É observável que uma característica interessante dos processos judiciais, em qualquer seara, é uma inclinação para que o julgamento, em determinados casos, ocorra em razão da parte envolvida ou sua representação jurídica. Explica-se.
Em casos mais complexos – do ponto de vista técnico, econômico, político e/ou social – a figura de quem é processado ou de seu advogado, se é um ilustre desconhecido ou um “medalhão” de grande reputação, acaba por influenciar no caminho a ser percorrido para a motivação da decisão. Não deveria.
Não se fala aqui na utilização da melhor técnica jurídica ou dos argumentos mais robustos para influir no julgamento de um processo, natural em contendas e no labor do causídico, mas sim em decisões judiciais tomadas principalmente por conta das figuras envolvidas no processo.
Se um processo é movido em razão de um político ou empresário com aproximação de grandes chefes políticos, devidamente representado judicialmente por um advogado de renome, existe uma grande chance do processo ser julgado em benefício deste. Isto sem falar no clamor social para que uma decisão seja dada em determinado sentido.
Não venha a argumentar que isso não possui base científica ou que não há provas disso nos processos. De fato, é difícil apontar em qual processo tal característica, parte ou advogado envolvido, tenha sido determinante como força motriz decisional.
Afinal, a atividade jurisdicional deve ser imparcial e, caso algum processo seja verificado motivação inidônea, certamente ele estará eivado do vício da parcialidade e será nulo de pleno de direito os atos judiciais praticados.
Não obstante a isso, nas notícias jurídicas diárias, observa-se, em alguns casos, indícios, ainda que perfunctórios, de que o processo é julgado não apenas com fundamento no bom direito, mas sim para prejudicar ou beneficiar determinada pessoa. É uma espécie de apadrinhamento jurídico, para o bem ou para o mal.
Por oportuno, cabe anotar que este texto não é direcionado para um caso específico, mas sim visa buscar alternativas para um julgamento, de fato, imparcial, livre de maculas que não ajudam na busca do bom direito.
Dito isso, se a figura da parte ou do advogado pode vir a influir na decisão judicial, que deveria ser sempre imparcial, com análise técnica dos fatos e fundamentos jurídicos, qual a solução possível para este defeito na atividade de dizer o direito?
Uma alternativa para esse provável problema parece ser o julgamento às cegas pelos magistrados ou tribunais. Funcionaria assim: os fatos e fundamentos jurídicos das partes são apresentados para apreciação do órgão estatal judicial com sigilo das partes e advogados envolvidos. Tais dados ficariam no sistema do processo judicial eletrônico, devidamente auditado e controlado, sem acesso ao órgão julgador, sob pena de nulidade.
Decisões de mero expediente, qualificação, documentos pessoais das partes e sua representação judicial, por exemplo, ficaria a cargo de um órgão distinto e isolado do judicial.
De igual modo, a produção de provas, tais como depoimentos, oitivas de testemunhas e pericias, ficariam a cargo de um juiz específico para tais atividades, uma mitigação, pode-se argumentar, do juiz natural, daquele magistrado que tomou conhecimento primeiro das provas produzidas.
Nessa sistemática a pessoa ou colegiado responsável por emanar a decisão não deve conhecer as partes envolvidas ou seus advogados no momento do julgamento do processo. Julgar-se-á casos jurídicos e não as pessoas ou advogados envolvidos. As peças judiciais devem ter os dados que possam identificar a origem do processo tachados. Tudo para dificultar a identificação das partes ou advogados envolvidos, sem comprometer a ampla defesa e o contraditório.
Se isso ocorrer, o juiz não ficará inclinado para nenhum lado, o que vai ao encontro de uma verdadeira imparcialidade. Até se a genitora do julgador estiver envolvida, ele poderia, em tese, condenar ou absolvê-la sem influências externas. Claro que, neste caso, no acolhimento do processo, por ser uma hipótese de impedimento absoluto para julgar, o órgão de análise de atos de mero expediente deverá não distribuir o processo para aquele órgão estatal, singular ou colegiado, ou, se impossível a não distribuição, a sentença deve ser desentranhada dos autos do processo e tida como nula.
Depreende-se que caso fosse adotada a sistemática do julgamento às cegas, se fosse efetiva, garantiria uma maior imparcialidade, com análise apenas dos fatos e fundamentos jurídicos presentes, sem outras influências. Evitaria situações como o acolhimento da peça jurídica, análise de mérito e julgamento com condenação para uns e, em caso idêntico, o afastamento de condenação por uma filigrana processual sem relevância ao frágil argumento de um princípio qualquer ou teoria jurídica questionável.
O Direito tem que ser levado a sério, sem apadrinhamentos jurídicos ou malabarismos processuais para agradar a determinadas pessoas. Se é para acolher ou rejeitar o pedido, a decisão judicial deve se dar apenas pelos fatos e fundamentos jurídicos apresentados. Senão é outra coisa e não Direito como uma ciência social aplicada.
Não se pode olvidar que a imagem que representa a justiça é uma dama cega, com uma balança em uma das mãos. Que o Poder Judiciário possa adotar essa postura seguindo os passos da imagem da justiça.
Claro que a adoção do julgamento às cegas não poderia ocorrer com base no ordenamento jurídico brasileiro vigente. Demandaria mudanças legislativas profundas para a adoção desta sistemática que tem por desiderato aumentar a imparcialidade dos julgamentos.
Do exposto, de maneira sucinta, buscou-se apresentar um caminho possível para aumentar a imparcialidade nas decisões judiciais. Enfim, deve-se fechar os olhos, como a justiça, para as partes envolvidas e seus advogados, privilegiando a análise técnica e uniforme dos casos levados à apreciação judicial.
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