Tribunal de Justiça de São Paulo reafirma aplicação do cram down para aprovação de plano de recuperação, mesmo em violação do dispositivo legal que rege a matéria, quando caracterizado voto abusivo dos credores, em detrimento do princípio da preservação da empresa.
O pedido de recuperação judicial visa permitir que empresas em dificuldades financeiras apresentem um plano de pagamento de suas dívidas, normalmente com redução de valor (deságio) e longos parcelamentos, além de garantir que, durante o processo, não haja bloqueios judiciais contra a empresa (stay period).
Mas a aprovação do plano depende da vontade não apenas do devedor, mas também dos credores, posto que a lei determina que mais da metade dos credores trabalhistas e de microempresas ou empresas de pequeno porte aprovem o plano, assim como mais da metade do valor dos créditos dos credores com garantia real e quirografários.
Quando esta aprovação em todas as quatro classes de credores não é possível a Lei de Recuperação Judicial permite que o juiz aprove o plano diretamente, através do mecanismo de cram down, desde que o plano tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia;
II - a aprovação de 3 (três) das classes de credores;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores;
Contudo, mesmo sendo a lei bastante clara acerca dos requisitos para aplicação do cram down, nossos tribunais têm flexibilizado ainda mais sua aplicação quando a não aprovação do plano decorre, por exemplo, de voto abusivo de grandes credores que, sozinhos, conseguem barrar a aprovação em detrimento da vontade dos demais.
Vale lembrar que a Recuperação Judicial tem por finalidade e princípio a preservação da empresa e, portanto, quando o Tribunal vislumbra que o voto de alguns credores é abusivo por não estarem dispostos a qualquer negociação, visando apenas a falência da empresa, pode desconsiderá-los.
Foi o que ocorreu em recente julgamento da 1ª Câmara de Direito Privado do TJSP (Agravos de Instrumento nº 2122678-85.2020.8.26.0000 e 2141723-75.2020.8.26.0000), no qual se decidiu que não há qualquer ilicitude em se votar contrariamente ao plano, uma vez que cada credor vota conforme seus interesses. Entretanto, foi verificada abusividade do voto dos bancos, que foram decisivos para a reprovação do plano de recuperação
Para o Desembargador Azuma Nishi, relator do caso, “a postura omissa da instituição financeira credora, não se dispondo a nenhum tipo de negociação, pretendendo, tão somente, a convolação da falência do devedor, é indicativa de abusividade”.
Em outro caso, também de contornos semelhantes (Processo nº 1011127-17.2019.8.26.0562), o magistrado André Diegues da Silva Ferreira também corroborou a aplicação do cram down, ressaltando que deve sempre prevalecer o princípio da preservação da empresa em detrimento de um ou poucos credores que visam apenas a falência desta:
“Diante da dificuldade de superação da situação de crise com utilização das soluções de mercado, o Estado deve atuar para criar condições favoráveis à recuperação das empresas, sempre em função dos benefícios sociais que decorrem do exercício empresarial. Colocam-se em confronto os interesses das devedoras e dos credores, mas nenhum deles deverá prevalecer sobre o interesse social. A finalidade do processo de recuperação de empresas é atingir o bem social, que será o resultado de uma divisão de ônus entre os agentes de mercado (credores e devedores).”
Portanto, na impossibilidade de se conseguir a aprovação do plano de recuperação pelos moldes tradicionais, é viável que tal aprovação ocorra via cram down, quando a conduta dos credores e as circunstâncias do caso demonstrarem que a concessão da recuperação é sim a melhor saída para a empresa e para preservação de sua função social.
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