Em primeiro de março, o médico e jornalista - Dráuzio Varella - veiculou no Fantástico uma reportagem sobre mulheres transexuais no interior dos presídios de São Paulo. Confesso que não vi o relato, todavia, presenciei a repercussão. É fato que o renomado profissional da área de saúde é atuante junto ao sistema prisional, pois oficiou nele e hoje presta serviço voluntário. A pergunta que reverbera é quem se cativa por um lugar desses? Sim, essa catarse ocorre principalmente em relação a alguns que ali labutam, os que têm pessoas próximas sob grades e também aqueles que assimilam que os presos que ali estão, “depositados”, merecem uma segunda chance.
Em 2019, o Brasil atingiu a marca de quase de 812 mil presos, terceira maior população carcerária do mundo e apesar do quantitativo, o ordenamento jurídico brasileiro adota a política do desencarceramento, isto é, prisões domiciliares, medidas alternativas e audiências de custódias, são opções que rechaçam a prisão. No mesmo viés, só se encontra preso quem ultrapassou essas brechas, não conseguiu viver em sociedade e foi compulsoriamente recluso.
Durante duas semanas, vi o entrevistador “apanhar” e até mesmo se justificar, principalmente em redes sociais, por ter abraçado e cotejado uma das entrevistadas. O fato eclodiu após os internautas terem ciência da vida pregressa de uma das presas. Suzy havia estuprado e morto uma criança. Pronto, foi o ápice para um achincalhamento moral do intérprete, pior do que quando este mesmo protagonista deu vida ao seu livro - Estação Carandiru.
Como dizia minha mãe: - Quem ali está, boa coisa não fez! E realmente, no nosso modelo atual, o encarceramento é pra quem fez barbáries ou não teve condições de sustentar uma boa defesa técnica. Quando pequeno, acompanhei discursos eufóricos do repórter e depois político, Amaral Neto, apelidado de forma jocosa - Amoral Nato. O então representante do Estado do Rio de Janeiro, voz da ditadura, elegeu-se de forma reiterada com o chavão da pena de morte. Hodiernamente, sob uma óptica garantista, somente em uma hipótese é concebível esta sanção ao Estado Brasileiro e não é para presos comuns. Esse tema já foi exaustivamente debatido pelo parlamento e caso fosse possível o nosso chefe do poder executivo o traria a baila, excetuando alguns crimes, é claro, como a apropriação indébita de parlamentares sobre proventos dos seus próprios servidores.
A proibição da pena de morte é uma clausula pétrea, está enraizada na nossa constituição e não pode ser modificada, então, o que nos resta: recuperar, ressocializar, viabilizar, trazer ao nosso convívio aqueles que se tangenciaram à lei. Quando digo nós, vai muito além do estado, o qual se encontra arcaico e depauperado, mas também a sociedade civil, pois o nosso sistema prisional é falho ou sob uma óptica de recuperação - inexistente. As nossas cadeias são “covis” de gente, ou seja, visamos apenas o efeito retributivo da pena - pagar o mal pelo mal - o que viola principalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Dráuzio trabalhou no sistema, viveu o ambiente carcerário e não digo que se apaixonou por ele, mas se sensibilizou pela causa. Não é de hoje que ele traz a baila este tema e padece. O que a sociedade até vê, mas não enxerga, é que abominando a pessoa presa, independente do gênero ou orientação sexual, viola indiretamente o princípio da responsabilidade pessoal da pena, o qual preceitua que a sanção não passará da pessoa do condenado. Mas pelo nosso falido modelo, essa punição vai além e quem paga somos nós, os quais não zelamos de quem precisa de cuidados, pois quanto a uma pessoa que mata e estupra uma criança, qual tratamento teve para que não voltasse a delinquir? Nenhum. Mas um dia, ele ou ela voltarão ao nosso convívio e diante da nossa omissão, reincidirão a praticar atrocidades fazendo com que o ciclo de violência reitere-se.
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