Redijo estas mal traçadas linhas na condição de cidadão brasileiro, avocando por via das dúvidas o art. 5º, IV da CF/88.
Li com bastante apreensão o Acórdão exarado nos Embargos de Declaração no REsp nº 960.476-SC “leading case” de 24/junho/2009, publicado em 03/agosto/2009. O eminente Ministro Relator Teori Albino Zavascki disse com todas as letras que não há qualquer obscuridade no acórdão embargado. Não mesmo?
Há, sim, imperdoável confusão técnica. O pior de tudo é que o STJ, invocando o tal do recurso repetitivo (uma espécie de Súmula Vinculante para temas infraconstitucionais), pretende enterrar, numa só tacada, legítimos direitos constitucionais da já solapada classe empresarial brasileira: os consumidores do Grupo A de Energia Elétrica e, novas oportunidades de debates sobre o mesmo assunto.
Precisamos reagir a isso antes da mordaça judicial definitiva. Se quiserem posso listar um monte de mordaças judiciais que já não podemos discutir mais: a) cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis derivados de petróleo – em 2001, através da EC 33/2001, a palavra tributo foi substituída pela palavra imposto. Por que será? b) Venda por preço abaixo do valor presumido caracteriza tributação definitiva pelo ICMS; c) Aquisição de produtos com isenção não enseja crédito de IPI; d) Cofins das profissões regulamentadas, e, muito mais. A lista é enorme.
Por essa razão, isso precisa ser dito para acordar todos os juristas do Brasil, para os pontos comentados a seguir:
Reparem o que na verdade aconteceu, e os advogados parecem não ter percebido:
1. No recurso em comento o STJ não permitiu que peritos na matéria (a pedido do Estado de Alagoas), escolhidos nos quadros do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) se pronunciassem para o definitivo deslinde da questão, em razão da condição (do Estado de Alagoas) de amicus curiae no caso, ainda mais em sede de Mandado de Segurança, já na fase de julgamento do recurso especial. Mas, do que julgar errado, em nome da instrumentalidade processual, melhor seria afrouxar o rigor solene e não fazer injustiça, como fez. Os contribuintes brasileiros sofreram uma terrível injustiça:
“É pior cometer uma injustiça do que sofrê-la, porque quem a comete transforma-se num injusto e quem a sofre, não.” (Sócrates)
2. O STJ indeferiu também o pedido do Ministério Público para remessa dos autos ao STF, mesmo tratando-se de tema altamente constitucional. Não foi naquela época, mas vai ter de ir agora, não é? Por conta disso a segurança jurídica deste país de José Sarney vai demorar muito a se tornar realidade.
3. Confundiram-se no julgamento alhos com bugalhos. Querem ver só? Reparem:
Levando-se em consideração que o foco da lide nada tem de jurídico, talvez razão até mais lógica do que técnica, abre-se espaço para qualquer brasileiro, nos termos da já citada proteção constitucional, expressar sua opinião devidamente identificada. Devemos ter coragem para isso, e eu a tenho de sobra.
Para o amplo entendimento desta intrincada situação pelo homem médio, vamos utilizar o mesmo exemplo prático adotado pelo Ministro Castro Meira do STJ em seu voto, no mesmo julgamento:
“Uma casa de praia (Casa 1) tem apenas uma lâmpada de 100 Watts, ou seja, de 0,1 kW, ligada 24 horas por dia, ininterruptamente. A casa vizinha (Casa 2) tem apenas um chuveiro elétrico de 4,8 kW que é ligado por apenas trinta minutos, a cada dia. No final de um mês, os medidores de energia de cada casa terão registrado exatamente o mesmo consumo, ou seja, 72 kWh, mas não a mesma demanda. Se as casas fossem dotadas de medidores de demanda, a primeira casa teria registrado a demanda de 0,1 kW no mês, enquanto que a casa vizinha teria registrado a demanda de 4,8 kW.”
Casa 1: Lâmpada de 0,1 kW (100 Watts) x 24 horas = 2,4 kWh
Consumo mensal: 30 x 2,4 kWh = 72 kWh
Demanda = 0,1 kW
Casa 2: Chuveiro de 4,8 kW x 1/2 h (30 minutos) = 2,4 kWh
Consumo mensal: 30 x 2,4 kWh = 72 kWh
Demanda = 4,8 kW
“Os sistemas elétricos são dimensionados pela demanda e não pelo consumo de energia. A espessura do cabo elétrico da rede da concessionária que atende às duas casas, neste caso hipotético, deveria ser calculada para suportar 4,9 kW, que é o resultado da soma de 0,1 kW (primeira casa) com 4,8 kW (casa vizinha). Pode-se observar que a segunda casa exige da concessionária um dimensionamento maior de rede (cabos de maior diâmetro). Isto decorre da forma irregular (concentrada, abrupta e com picos) com que ela consome energia. O chuveiro é ligado por apenas 30 minutos. Durante todo o resto do dia o consumo é zero. É justo que as duas casas paguem o mesmo preço pela energia consumida?”
Senhores causídicos de todos os quadrantes deste imenso Brasil, salta aos olhos que parte da demanda utilizada no presente caso hipotético (medição através de aparelho especial, da potência ativa pontuada no intervalo de 15 minutos), de 4,8kW é que aperfeiçoa o ato jurígeno da atração da incidência do ICMS, quando possibilita o cálculo do consumo mensal de energia elétrica,em kWh.
Então, é inconcebível querer tributar parte da demanda “utilizada”, eclodindo a fenomênica hipótese de bis in idem ou simplesmente bitributação. É o que demonstra o pré-falado caso hipotético acima: a demanda de potência ativa de 4,8 kW (um chuveiro de 4,8 kW) faz parte da base de cálculo para a determinação do consumo de 72 kWh, este sim fato gerador de ICMS: energia que sai da linha de transmissão da Concessionária e entra no estabelecimento da empresa. Por isso, não se pode tributar os 4,8kW (parte utilizada da demanda contratada) e também os 72 kWh de uma só vez. Isso é absolutamente um absurdo jurídico. Como se chama isso? Confisco tributário? Que coisa feia!
Como disse, esta questão não é tributária. Fiz um treinamento intensivo com os Engenheiros Elétricos das Concessionárias e aprendi isso. Pergunto: será que os nobres julgadores também fizeram isso? Pelo resultado parece-me que não.
É isso que dá o judiciário se imiscuir em assuntos de outras áreas do conhecimento científico. Para que serve a Perícia Judicial ladeada de seus coadjuvantes também legais, assistentes técnicos das partes? Acho que a história do peritus peritorum subiu à cabeça dos nobres julgadores. E cadê a justiça?
Advogados do meu Brasil varonil, em vez de ficarem patinando no STJ deem um jeito de arrastar este caso ao STF. Não é garantia de justiça, mas lá, os julgamentos televisados proporcionam melhor transparência e aplicação técnica. Se quiserem ser injustos que sejam, mas terão de ficar no mínimo vermelhos diante da comunidade jurídica.
Porque, do ponto de vista técnico, só mesmo Engenheiros Elétricos para entender do assunto. Não estaria havendo usurpação de competência científica? Se a moda pega, o judiciário também dará a última palavra acerca do aborto ignorando por completo a opinião da comunidade científica e médica do Brasil e quiçá, do mundo.
Toshinobu Tasoko
Auditor Independente, Contador, Administrador de Empresas, Mestre em Finanças, Professor Licenciado do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí – SP. Ex-Controller da Uniroyal Química do Brasil; Ex-Diretor Administrativo e Financeiro da Incepa/Cidamar; Ex-Diretor Financeiro da Polenghi; Ex-Diretor Vice-Presidente Financeiro do Frigorífico AIBP, Autor dos livros: PIS/COFINS SOBRE COMBUSTÍVEIS, 2006 e PROCESSO TRIBUTÁRIO – Uma abordagem Lógica Material, 2007 – ambos editados pela LZN – Campinas SP.
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