Como é de sabença geral somos um dos países que mais mata suas mulheres no mundo. Ser mulher no Brasil é genuinamente um ato de heroísmo. As estatísticas desautorizam olvidar a necessidade premente de se promover políticas públicas que decididamente assegurem à mulher uma vida livre e independente, sem violência, em todas as etapas de sua vida.
E a guilhotina da mulher brasileira não é a rua, seu carrasco não é desconhecido transeunte. O martírio da mulher é dentro de casa, seu algoz seu marido, companheiro ou mesmo namorado. A definitiva destruição moral e psicológica até o feminicídio são os votos matrimoniais e de intimidade daquilo que em nosso país chamamos de casamento.
Com a prometida e já esperada facilitação da posse de arma de fogo a questão da violência doméstica e familiar contra a mulher em nosso país tende a se agravar. O potencial lesivo da arma inquestionavelmente transmutará quase que automaticamente os casos de ameaça e lesão corporal dentro de casa em homicídio consumado, tornando impossível a defesa da mulher.
Desde sua edição em 2006 a Lei Maria da Penha assinala como a primeira no rol de suas medidas protetivas a “suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente” (Art. 22, I). Com a rigidez do Estatuto do Desarmamento este dispositivo é costumeiramente utilizado na praxe forense para os casos de cônjuges ou companheiros agressores que possuem sua atividade profissional relacionada ao porte de arma de fogo. Tanto que o §2º do Art. 22 deixa o “superior imediato” do agressor como responsável pelo cumprimento da determinação judicial.
Uma vez flexibilizado o Estatuto do Desarmamento, difundido o corrente registro de armas de fogo no Brasil, quando da lavratura do boletim de ocorrência ou ajuizamento de medida protetiva de urgência a mulher deverá sempre ser questionada a respeito da posse de arma de fogo pelo seu cônjuge ou companheiro, de modo a requerer liminarmente sua entrega ao órgão competente.
Geralmente, a medida protetiva de urgência não atinge o regime de visitação aos filhos, fixado pela Vara de Família. Também não impede a ida do agressor à creche ou escola dos menores, sob qualquer pretexto. É precisamente aí que oportunamente o agressor sabe que pode fazer valer, mais uma vez, seu ímpeto de crueldade e brutalidade contra sua ex-companheira, movido pela torpeza com a qual sempre embalava seu relacionamento.
Para se evitar uma tragédia ainda maior, neutralizando a ação do agressor, dentre as diversas medidas protetivas ao alcance da mulher, aquela que suspende a posse ou restringe o porte de arma deverá se tornar profilaxia processual automática e obrigatória. O próprio ciclo da violência doméstica autoriza essa medida acauteladora para se evitar a reiteração criminosa fatal.
Cumpre, assim, ao Estado brasileiro quando da flexibilização do Estatuto do Desarmamento cercar a mulher vítima de violência doméstica e familiar de todas as cautelas, no plano jurídico e legal, que lhe assegurem o direito à vida, conferindo-lhe atendimento imediato e urgente para os casos de agressores com registro de arma de fogo.
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