Resumo: O presente trabalho pontua a compulsoriedade da vacinação no Brasil e os efeitos colaterais dela oriundos, pós-vacinação, tema objeto de responsabilidade civil do estado - frente às inovações advindas com a entrada em vigor da Lei 14.125/2021. O tema agrega, ao leitor, reflexões às garantias fundamentais de proteção à vida e à saúde; em claro juízo de ponderação com as liberdades de expressão e de crença, todas, albergadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se quanto à leitura conjunta o respeito ao princípio da harmonização.
Palavras-Chave: Responsabilidade civil – vacinação – efeitos colaterais – coronavírus.
Abstract: The present work points out the compulsory nature of vaccination in Brazil and the side effects arising from it, post-vaccination, a subject object of civil liability of the state in the face of the innovations resulting from the entry into force of Law 14.125 / 2021. The theme adds, to the reader, reflections to the fundamental guarantees of protection of life and health of freedom of expression and belief, taken into account by the Constitution of the Federative Republic of Brazil, observing as regards the reading of all the respect to the principle of harmonization .
Sumário: Introdução. 1. Caso Prático. 2. Aspecto jurisprudencial do caso prático. 3. Aspectos sensíveis da vacinação, no Brasil e no mundo. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
A autonomia privada reflete o mais íntimo de cada ser, exteriorizada como uma faculdade de agir do indivíduo. A questão que é trazida à baila consiste no cotejo da autonomia privada do indivíduo frente às garantias constitucionais da vida e da saúde, não só dele, individualmente considerado, mas da coletividade, numa releitura do Código Civil ajoelhado à Constituição da República Federativa do Brasil, garantindo-se a cada um o direito de ser o que é, de pensar como queira, dentro das balizas do princípio da solidariedade, pois a democracia consiste na proteção dos direitos das minorias, desde que a maioria não sucumba frente a eles. O pluralismo político acontece quando o eu cede o lugar ao nós, em um verdadeiro acordo de cavalheiros que visa ao bem comum.
Se a vacinação acarreta efeitos colaterais e é um mal necessário, há que se ter mente que a responsabilidade do Estado deve atuar como um guarda-chuva, a fim de conter as tempestades dos organismos humanos e, como tal, trazer de volta a esperança aos olhos de milhares de indivíduos que, mundo a fora, lutam pelo seu bem mais precioso: a vida!
1.Caso Prático
Emerinda Pipa Avoada era advogada e aspirante a cargo público. No popular, “concurseira”. Engravidou aos 15 (quinze) anos e, aos 28 (vinte e oito) anos, já era mãe de quatro (4) filhos.
Casada com Aparício Jeitoso, enfermeiro, vivia arrumando confusão por onde passava, com sua personalidade difícil. Gostava mesmo era de "causar".
Teimosia em forma de gente, Emerinda, em pleno surto pandêmico, saiu alardeando que ninguém tocaria nela ou em seus filhos e, totalmente descrente do poder da vacina a Covid - 19, Pipa Avoada criou um blogue (página pessoal), na internet, sob o seguinte rótulo: -“Seja livre e voe o mais alto que puder”. Lá estava o desenho da Pipa. E, prosseguia: “- Não permita que Governo ou popular algum lhe imponha uma vacina. O corpo é seu. O pensamento também”.
E como não poderia deixar de ser, o seu blogue cibernético gerou intensa e acesa polêmica. Começando dentro de casa. Uns apoiando a sua iniciativa, outros a combatendo. Seu marido Jeitoso, nada jeitoso, no caso, já havia ameaçado amarrar a mulher no pé da cama e aplicar-lhe a vacina, bem como adotar o mesmo procedimento com relação aos os filhos, a fim de zelar pelo prolongamento da vida e saúde familiar, como prova de "amor".
E, claro, como não poderia deixar de ser, a contenda familiar virou assunto das redes sociais.
Discussões políticas à parte, a questão é saber se a vacina é compulsória e se poderá ser aplicada de maneira forçada e, acaso aplicada contra a vontade do indivíduo, se tal proceder não violaria a sua liberdade de convicção e de crença (garantias fundamentais do indivíduo). Estaria a sua autonomia da vontade em patamar superior a vontade coletiva? Mas e os direitos de minoria, questionava a moça e boa parte dos internautas?
2.Aspecto jurisprudencial do caso prático
Instado a pronunciar-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento das ADIs 6586 e 6587, decidiu pela constitucionalidade da compulsoriedade da vacina.
Contudo, não confunda alhos com bugalhos. Vacina compulsória não significa vacina forçada. Jeitoso, marido enfermeiro, não poderá amarrar a mulher ao pé da cama para aplicar-lhe a vacina, ainda que com boa intenção. Já nos ensina o ditado popular: "de boas intenções o inferno está cheio". Nem Jeitoso, nem o Governo ou popular algum podem forçar quem não quer se vacinar a tomar a vacina, sob pena de cometerem o crime de constrangimento ilegal (ART. 146 do CP), para dizer o mínimo.
O Direito não se impõe a qualquer preço. Todavia, a compulsoriedade (e não a força!) se revela através da coerção indireta, aparecendo, aqui, como o segundo lado da moeda.
Assim, se amanhã ou depois, a escola municipal recusar-se a efetuar a matrícula dos meninos de Pipa Avoada, por ausência da vacinação, que não venha ela a reclamar, ora bolas. Toda escolha tem um preço! Um aluno contaminado contamina uma escola, um bairro e um país inteiro! Fato!
São os danos pessoais que, por ricochete, repercutirão sobre os filhos, dada a sua negativa. Os inocentes, literalmente, pagarão pelos pecadores! O bem comum clama por isso! O remédio é amargo, mas é necessário!
O mesmo se diga acaso a sua inscrição em algum concurso público for indeferida ante a exigência em lei e edital de estar com o cartão de vacinação em dia.
Ademais, a liberdade de crença não é uma garantia fundamental absoluta, como nenhuma garantia fundamental o é. Marcada pela relatividade admite ponderações, em prol do bem comum. A saúde pública denota um bem comum (o que nos parece óbvio) e um direito social de segunda dimensão. Não nos comportemos como camaleões normativos fazendo tabula rasa da saúde pública.
Logo, o STF, baseado em um raciocínio utilitarista, e levando-se em consideração o bem coletivo destacou as seguintes premissas acerca do tema da vacinação ao combate à Covid-19. Destaco: A vacinação é compulsória, embora não possa ser forçada. Deve, antes de qualquer coisa, passar pelo controle sanitário da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), informando a população acerca dos efeitos colaterais, através das contraindicações. Quem não pode tomar a vacina não pode e não deve se vacinar. A necessidade da vacina caminha, de mãos dadas, com a eficácia e segurança na sua aplicação.
Há que se destacar que a Lei 14.125/ 21 tratou justamente sobre os efeitos colaterais da vacinação ao coronavírus - dispondo que o ente público (Leia-se: União, Estados, Distrito Federal e Municípios), lastreado na responsabilidade pelo risco social, chama, para si, a responsabilidade, em casos de reações adversas oriundas dos efeitos colaterais provocados pela vacina ao Covid- 19. Base Legal: art. 1º da Lei 14.125/2021.
Importante que se diga que a responsabilidade civil do Estado, como profetizada acima, implica em uma responsabilidade civil objetiva pelo risco integral, em que o cidadão que tomou a vacina poderá questionar em juízo e fora dele, acerca dos efeitos colaterais dessa aplicação, sem a necessidade de comprovação, por sua parte, de dolo ou culpa do ente público.
Sendo a responsabilidade objetiva por risco integral ( em que pouco impotam as excludentes do nexo de causalidade), incabível a discussão da culpa, por parte do particular. Logo, o homem do povo não terá que comprovar que o Estado tomou todas as precauções, que realizou teste alérgico no paciente - que previamente se declarou alérgico, que a dose tenha sido a adequada, aplicada por profissional de saúde habilitado e respeitadas as normas sanitárias para tais. As dúvidas militam contra o ente público. E, em havendo efeitos colaterais, o ente federativo, incumbido de sua aplicação, irá responder pelos danos causados, sem qualquer exclusão do nexo causal para tal, e a justificativa para isso, é a de que a aplicação da teoria do risco integral, na vertente do risco social enxerga a vítima, devendo a coletividade arcar com os prejuízos.
Questões políticas, à parte, se os laboratórios não quiseram ou puderam assumir os riscos advindos de possíveis efeitos colaterais à vacina, alguém precisava pagar a conta. E esse alguém, por óbvio, não poderia ser a vítima.
Há que se ter em mente que ninguém deseja reações alérgicas que possam ocasionar mortes precoces. A luta é pela vida e o não o contrário. As limitações do indivíduo - que sofre as consequências da não vacinação - são lícitas, porém, devem estar previstas em lei (respeito ao princípio da legalidade), e podem ser aplicadas por todos os entes da Federação (federalismo cooperativo).
Em palavras simples, são coerções indiretas do Poder Público, que não se confundem com vacinação forçada. Não há desrespeito à liberdade de crença, mas respeito ao direito a vida, considerado coletivamente. As garantias fundamentais devem ser ponderadas, em respeito ao princípio da harmonização - para que não haja o sacrifício total do direito; bem como deve haver o respeito ao direito social à saúde, considerado conglobadamente. Efeito da globalização, com reflexo na eficácia vertical (Estado x indivíduo) e horizontal dos direitos fundamentais ( Empresa Farmacêutica x indivíduo).
Assim, a crença de um, por mais importante que seja, e, de fato, o é, não poderá aniquilar uma nação. Afinal, o meu direito termina onde começa o do outro. Simples assim!
Para sermos fiéis ao julgado esposado pela Suprema Corte, que julgou de forma bastante parecida ao caso hipotético por nós idealizado, reproduzimos, nesse espaço, ao leitor, trecho do julgado. Confira:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)”. (ADI 6586) - CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Disponível em <www.dizerodireito.com.br>. Acesso em 22/02/2021).
“Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)”. ( ADI.6587 - CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Disponível em <www.dizerodireito.com.br>. Acesso em 22/02/2021).
3.Aspectos sensíveis da vacinação no Brasil e no mundo
A vacinação já começou e o mundo, igualmente, já passou a sentir os efeitos colaterais dela advindos.
Não vamos muito longe. Algumas pessoas, após a vacinação e, no caso específico, após tomarem a vacina Astrazeneca, apresentaram coágulos sanguíneos no organismo, fato esse que levou, na atualidade, quinze países da Europa a suspenderem a vacinação, dessa vacina, em específico; assim agindo como medida de precaução, visando melhor resguardar a vida do povo Afinal, já nos ensina o ditado popular: “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.
A lei 14.125/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (lei sem vacatio legis), em 10 (dez) de março de 2021 e dispõe sobre a responsabilidade civil pelos efeitos colaterais provocados pela vacinação (eventos adversos, pós vacinação contra a Covid-19).
Sabe-se a vacinação não é aplicada de qualquer jeito, de forma aleatória. Há, pois, um procedimento administrativo, junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, para que uma vacina seja aprovada.
Como qualquer medicação há os riscos dos efeitos colaterais. Contudo, devido ao grande surto pandêmico que assola o mundo, com milhares de vidas perdidas, os bônus da vacinação parecem, de fato, maiores que os ônus. Não é o fim do mundo, mas grande parte da população tem a sensação de ser, e a vacina surgiu como uma luz no fim do túnel, frente ao caos já instaurado pela peste.
E, por falar em peste, qual seria a natureza jurídica da pandemia do Coronavírus?
Entendemos tratar-se de eventos de força maior, dada a sua natureza de inevitabilidade, embora, data máxima vênia, hajam vozes contrárias quem catalogam força maior e caso fortuito como sinônimos. Discussões doutrinárias à parte, fato é que o vírus alastrou-se por todo o planeta terra, sem que ninguém conseguisse impedi-lo de produzir os seus nefastos efeitos.
Tratando-se de força maior, a pergunta que não quer calar é a seguinte: Como fica a responsabilidade civil do Estado quando um cidadão (seu) toma a vacina e, no dia seguinte, dá entrada no hospital com um coágulo sanguíneo que, até então, não existia?
Partindo das premissas da responsabilidade civil do Estado elencamos, aqui, a responsabilidade estatal sob três vertentes distintas, quais sejam; a responsabilidade subjetiva do Estado por atos omissivos (culpa anônima); a responsabilidade objetiva do Estado, tipificada no art. 37, 6º da CR - que bifurca a responsabilidade para a responsabilidade para as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos e outra para o agente público. No primeiro caso, dispensam-se os elementos subjetivos dolo e culpa. No segundo caso (voltada especificamente ao agente público) - exigem-se os elementos subjetivos do dolo e da culpa. Logo, a responsabilidade objetiva do Estado é amparada pela teoria do risco administrativo. E, por fim, a responsabilidade do Estado, pelo risco integral, gênero do qual é espécie a responsabilidade pelo risco social, em que o Estado assume o papel de garantidor universal pelos efeitos colaterais advindo da vacina a Covid-19. É a responsabilidade civil de ora tratamos.
Confira o leitor à previsão legal de responsabilidade civil do Estado, encampada pelo art. 1º da Lei 14.125/2021:
Art. 1º Enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), declarada em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), ficam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios autorizados a adquirir vacinas e a assumir os riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas celebrado, em relação a eventos adversos pós-vacinação, desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha concedido o respectivo registro ou autorização temporária de uso emergencial.
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão constituir garantias ou contratar seguro privado, nacional ou internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura dos riscos de que trata o caput deste artigo.
§ 2º A assunção dos riscos relativos à responsabilidade civil de que trata o caput deste artigo restringe-se às aquisições feitas pelo respectivo ente público.
§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão medidas efetivas para dar transparência:
I - à utilização dos recursos públicos aplicados na aquisição das vacinas e dos demais insumos necessários ao combate à Covid-19;
II - ao processo de distribuição das vacinas e dos insumos.
Vale destacar que foi objeto de veto o parágrafo único ao art. 4º da lei 14.125/20121- que trazia a possibilidade de efeitos retroativos de responsabilidade, atrelados a data de declaração de emergência na saúde pública. Confira o leitor à redação do artigo, antes do veto:
"Parágrafo único. Os efeitos desta Lei retroagem à data de declaração de emergência em saúde pública de importância nacional a que se refere o art. 1º desta Lei."
Os motivos expostos como fundamentação de veto basearam-se na premissa de que fazer com que a lei desse um passo para trás iria, por via transversa, desguarnecer institutos como o ato jurídico perfeito e direito adquirido, pois quando o contrato foi celebrado, assim o foi em situação de normalidade, violando a segurança jurídica norma que trouxesse responsabilidade civil para período pretérito, com judicializações infundadas em desfavor da União.
Transpondo a problemática para a seara privada, visualize o leitor o caso de uma empresa farmacêutica responsável pela produção da vacina. O tempo passa e essa mesma empresa farmacêutica surpreende-se após o prazo de 3 (três) anos, do ato de vacinação, com a notícia de que a vacina por ela produzida gerou efeitos colaterais x ou y, sendo demandada pelo mundo todo, massivamente. Haveria incentivo para tal produção da vacina?
É cediço que a sua natureza jurídica é de empresa privada. Desenvolveu a vacina para conter o surto pandêmico, na melhor das intenções, assumindo um risco gigantesco. È como se disséssemos a ela: “ - Farmacêutica de boas intenções o inferno está cheio!” Seria esse caminho?
Acreditamos que não, pois haveria enorme falta de incentivo no combate a um vírus que faz vítimas e ceifa vidas a cada minuto no planeta.
Internamente, o ente público também encontra um grave problema financeiro no que toca a assunção de riscos. Depara-se com a falta de verbas e ante ao mínimo existencial (vida humana) perdeu a voz e os argumentos para se valer da reserva do possível.
Contudo, essa assunção de riscos pelo ente público, pelos efeitos colaterais advindos da vacinação, é medida que se impõe e, pasme o leitor, não é coisa nova no ordenamento jurídico. Roupa “nova” em corpo velho, como temos o costume de dizer
O Estado, já no ano de 2014, chamou para si a responsabilidade pelos danos derivados dos espetáculos da Copa no mundo, por imposição da própria FIFA (Federação Internacional de Futebol) e, isso, tamanha a sua vontade de sediar o evento. E assim se comprometeu em bases legais (Lei 12.663/12).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 4976 - chancelou a constitucionalidade da Lei Geral da Copa e, para tanto, validou a ampliação da responsabilidade do Estado, para além das hipóteses elencadas no art. 37, § 6º da CRFB/88.
Confira o leitor o teor da ementa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 23, 37 A 47 E 53 DA LEI 12.663/2012 (LEI GERAL DA COPA). EVENTOS DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES FIFA 2013 E DA COPA DO MUNDO FIFA 2014. ASSUNÇÃO PELA UNIÃO, COM SUB-ROGAÇÃO DE DIREITOS, DOS EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE A FIFA POR DANOS EM INCIDENTES OU ACIDENTES DE SEGURANÇA. OFENSA AO ART. 37, § 6º, DA CF, PELA SUPOSTA ADOÇÃO DA TEORIA DO RISCO INTEGRAL. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE PRÊMIO EM DINHEIRO E DE AUXÍLIO ESPECIAL MENSAL AOS JOGADORES CAMPEÕES DAS COPAS DO MUNDO FIFA DE 1958, 1962 E 1970. ARTS. 5º, CAPUT, 19, III, E 195, § 5º, TODOS DA CF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA FONTE DE CUSTEIO TOTAL. ALEGAÇÕES REJEITADAS. ISENÇÃO CONCEDIDA À FIFA E A SEUS REPRESENTANTES DE CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS DEVIDAS AOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO. ART. 150, II, DA CF. AFRONTA À ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – A disposição contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal não esgota a matéria relacionada à responsabilidade civil imputável à Administração, pois, em situações especiais de grave risco para a população ou de relevante interesse público, pode o Estado ampliar a respectiva responsabilidade, por danos decorrentes de sua ação ou omissão, para além das balizas do supramencionado dispositivo constitucional, inclusive por lei ordinária, dividindo os ônus decorrentes dessa extensão com toda a sociedade. II – Validade do oferecimento pela União, mediante autorização legal, de garantia adicional, de natureza tipicamente securitária, em favor de vítimas de danos incertos decorrentes dos eventos patrocinados pela FIFA, excluídos os prejuízos para os quais a própria entidade organizadora ou mesmo as vítimas tiverem concorrido. Compromisso livre e soberanamente contraído pelo Brasil à época de sua candidatura para sediar a Copa do Mundo FIFA 2014. III – Mostra-se plenamente justificada a iniciativa dos legisladores federais – legítimos representantes que são da vontade popular – em premiar materialmente a incalculável visibilidade internacional positiva proporcionada por um grupo específico e restrito de atletas, bem como em evitar, mediante a instituição de pensão especial, que a extrema penúria material enfrentada por alguns deles ou por suas famílias ponha em xeque o profundo sentimento nacional em relação às seleções brasileiras que disputaram as Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970, as quais representam, ainda hoje, uma das expressões mais relevantes, conspícuas e populares da identidade nacional. IV – O auxílio especial mensal instituído pela Lei 12.663/2012, por não se tratar de benefício previdenciário, mas, sim, de benesse assistencial criada por legislação especial para atender demanda de projeção social vinculada a acontecimento extraordinário de repercussão nacional, não pressupõe, à luz do disposto no art. 195, § 5º, da Carta Magna, a existência de contribuição ou a indicação de fonte de custeio total. V – É constitucional a isenção fiscal relativa a pagamento de custas judiciais, concedida por Estado soberano que, mediante política pública formulada pelo respectivo governo, buscou garantir a realização, em seu território, de eventos da maior expressão, quer nacional, quer internacional. Legitimidade dos estímulos destinados a atrair o principal e indispensável parceiro envolvido, qual seja, a FIFA, de modo a alcançar os benefícios econômicos e sociais pretendidos. VI – Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Disponível em <www.dizerodireito.com.br>. Acesso em 22/02/2021).
Assim, a responsabilidade civil do Estado não se esgota e nem nunca se esgotou nesse artigo constitucional. È corpo com alma própria e, assim o é, até por relevante interesse público e possibilidade de grave dano a população que o justifiquem, ainda que tais atos não tenha o Estado como protagonista, mas como coadjuvante. O espetáculo não pode parar!
Vale dizer: A Lei Geral da Copa (art. 23), já àquela época, dispunha que salvo quando a vítima gerasse o dano ou a própria FIFA concorresse para ele, o Estado assumiria, internacionalmente e nacionalmente, o compromisso de garantidor universal. E, aqui, o Estado novamente toma para si a responsabilidade, com lastro na teoria do risco social que, em verdade, é uma espécie do gênero risco integral.
Confira o leitor:
Art. 23. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.
Note o leitor que os atos serão praticados por terceiros (torcedores, a título de exemplo), e não pela União, embora essa (União) tenha assumido - internacionalmente e nacionalmente- o dever de reparar os danos sofridos, em decorrência do evento.
Logo, pela teoria do risco do social o foco não é o autor do dano, mas a própria vítima. Convoca-se a coletividade para prover a reparação dos danos havendo, para tanto, uma socialização dos riscos gerados pelo próprio dano.
Tal responsabilidade pelo risco social é uma benesse do Estado para o particular- vítima do dano, ainda que não tenha sido o agente público o responsável pelo dano.
Se esse tipo de responsabilidade é a ideal só o tempo irá nos dizer, mas já nos diz a boca do povo e, no caso, a boca do povo é boca de Deus, é o que tem para hoje!
Conclusão
Considerando que a necessidade de salvar-se é ainda maior que o medo que assola a população quanto aos efeitos colaterais da vacina a Covid-19, é imperioso que se tenha em mente que a necessidade vital da própria sobrevivência humana é guia condutor da sua compulsoriedade, que não se confunde com força, tampouco com aplicações desmedidas e de nenhuma cautela, sendo que os efeitos colaterais são conseqüências inevitáveis, porém necessárias, que devem ser cuidados e amparados pelo ente público, com lastro na responsabilidade civil do risco integral, na vertente do risco social, já que a vítima não poderá pagar a conta de um dano de tal magnitude.
A força maior a ela (vítima) não poderá ser imputada, mas ao ente público, pois esse se revela o detentor da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, princípios magnos do regime jurídico administrativo, que são servos da proteção aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, trabalhando a favor dele, pelo bem comum, ainda que não tenha o ente público dado causa ao dano, mas responsabilizando-se por ele.
Isto posto, conclui-se que de nada vale o Estado lutar pelo combate ao coronavírus, se, ao revés, não munir o cidadão de que caso algum efeito colateral surja, após a vacinação, atuará como soldado de reserva não deixando-o ao desamparo, pois a segurança jurídica não está sediada apenas em um devido procedimento administrativo da ANVISA, mas em leis que ofereçam ao cidadão a garantia de responsabilização estatal, caso algum mal lhe aconteça. Afinal, como já dito alhures, alguém tem que pagar essa conta. Que não seja a parte mais fraca!
Bibliografia
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 20ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 12ª ed. São Paulo: RT, 2016.
SUNDFELD, Carlos Ari, Direito Administrativo para Céticos, 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Disponível em <www.dizerodireito.com.br>. Acesso em 02/02/2021.
INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 02/02/2021.
INFORMATIVOS STF, 2020. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 25/06/2020.
Ex Tabeliã pelo TJMG. Especialista em Compliance Contratual, pela Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa – Montevideo – UY. Escritora. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULA NAVES BRIGAGãO, . A compulsoriedade da vacinação, no caminhar do cenário jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3217/a-compulsoriedade-da-vacinao-no-caminhar-do-cenrio-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 nov 2024.
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