida protetiva de urgência de afastamento do lar, também em razão de seu reflexo na esfera econômica do agressor, deve subsistir apenas e tão-somente o quanto for necessária. Cessado inteiramente o risco de novo episódio de violência doméstica e familiar, a medida deve ser revogada, autorizando o exercício da posse por ambos os cônjuges, até o ulterior desfecho da partilha de bens no juízo de família competente.
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