RESUMO
O presente artigo aborda o tema da impossibilidade do redirecionamento das execuções fiscais contras os ex-sócios, que não intervieram para a consumação do fato gerador da obrigação tributária.
INTRODUÇÃO
Tem se tornado muito comum a propositura de Ações Executivas Fiscais movidas contra empresários que, muitas vezes, deixaram a sociedade empresária, muito tempo antes de ter sido praticado o fato gerador do crédito tributário em litígio.
Nestas situação, os ex-sócios se vêem obrigados a provar a sua condição, quando compete ao fisco provar a existência da pratica de falta, que deu ensejo ao redirecionamento da ação.
DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E SUA CONFIGURAÇÃO QUANTO AOS EMPRESÁRIOS
Em se tratando de responsabilidade de empresários por débitos tributários, contraídos pela sociedade empresária, o Código Tributário Nacional - CTN traz três situações possíveis de configurar a responsabilização destes, quais sejam as previstas no inciso III e VII, do art. 134, e a inciso III do art. 135, nos seguintes termos, verbis:
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – (omissis);
II - (omissis);
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - (omissis);
V - (omissis);
VI - (omissis);
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - (omissis);
II - (omissis);
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Ricardo Alexandre distingue as hipóteses previstas no art. 134 daquelas decorrentes do art. 135, levando em consideração a licitude ou ilicitude do ato praticado pelo empresário, enquanto estiver à frente da sociedade. Para o referido autor, o art. 134 dá origem à “responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação regular”, enquanto aquelas do art. 135, dá ensejo à “responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação irregular”[1].
Pois bem, apesar da clareza do CTN, o fisco, muitas vezes por razões de cautela outras por determinações superiores, tem movido a máquina judiciária para executar estes empresários, que não são, nem lhes pode ser atribuída a qualidade de responsáveis tributários por tais encargos.
Ora, afirma o caput art. 134 do CTN, acima transcrito, que os administradores de bens (inciso III) e os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (inciso VII), respondem solidariamente com os obrigados principais “nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis”. Mas e quando o Sócio ou administrador não intervir nem se omitir, simplesmente por já não fazer parte da sociedade não lhe pode ser atribuída nenhuma espécie de responsabilidade por tais créditos.
Neste ponto, leciona Cleide Previtalli Cais, que:
“Essa norma condiciona a responsabilidade solidária dos terceiros em relação aos contribuintes de direito a dois pressupostos:
– a impossibilidade,decorrente de qualquer fato, de o contribuinte satisfazer a obrigação principal; e
– a vinculação dos terceiros por tais atos, comissivos ou omissivos, com as situações que constituem fatos geradores das obrigações tributárias.”[2]
Da mesma forma, não se pode querer atribuir a responsabilidade tributária por substituição na hipótese do inciso III do art. 135, nas mesmas situações em que os diretores, gerentes ou representantes das empresas, ou, como diz o CTN, “pessoas jurídicas de direito privado”, já não faziam parte da sociedade por ocasião da ocorrência do fato gerador da obrigação e do crédito tributário.
Explica Cleide Previtalli Cais que nesse caso, aplicação do inciso III do art. 135 do CTN, mister se faz a configuração do dolo, explica que “já no art. 135 o dolo é elementar – não há solidariedade –, a responsabilidade se dá por substituição e é pessoal – sendo assim, a aplicação desse dispositivo exige a prova do dolo ou da má-fé.”[3]
Apesar de parecer ser uma questão óbvia, casos iguais já foram apreciados pela mais alta Corte do nosso país. Cleide Previtalli Cais traz a lume excerto de decisum proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 85.421, assim escrito:
“A responsabilidade executória por débito fiscal está, hoje, disciplinada pelo CTN. Além do sujeito passivo da obrigação tributária, responsável primário, admite o Código a responsabilidade supletiva de terceiros (art. 134) e a responsabilidade por substituição (art. 135). Na questão da responsabilidade dos sócios, por dívidas da sociedade, dispôs o Código que a solidariedade advém ou é resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos (art. 135).”[4]
Tratamento diferente deve ser dispensado na hipótese de dissolução irregular da sociedade, hipótese em que resta configurado o dolo dos sócios, em quererem obter vantagens, com o descumprimento das obrigações tributárias necessárias para o regular encerramento de suas atividades. Adverte Cleide Privatelli Cais que:
“A Jurisprudência caracteriza como dolosa a dissolução ou o desfazimento, de fato, da sociedade sem a prática dos atos necessários para tanto, admitindo a aplicação do inc. III do art. 135 aos responsáveis pela sociedade extinta. A prática de fraude, conluio e sonegação, para elidir o cumprimento de obrigação tributária, igualmente vem sendo admitida em relação às demais pessoas objeto do art. 135 do CTN.”[5]
A autora reproduz, ainda, os decisum proferidos no Recurso Especial nº 716.412/PR e nos Embargos no Recurso Especial nº 852.437/RS. Aproveitamos para transcrevermos este último, cuja relatoria coube ao Min. Castro Meira, v.u. j. 22.10.2008, DJe 03.11.2008, assim verberado:
“Execução fiscal. Empresa não localizada. Dissolução irregular. Redirecionamento. Responsabilidade. Sócio-gerente. Art. 135, III, do CTN. 1. A não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possibilidade de responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa. fraude ou excesso de poder. Entendimento sufragado pela Primeira Seção desta Corte no REsp 716.412/PR, rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22.09.08.”
Como podemos verificar, até mesmo quando há indícios de terem os sócios agido de forma irregular, caberá a estes, ainda, a possibilidade de produzir prova em contrário. No mesmo sentido AgRg no Resp 927.557/MT e EREsp. 260.107/RS.
DOS DIFERENTES TIPOS SOCIETÁRIOS
Como adverte Hugo de Brito Machado:
“É preciso que exista uma relação entre a obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribua a responsabilidade. A responsabilidade dos terceiros, mencionados no art. 134 do Código, só se aplica aos tributos e às penalidade de caráter moratório.”[6]
Pois bem, além de haver a necessidade de se verificar a conduta do empresário, há de se atentar, também, para as palavras de Araken de Assim, que nos chama a atenção para o fato de que a responsabilidade dos sócios varia de acordo com os tipos de sociedade. Ensina que:
“A responsabilidade do sócio dependerá da disciplina legal aplicável à sociedade. Por exemplo, segundo o art. 46, V, do CC-02, o contrato de sociedade declinará se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais.”[7]
Neste diapasão, esclarece Hugo de Brito Machado, que a responsabilidade do sócio varia de acordo com a sua posição dentro da sociedade. Afirma o tributarista que:
“Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta.
Também não basta ser diretor, ou gerente, ou representante. É preciso que o débito tributário em questão resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.”[8]
Ainda, quanto a este aspecto, leciona Fábio Ulhoa Coelho que a “responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade empresária é sempre subsidiária”, e classifica as sociedades, quanto a responsabilidade dos sócios, em:
“a) Sociedade ilimitadas – em que todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais; b) Sociedades mistas – em que uma parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte tem responsabilidade limitada; c) Sociedade limitada – em que todos os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações sociais.”[9]
Aduz André Luiz Santa Cruz Ramos que a maioria dos redirecionamentos das execuções fiscais contra os sócios ocorre nas sociedades limitadas. Didaticamente, resume este autor que:
“(i) para que haja o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios é necessário que a Fazenda Pública interessada demonstre, efetivamente, que ele praticou os ‘atos ilícitos’ do art. 135 do CTN; (ii) em caso de dissolução irregular da sociedade, presume-se a ocorrência de tais atos, sendo também possível o redirecionamento da execução; (iii) o simples inadimplemento de tributo não configura ‘ infração à lei’ capaz de permitir a aplicação do art. 135, III, do CTN; (iv) se o nome do sócio não consta da CDA, cabe {à Fazenda o ônus da prova quanto à prática dos ‘atos ilícitos’ do art. 135 do CTN ou quanto à demonstração de que houve a dissolução irregular da sociedade; (v) caso o nome do sócio conste da CDA, por força da presunção de liquidez e certeza, o redirecionamento da execução é cabível independentemente de comprovação da prática de ‘atos ilícitos’ do art. 135 do CTN; (vi) em se tratando de dívida tributária perante a Seguridade Social, a situação é igual, uma vez que o art. 13 da Lei nº 8.620/93 é inaplicável, já que trata de matéria reservada a lei complementar.”[10]
Leonardo da José Carneiro da Cunha, fazendo remissão à jurisprudência dos Tribunais Superiores, afirma que:
“À evidência, estando o nome do responsável referido na Certidão de Dívida Ativa, a execução pode ser contra ele redirecionada automaticamente. Não estando, porém, seu nome na CDA, será possível o redirecionamento da execução contra ele, se o exeqüente comprovar, desde logo, sua responsabilidade.”[11]
CONCLUSÃO
Portanto, diante de tais considerações, as execuções fiscais dirigidas contra empresários que não tenha interferido no nascimento da obrigação tributária, notadamente nas hipóteses em que este sócio já não integrava a sociedade à época da prática do fato gerador, não podem prosperar, devendo em tais casos o executado valer-se dos embargos, que neste caso dispensará a previa garantia do juízo[12] ou da Exceção de Pré-executividade, que teve sua aplicabilidade bastante reduzida após as recentes reformas do Código de Processo Civil, que introduziram o sincretismo processual no nosso CPC.
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2 ed. São Paulo:Método, 2008.
CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 6 ed. São Paulo: RT, 2009.
CUNHA, Leonardo José Pereira da. A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito empresarial – O novo regime jurídico-empresarial brasileiro. 3 ed. Salvador: Jus Podium, 2009.
ULHOA COELHO, Fábio. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
[1] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2 ed. São Paulo:Método, 2008. p. 341/344
[2] CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 6 ed. São Paulo: RT, 2009. p. 549.
[3] CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 6 ed. São Paulo: RT, 2009. p. 549.
[4] CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 6 ed. São Paulo: RT, 2009. p. 549.
[5] CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 6 ed. São Paulo: RT, 2009. p. 550
[6] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p 154
[7] ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 404.
[8] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p 155.
[9] ULHOA COELHO, Fábio. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 116/118.
[10] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito empresarial – O novo regime jurídico-empresarial brasileiro. 3 ed. Salvador: JusPodium, 2009. p. 339.
[11] CUNHA, Leonardo José Pereira da. A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 351.
[12] CUNHA, Leonardo José Pereira da. A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 381/384.
Advogado, Juiz Leigo do TJPE, Especialista em Direito Público pela ESMAPE/FMN, ex-Professor de Direito Administrativo I e II da UNIVERSO Recife
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Franceclaudio Tavares da. Apontamentos sobre o redirecionamento das execuções fiscais contra ex-sócios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2009, 08:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/356/apontamentos-sobre-o-redirecionamento-das-execucoes-fiscais-contra-ex-socios. Acesso em: 24 nov 2024.
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