O que significa poder tributário? Poder-se-ia repetir a clássica conceituação a partir da definição de tributo: prestação pecuniária compulsória que o Estado exige de seus súditos em virtude do seu poder de império. Assim, o poder tributário seria o poder soberano do Estado de retirar compulsoriamente parcela de riqueza produzida pelo particular. Já se tornou comum afirmar que o Estado, no exercício de sua soberania, tem o poder de exigir tributos de seus cidadãos.
Não é bem assim! O poder tributário é espécie do poder do Estado. E a soberania, entre nós, não detém o Estado, mas o povo.
É o que está expresso no parágrafo único, do art. 1º da Constituição:
“Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Não há, pois, uma delegação total do poder para os representantes eleitos, como no texto da Constituição antecedente (Constituição de 1967/69) que assim prescrevia em seu art. 1º, § 1º:
“§ 1º. Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”.
A diferença é sutil, mas existe. Na ordem constitucional anterior todo o poder era delegado a seus representantes. Na atual Constituição, a par da delegação, o povo exerce o poder nos termos da prescrição constitucional.
Não se trata evidentemente de democracia direta como na de Atenas. E nem isso seria possível para um País tão populoso como o Brasil.
Mas, em que consiste o exercício direto do poder pelo povo? A Constituição aponta o plebiscito, o referendo popular, o poder de iniciativa das leis, e a participação na administração pública por meio de comissões compostas de representantes da sociedade civil. Já temos várias leis originárias da iniciativa popular. A lei da ficha limpa é uma delas. O povo exigiu que pessoas ímprobas não pudessem concorrer às eleições.
De outro lado, é tão importante a participação das comissões formadas por representantes da sociedade civil na formulação de políticas públicas que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a sua dissolução por atos do Executivo, sempre que tiverem previsão legal. Número expressivo de votos vencidos considerava inconstitucionais, também, as extinções dessas comissões mesmo não tendo sido criadas por lei.
De fato, este posicionamento minoritário encontra apoio no art. 84, VI, "a" da CF:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VI- dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federa, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Na expressão final “extinção de órgãos públicos” estão abrangidas, por óbvio, as comissões vinculadas a esses órgãos.
Se o poder estatal não é ilimitado, não podendo ser exercido à vontade do governante, pois o verdadeiro detentor da soberania é o povo que também exerce os poderes estatais, segue-se que o poder tributário, também encontra limitações, não apenas naquelas previsões dos arts. 150 a 152 da CF, como também, e principalmente na adequada contrapartida em termos de prestação de serviços públicos, por conta dos impostos cobrados compulsoriamente.
Ir apenas tributando, com elevação do nível de sua imposição na razão direta da deterioração dos benefícios que o Estado deveria prestar a seu povo, como vem acontecendo entre nós, esse poder de tributação acaba perdendo o necessário respaldo da legitimidade.
O cidadão não pode ser tratado como objeto de direito, com um número do CIC carimbado nas costas, destinado a produzir riquezas para um Estado perdulário.
Se há um dever de todo o cidadão de pagar impostos deverá haver, sem dúvida alguma, o direito inalienável desse cidadão de ser atendido pelo Estado-cobrador quanto às suas necessidades básicas em termos de serviços públicos essenciais, pois, impostos são instituídos exatamente para a prestação regular desses serviços públicos essenciais que conferem dignidade à pessoa humana.
Um Estado que não atende essas exigências óbvias é como um condomínio que cobra as taxas condominiais e deixa os condôminos sem os serviços básicos de vigilância e segurança, por meio de uma portaria eficiente; sem manutenção das áreas comuns, piscinas, quadras, salões de festa; remoção de lixo domiciliar etc. Nessas hipóteses o condomínio perde a legitimidade para continuar exigindo as taxas condominiais e os condôminos podem provocar a destituição do síndico ou da administradora do prédio.
O Estado Brasileiro vem aumentando a carga tributária a cada momento que passa, sem que seja seguida da melhoria na prestação de serviços públicos, ou na expansão de infra-estrutura do Estado que assegure qualidade de vida às gerações futuras.
Na década de 80 era de 21% do PIB; depois foi se elevando para 23%, 25%, 27%, 29%, 30%, 31%, 32%, 33%, 34% e 35%. Qualquer uma das propostas de reforma em discussão elevará o nível de imposição para o mínimo de 40% do PIB.
Enquanto isso os serviços públicos andam de mal para o pior. As despesas de custeio explodem, enquanto as despesas de capital, notadamente, as de investimentos mínguam a olhos vistos. Resultado disso é a persistente recessão econômica, com cerca de 13 milhões desempregados, além de milhares de trabalhadores na informalidade.
E aqui é oportuno citar o texto pertinente do jurista Antonio Francisco Costa:
“Não são cidadãos nem humanos os atos governamentais autoritários que ultrapassando a ordem jurídica pré-existente expõem o Estado à situação de vexames financeiros e desequilíbrios econômicos ao ponto de submeter os cidadãos, a sociedade, a sacrifícios muitas vezes insuportáveis, violando, injustamente, direitos adquiridos, maculando o bem-estar social, pondo em risco a paz e a própria dignidade humana” (Revista IBADIRE, Instituto Baiano de Direito Empresarial, edição nº 002, ano I, Julho de 2013, p.6).
Nada mais é preciso acrescer. O lúcido texto atual de Antonio Costa diz tudo.
O interminável contingenciamento de verbas atingindo, inclusive, setores garantidos com a vinculação mínima de receitas tributárias (saúde e educação) está a demonstrar o exercício ilegítimo do poder de tributar, porque o produto de sua arrecadação não vem sendo aplicado para o cumprimento da finalidade estatal que, em última análise, resume-se na realização do bem comum que não se confunde com o bem de alguns poucos (detentores do poder político) e a miséria para a maioria da população. Milhares vivem abaixo da linha da miséria: não têm o mínimo do mínimo para uma vida condigna segundo os ditames da justiça social, como proclamado no art. 170 da CF.
Sai governo, entra governo e a coisa não muda. É preciso mais conscientização para exercício eficiente da cidadania para fazer prevalecer a soberania popular.
Os governantes, nem os representantes não eleitos para se servirem do Estado, mas para fazer com que o Estado sirva o cidadão.
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