O presente ensaio contém 50 apontamentos enumerados sobre os principais dispositivos da parte geral do Código Penal, com as alterações trazidas pela Lei nº 14.994/2024, expondo um panorama sobre os diferentes institutos que a conformam, com o escopo de trazer à baila os paradoxos e desafios na sua aplicação.
1- Os artigos 7º, § 1º, e 8º, do Código Penal e o art. 14, 7, do PIDCP, assim dispõem:
“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.
Artigo 14, item 7, do Pacto de Direitos Civis e Políticos (Decreto 592/92): Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país.”
A extraterritorialidade incondicionada do art. 7º, § 1º, do CP esbarra na vedação ao bis in idem, que tem envergadura supralegal. Como exemplo, veja-se o caso de um agente que pratica um crime contra a vida do Presidente do Brasil no Paraguai, sendo lá condenado à pena de dez anos de reclusão, dos quais cumpriu oito anos, e, posteriormente, fugiu para o Brasil, vindo aqui a ser condenado à pena de doze anos de reclusão.
Neste caso, não precisará cumprir toda a pena imposta no Brasil. Faltará o cumprimento de outros quatro anos, em consonância com a regra prevista no art. 8º do Código Penal, computando-se a pena já cumprida, por serem idênticas. Se a pena lá aplicada fosse multa, haveria a atenuação da pena aqui imposta, por serem diversas. Esse procedimento legal configura uma exceção ao non bis in idem, resvalando no controle de convencionalidade da norma penal, tendo como paradigma o art. 14, 7, do PIDCP.
2- Dispõe o art. 13, § 1º, do CP:
“Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.”
O dispositivo regula o rompimento do nexo de causalidade, a partir de um resultado não previsto ou esperado. A doutrina aponta o rompimento do nexo no caso de um acidente com a ambulância que transporta a vítima, após o ataque do agente. Já a infecção hospitalar da vítima não rompe o nexo causal, por ser um resultado previsível ao agente. No caso de rompimento do nexo causal, o agente responde apenas pelos atos até então praticados, desclassificando-se a imputação.
Na casuística:
“Nexo de causalidade. Séria dúvida acerca do rompimento do nexo de causalidade em razão da superveniência de causa relativamente independente. Agressão perpetrada em 26 de janeiro e morte ocorrida em 31 de janeiro. Hipótese em que a vítima teria comparecido no hospital no dia seguinte para fazer exame de corpo de delito, porém o médico recusou-se a realizá-lo e receitou um analgésico ao ofendido. Internação que ocorreu 2 dias após o fato, depois de a vítima ter desmaiado. Desclassificação que se impõe, pois remanesce dúvida sobre se a morte seria evitável caso a vítima tivesse sido prontamente atendida, hipótese do art. 13, § 1º, do Código Penal. Desclassificação para lesão corporal simples. Prescrição. Declaração de extinção da punibilidade com base na pena máxima em abstrato fixada para o delito. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”. (Apelação Crime NO 70054786603, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 05/06/2014).
3- O art. 14, II, do CP assim dispõe:
“Art. 14 - Diz-se o crime:
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.”
A redação do dispositivo não é clara quanto ao momento do “iter criminis” em que se considera iniciada a execução. A doutrina aponta as seguintes teorias diferenciadoras entre atos preparatórios e executórios: teoria puramente subjetiva, teoria formal-objetiva, teoria objetivo-material, teoria objetivo-material de Frank, teoria da colocação em perigo, teoria dos atos intermediários, teoria das esferas e teoria da prova de fogo (Direito Penal Lições fundamentais: parte geral, 6ª edição, 2021, João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem, págs.717/720).
A teoria subjetiva pune os atos preparatórios, desde que reste demonstrada a intenção do agente em cometer o crime. É aplicada de forma excepcional no direito pátrio, a exemplo do delito do art. 5º da Lei Antiterrorismo, que apenas se configura se ficar comprovada a motivação indicada no art. 2º da mesma lei.
O STJ entende que o rompimento do cadeado previamente ao roubo circunstanciado não configura tentativa, mesmo que se demonstre a intenção do agente de cometer o crime, tratando-se de ato preparatório, e não executório. Na teoria objetiva, há dois planos: o individual do agente e o do terceiro observador. A doutrina aponta para a necessidade de punir os atos intermediários, ou os atos imediatamente anteriores, ao início da execução, como forma de evitar injustiças e combater a criminalidade.
Como exemplo, um agente que almeja cometer um estupro real, reduz a resistência da vítima, amarrando-a à cama. Em seguida, despe a vítima e a si próprio. Por fim, sobe sobre a vítima para iniciar a conjunção carnal. No entanto, quando está prestes a iniciar a cópula, é surpreendido por um homem que adentra o quarto e impede o ato. Pelo atual entendimento do STJ, a conduta seria atípica, por se resumir a atos preparatórios, não havendo início de execução. A doutrina, por outro lado, entende haver tentativa de estupro na situação narrada.
De outro giro, na casuística:
“A conduta do réu de se encontrar com a adolescente em local público, a fim de possivelmente com ela perpetrar atos libidinosos em momento subsequente, após convencê-la, através de mensagens trocadas pelo aplicativo WhatsApp, com promessas espúrias e mentirosas, constitui mero ato preparatório impunível do delito de estupro de vulnerável tentado, revestindo-se, portanto, de atipicidade”.(Apelação Criminal, TJES, 2014).
4- Dispõe o art. 17 do CP:
“Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”
A doutrina indica a existência de três teorias acerca do crime impossível: teoria objetiva, teoria da impressão e teoria subjetiva. O dispositivo legal prevê duas modalidades de crime impossível. Em alguns casos, é necessário examinar as circunstâncias para aferir se a ineficácia ou impropriedade é absoluta ou relativa. Assim, ministrar glicose para um diabético pode se revelar um meio eficaz para a consumação de um homicídio. Por sua vez, manobras abortivas praticadas por uma mulher que não está grávida retrata um objeto sempre absolutamente impróprio. Da mesma forma, um furtador que tenta tirar a carteira do bolso da vítima, quando a carteira não existe. Mesmo sendo flagrado durante a execução do ato, não poderá ser punido, sendo a conduta atípica.
5- Dispõem os arts. 18, parágrafo único, e 19, do CP:
“Art. 18 - Diz-se o crime:
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.”
Há antagonismo entre os dois dispositivos, cabendo ao intérprete harmonizá-los. O art. 19 prevê a responsabilidade subjetiva na seara penal. A reforma de 1984 almejou realçar o princípio da culpabilidade, evitando a chamada responsabilidade pelo resultado, conforme o item 16 da exposição de motivos. No entanto, isso não impede a agravação da pena decorrente da culpa, como nos crimes preterintencionais. O Código Penal possui uma série de crimes dessa natureza, a exemplo da lesão corporal seguida de morte, prevista no art. 129, § 3º.
Parte da doutrina critica essa modalidade de punição, por contrariar o art. 18, parágrafo único, do CP. Isso porque, as hipóteses em que os resultados qualificadores podem ser atribuídos ao agente a título de culpa não encontram previsão legal expressa.
Em diversas situações o resultado qualificador pode ser atribuído tanto a título de culpa como a título de dolo, como, por exemplo, no caso de lesão corporal qualificada por perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Nesse caso, o agente poderá ter querido inicialmente o resultado, fazendo este parte do dolo, ou o produzido culposamente. Nessas duas hipóteses o agente responde pelo delito qualificado, revelando uma desproporção nas penas.
6 - Arts. 20 e 21 do CP.
Referidos dispositivos regulam os erros de tipo e de proibição, respectivamente. Inserido nesta temática, está a diferença entre erro de permissão e erro de tipo permissivo, concernentes às descriminantes putativas, a exemplo da legítima defesa putativa. Sobre ela podem pairar três situações enganosas na mente do agente: sobre a situação fática que torna a ação legítima, sobre a própria existência da justificante no ordenamento jurídico e sobre os limites da justificante.
Para a teoria extremada da culpabilidade, todas elas configuram erro de proibição, nomeado pelo código de erro sobre a ilicitude do fato. Como se aplicam às justificantes, a exemplo da legítima defesa, trata-se de erro de proibição indireto.
Por sua vez, para a teoria estrita ou limitada da culpabilidade, a primeira situação enganosa configura erro de tipo, nomeado pelo código de erro sobre os elementos do tipo. Como se aplica a uma justificante, é chamado de erro de tipo permissivo. Já as outras duas situações permanecem como erro de permissão.
Essa última corrente foi adotada no item 17 da exposição de motivos do CP. A existência da justificante está relacionada à sua previsão legal, como o art. 24 do CP, que regula o estado de necessidade. Quanto a esta justificante, o CP adotou a teoria unitária. No estado de necessidade justificante o bem jurídico sacrificado é de menor valor que o bem jurídico salvo da situação de perigo. Por sua vez, no estado de necessidade exculpante, o bem jurídico sacrificado é de valor igual ou superior ao do bem jurídico salvo da situação de perigo, não se caracterizando como uma excludente de ilicitude, mas sim de culpabilidade, por inexigir conduta diversa do agente. Se o bem sacrificado for de mesmo valor, há exculpação. Se de maior valor, não haverá excludente, condenando-se o agente com uma pena reduzida.
Já para o art. 39 do Código Penal Militar, que adotou a teoria diferenciadora, o sacrifício de bem superior ao bem protegido exclui a culpabilidade, se for razoável.
Por sua vez, os limites da justificante dizem respeito até onde o agente pode agir sem incorrer em excesso. A existência e os limites das justificantes derivam de aspectos normativos de cada ordenamento jurídico. Por outro lado, o erro sobre a situação fática é claramente um erro de tipo, quando, por exemplo, o agente surpreende um vulto em sua casa durante a noite, achando se tratar de um ladrão, quando na verdade se trata de um familiar.
A despeito de as descriminantes putativas estarem topograficamente situadas no erro de tipo, a doutrina majoritária entende que o erro de tipo permissivo é um erro “sui generis”, aplicando-se a ele uma junção das disposições dos arts. 20 e 21 do CP. Desta forma, o erro de tipo permissivo inevitável importa isenção de pena, tal como no erro de proibição. Já o erro de tipo permissivo evitável exclui o dolo, permitindo a punição por crime culposo, tal como no erro de tipo.
O erro de proibição também pode ser mandamental, quando o agente acredita estar autorizado a não agir nas situações de garantidor, previstas no art. 13, § 2º, do CP, aplicável nos crimes omissivos impróprios.
O erro de proibição não se confunde com o desconhecimento da lei, circunstância atenuante que se aplica apenas nos casos nos quais o desconhecimento de detalhes da lei tenha colaborado com a decisão de cometer o crime. Nessa situação, o agente possui representação da ilicitude do comportamento. A ignorância da lei somente pode escusar, evitando a aplicação da pena, no caso das contravenções penais (art. 8º da LCP).
7- Dispõe o art. 23, parágrafo único, do CP:
“Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”
Esse dispositivo prevê a punição do excesso, seja doloso ou culposo, quando age, por exemplo, em legítima defesa. Em geral, esse excesso é resultante da ira ou raiva do agente, aproveitando a inversão da situação desfavorável. Ele responde pelo resultado causado em excesso de defesa, seja a conduta dolosa ou culposa, ou ambas, a exemplo da lesão corporal seguida de morte, quando o agente age com dolo na conduta e culpa no resultado.
Situação diversa ocorre com o excesso exculpante, que era previsto no art. 3, § 1º, do CP de 1969. Esse excesso advém do estado psíquico do agente, que age com medo, pavor ou surpresa. Mesmo tendo se excedido, o estado de confusão mental o torna impune. Não se trata de excesso culposo, que pressupõe a falta do dever objetivo de cuidado, mas sim de excesso decorrente de uma atitude emocional do agredido.
O excesso derivado do medo é previsto como exculpante no art. 45, parágrafo único, do CPM. A doutrina entende que nessas situações não há reprovação na conduta, não cabendo apenação ao agente. Mesmo sem previsão expressa, ainda é aplicado no direito penal comum.
8- Dispõe o art. 26, caput, e parágrafo único, do CP:
“Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”
O caput do art. 26 prevê a inimputabilidade completa, aplicando-se ao agente medida de segurança, decorrente da absolvição imprópria. Já seu parágrafo único rege a semi-imputabilidade, que resulta em condenação criminal. Neste último caso, após aplicar a pena, o juiz irá verificar se a substitui por medida de segurança ou se aplica a causa genérica de diminuição de pena, conforme o art. 98 do CP.
9 - O art. 29 do CP é norma de extensão, de uso obrigatório na adequação típica da conduta do partícipe. Seu § 1º prevê a participação de menor importância, relacionada exclusivamente à figura da participação. Já o § 2º prevê o desvio subjetivo da conduta, ou cooperação dolosamente distinta, aplicável a todos os concorrentes do crime, autores ou partícipes. Por exemplo: A e B decidem furtar uma casa; A dá guarida fora da casa, enquanto B adentra o imóvel; após se apoderar do bem, B emprega violência contra o morador para conseguir levá-lo, praticando roubo impróprio. Se o desdobramento da conduta era previsível para A, responderá ele por furto, com a aplicação da majorante. Do contrário, responderá pelo furto sem essa causa de aumento.
No caso de latrocínio, no entanto, a jurisprudência entende que o comparsa assume o risco de o desdobramento causal do roubo resultar em morte da vítima, mormente quando um dos coautores está armado, e essa circunstância é do conhecimento daquele. Neste caso, mesmo o agente intencionando cometer um roubo circunstanciado, houve previsão do resultado morte. A solução legal indica que o agente deve responder pelo roubo, com aumento de até metade. No entanto, para o STJ o agente incorre na forma qualificada do § 3º do art. 157.
10 - O art. 30 do CP dispõe sobre a comunicação das circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo se elementares do crime. A condição pessoal do agente de ser reincidente ou menor de 21 anos não se comunica ao coautor. Assim como a circunstância pessoal de praticar o homicídio por vingança, que caracteriza a qualificadora subjetiva do motivo torpe. Por sua vez, a circunstância pessoal do estado puerperal no infanticídio se comunica a quem lhe prestou auxílio, por ser uma elementar do crime. Já a circunstância objetiva do homicídio por meio de tortura se comunica ao concorrente, por não ser pessoal, estando relacionada ao modo como o delito é praticado. A Lei nº 14.994/2024 desmembrou o art. 121 do CP, passando o crime de feminicídio a ser regido por tipo penal próprio, e não mais como uma qualificadora do crime de homicídio. Essa alteração visou contornar a discussão doutrinária sobre a natureza do feminicídio como qualificadora subjetiva, o que impedia sua combinação com a qualificadora de motivo torpe ou fútil. Referida lei ainda trouxe o §3º ao art. 121-A, determinando a comunicação das circunstâncias pessoais do §1º (violência doméstica e discriminação à condição de mulher) aos coautores e partícipes. Estas circunstâncias explicitam as razões que servem de elementar ao crime tipificado no caput. Logo, quem presta auxílio ao feminicídio será tipificado com a combinação de dispositivos na seguinte ordem: art. 121-A c/c §1º c/c §3º do CP; podendo ainda ser cumulado com as majorantes indicadas nos incisos I a V do §2º. No caso do inciso V, a lei transformou em majorantes as qualificadoras objetivas dispostas no art. 121, já que as qualificadoras subjetivas já perfazem a elementar do caput do art. 121-A, evitando-se assim o bis in idem. O art. 121-A, §3º, do CP, incluído pela Lei nº 14.994/2024, coaduna-se com o art. 30 do mesmo Códex. Com efeito, a interpretação “a contrario sensu” da parte final deste último dispositivo indica que as condições e circunstâncias pessoais se comunicam aos partícipes e coautores se forem elementares do crime. Com a alteração legal, a figura feminina passou à condição de elementar no caput e §1º do art. 121-A. Logo, se um agente auxilia um filho a matar o pai, não incidirá na agravante genérica de crime contra ascendente. Mas se auxilia o pai a matar a esposa a tiros, fornecendo-lhe a arma, incidirá no crime do art. 121-A, §2º, V (art.121, §2º, IV) do CP, aplicando-se-lhe a causa de aumento do uso de recurso que dificultou a defesa da ofendida. Exige-se do agente que conheça a condição da vítima, do contrário responderá pelo art. 121, §2, IV, do CP.
11-Dispõe o art. 31 do CP:
"O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".
Esse dispositivo prevê um caso de impunibilidade do partícipe, que não pode ser apenado pelos atos que ele praticou enquanto o autor não ingressar nos atos executórios do delito, referentes ao verbo núcleo do tipo. Exemplifica-se com a companheira que instiga diariamente o agente a furtar, a fim de angariar recursos para a casa. Intentando a prática delitiva, se o agente arrombar um cadeado para consumar um furto, mas é surpreendido e foge, não haverá atos executórios, segundo a atual compreensão do STJ. Desta forma, nem o agente nem sua companheira poderão ser punidos.
12 - O art. 33, § 2º, “a” a “c”, do CP regula o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. A interpretação literal do dispositivo indica que o condenado reincidente só pode iniciar o cumprimento da pena no regime fechado, independentemente da quantidade de pena aplicada ou da modalidade de pena privativa de liberdade cominada. Isso porque o reincidente somente se encaixa na alínea a, já que as alíneas b e c o excluem expressamente.
No entanto, interpretando-se em conjunto com o caput do art. 33, somente o reincidente condenado à pena de reclusão deve iniciar o cumprimento no regime fechado, uma vez que a pena de detenção não comporta esse regime de cumprimento, salvo em caso de regressão de regime.
A despeito da literalidade do dispositivo, o STJ editou a Súmula nº 269, com o seguinte teor: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. A súmula une os requisitos das alíneas a e c do § 2º do art. 33: a reincidência “a contrario sensu” da alínea “a” e a quantidade de pena da alínea “c”, que prevê o regime aberto.
Assim, conjuminando a reincidência com a quantidade de pena do regime aberto, pode o juiz aplicar o regime intermediário da alínea “b”. A súmula cita ainda os requisitos do § 3º do art. 33. Atualmente, o STF admite que condenados reincidentes iniciem o cumprimento da pena no regime aberto.
Se a reincidência, circunstância agravante mais reprovável, não é capaz de impedir o regime aberto, os maus antecedentes, com maior razão, não representará óbice ao benefício. No entanto, a análise de outras circunstâncias judiciais pode impedir o regime aberto, em especial a culpabilidade e as consequências do crime. Lembrando que desvalorar as circunstâncias judiciais importa maior gravame ao réu do que o reconhecimento de circunstâncias agravantes, influindo, por exemplo, na substituição da pena. Excepciona-se a reincidência, que pode inibir variadas benesses ao condenado.
As previsões da Lei de Drogas e da Lei dos Crimes Hediondos que obrigavam o condenado a cumprir a pena integralmente no regime fechado foram invalidadas pelo STF. Assim também as previsões posteriores que obrigavam o início de cumprimento da pena no regime fechado, ou impediam a sua substituição por penas restritivas de direitos.
13 - O art. 36, § 2º, do CP prevê que o condenado será transferido do regime aberto se praticar fato definido como crime doloso, frustrar os fins da execução ou não pagar a multa cumulativamente aplicada. O art. 118, I, da Lei de Execução Penal prevê também a regressão no caso de o condenado praticar falta grave. A prática de crime culposo não importa transferência de regime, exceto se ele for anterior ao início de cumprimento, cuja pena somada ao restante da pena em execução torne incabível a manutenção do regime (arts. 111 e 118, II, da LEP).
Por sua vez, a suspensão condicional da pena não pode ser deferida ao reincidente em crime doloso, salvo se foi aplicada isoladamente a pena de multa. A suspensão se limita à pena privativa de liberdade, não se estendendo às penas restritivas de direitos e à multa. A condenação transitada em julgado por crime doloso importa em revogação obrigatória da suspensão da pena. A condenação transitada em julgado por crime culposo ou contravenção penal resulta em revogação facultativa, a critério do juiz da execução, desde que aplicada pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.
A condenação à pena de multa não permite a revogação do benefício, assim como não impede seu deferimento. Importa salientar que a pena de prestação pecuniária é uma pena alternativa, e importa revogação facultativa do sursis, por diferir da pena de multa. Esta última tem natureza de pena, elencada no art. 5º, XLVI, c, da CF/88, sendo calculada com base nas condições econômicas do condenado e nas circunstâncias judiciais, com destinação ao fundo penitenciário. Por sua vez, a prestação pecuniária é uma modalidade de pena restritiva de direitos, sendo destinada ao ofendido, e calculada com base no dano causado, mesmo que estipulada como obrigação de fazer.
De outro giro, o livramento condicional é concedido ao condenado que cumpriu mais da metade da pena, caso seja reincidente em crime doloso. Se for reincidente em crime culposo deve cumprir um terço da pena para ter direito ao benefício. Por fim, não terá direito ao benefício se for reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados, e tráfico de pessoas. Importante consignar que a vedação ao benefício não exige reincidência no mesmo crime, e sim em crimes da mesma natureza, a saber, quaisquer dos crimes enumerados acima. Difere, assim, do art. 44, II, e § 3º, do CP, que veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no caso de o réu ser reincidente em crime doloso. A parte final do § 3º permite ao juiz aplicar a substituição ao condenado reincidente, desde que a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não seja pela prática do mesmo crime.
Assim, a expressão "crime da mesma natureza" difere da expressão "mesmo crime". No crime continuado, o STJ firmou a tese de que os crimes da mesma espécie são os que atingem o mesmo bem jurídico, ainda que previstos em tipos penais diversos, entendimento adotado também para o conceito de reincidência específica. A parte final do § 3º citado acima se refere a crimes idênticos, previstos no mesmo dispositivo legal. Quanto aos crimes de roubo e latrocínio, o STJ entende se tratarem de crimes do mesmo gênero, mas de espécies diferentes, sendo inaplicável a continuidade delitiva. Por sua vez, o STJ aplica a continuidade nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ainda quando tais crimes eram previstos em dispositivos legais diversos, por lesarem o mesmo bem jurídico.
Há uma gradação nos conceitos de crimes do mesmo gênero, crimes da mesma espécie e crimes idênticos.
O § 3º não é expresso, mas por óbvio se refere à reincidência por crime doloso, já que se trata de um parágrafo do art. 44, devendo se compatibilizar com o caput e seus incisos, conforme preconiza o art. 10, II, da LC nº 95/98, cuja parte inicial dispõe que os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos.
Quanto à revogação do livramento condicional, será ela obrigatória se o liberado for condenado com trânsito em julgado por crime cometido antes ou durante o benefício, à pena privativa de liberdade. Nesse caso a revogação pode advir de crime doloso, culposo ou contravenção penal, importando a espécie de pena aplicada. A mesma condenação por crime doloso, culposo ou contravenção penal a pena diversa da privativa de liberdade, a saber, restritiva de direitos ou multa, importa em revogação facultativa do benefício.
Ao contrário do sursis, cuja revogação depende da modalidade de crime praticado e do tipo de pena aplicada, a revogação do livramento condicional depende apenas do tipo de pena. A lei não tratou da hipótese de ser o liberado condenado à pena privativa de liberdade em razão da prática de contravenção penal.
14 - O art. 41 do CP prevê que a superveniência de doença mental ao condenado implica em seu recolhimento em hospital de custódia ou de tratamento psiquiátrico. Esse dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 183 da Lei de Execução Penal, que autoriza ao juiz substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança em um espectro mais amplo de situações, tanto quando sobrevém doença mental como também perturbação da saúde mental ao condenado.
15 - Quando do cumprimento de pena restritiva de direitos, o art. 44, § 5º, do CP prevê uma faculdade ao juiz da execução penal, no caso de superveniente condenação à pena privativa de liberdade por outro crime. Nesse caso, o juiz pode converter a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, procedendo em seguida à unificação das penas. Pode igualmente dispensar a conversão, se entender que o condenado é capaz de cumprir as duas penas concomitantemente, tanto a privativa de liberdade quanto a restritiva de direitos.
16 - O art. 45, § 2º, do CP prevê que a pena alternativa de prestação pecuniária pode consistir em prestação diversa de dinheiro, como, por exemplo, a imposição de obrigação de fazer, desde que haja concordância do beneficiário. Trata-se da chamada pena alternativa inominada.
No caso de crimes vagos, como o tráfico de drogas, não há vítima imediata. Como o STF permite a substituição da pena nesse crime, é possível a submissão do condenado a tratamento médico, a fim de curar o vício em drogas. Esse tratamento se qualifica como uma pena alternativa inominada, na forma de uma obrigação de fazer, prescindindo de concordância da pretensa vítima, que mediatamente é o Estado.
17 - Os §§ 3º e 4º do art. 46 do CP dispõem sobre a possibilidade de o condenado cumprir em menos tempo a pena alternativa de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, uma vez que se remete ao § 1º.
O art. 55 do CP determina que as penas restritivas de direitos tenham a mesma duração das penas privativas de liberdade substituídas. Essa regra comporta três exceções, elencadas no próprio dispositivo: a pena de prestação pecuniária e de perda de bens e valores, que obviamente não possuem vinculação temporal, e a pena de prestação de serviços à comunidade e entidades públicas.
O art. 44, I, do CP prevê o cabimento da substituição por pena restritiva de direitos para condenações de até quatro anos em se tratando de crimes dolosos e qualquer que seja a pena aplicada em se tratando de crimes culposos. Neste último caso, a pena dificilmente ultrapassará quatro anos. O homicídio culposo seguido de fuga do acusado importa na pena máxima de 3 anos, com a causa de aumento de um terço, resultando em quatro anos de detenção. No entanto, no caso de homicídio culposo no trânsito, a pena pode ser de 2 a 4 anos de detenção, ou de 5 a 8 anos de reclusão, se o agente estiver sob a influência de álcool. No primeiro caso, mesmo que se aplique a majorante de um terço, como não prestar socorro à vítima, elevando a pena máxima para um patamar superior a cinco anos, ainda caberá restritiva de direitos. Já no último caso, a Lei nº 14.071/2020 vedou a substituição por penas alternativas.
No caso de ser aplicada pena superior a um ano, a prestação de serviços à comunidade e entidades públicas pode ser cumprida em menos tempo, desde que não seja inferior à metade da pena aplicada. Uma pena de um ano de prisão, substituída por prestação de serviços, deve ser cumprida à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, sem prejuízo da jornada normal de trabalho.
Por sua vez, uma pena de dois anos de prisão, substituída por prestação de serviços, pode ser cumprida no mesmo prazo de um ano, à razão de duas horas de tarefa por dia de condenação, afora a jornada normal de trabalho.
18 - O art. 50 do CP prevê a possibilidade de parcelamento da pena de multa. O dispositivo ainda estabelece a possibilidade de ela ser descontada no salário do condenado, equivalendo a um parcelamento indireto. Esse desconto não é possível se a multa for aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade, ainda que imposto o regime inicial aberto, com possibilidade de trabalho externo. O STF igualmente entende que o inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade, mesmo que cumprida integralmente a pena privativa de liberdade.
19 - O art. 51 do CP determina a aplicação à cobrança da pena de multa das causas interruptivas e suspensivas da prescrição relativas à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. Como exemplo de causa interruptiva está o despacho do juiz que ordena a citação. Por sua vez, haverá suspensão da prescrição no caso de o devedor não ser localizado ou não serem encontrados bens passíveis de penhora, conforme art. 40 da Lei de Execução Fiscal. O art. 52 do CP prevê outra causa de suspensão da prescrição da pena de multa não prevista na LEF: quando sobrevém doença mental ao condenado.
20 - O art. 59 do CP elenca o procedimento de aplicação da pena em etapas, na forma dos incisos I a IV. Primeiramente, decidindo pela condenação, o juiz fixa a dosimetria da pena de forma segmentada, seguindo o procedimento trifásico. Após a fixação do regime de cumprimento da pena e do exame de sua substituição por pena alternativa, o juiz deve analisar a possibilidade de concessão de suspensão condicional da pena. Essa sequência não consta como um inciso V do art. 59, mas é aferida pelo teor do art. 77 do CP. Assim como a substituição da pena, a suspensão se caracteriza como uma benesse ao condenado, sendo ambas procedidas de ofício pelo juiz na aplicação da pena.
A doutrina critica a adoção de um critério puramente matemático na valoração das circunstâncias judiciais, na fração de um oitavo por vetor negativo (Direito Penal lições fundamentais: parte geral 6ª edição 2021, João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitti de Bem, pág. 945). Para essa corrente, é possível que o delito de peculato praticado por um Juiz Federal tenha a pena-base cominada em 7 anos de prisão, com esteio na elevada reprovação da conduta, desabonando-se unicamente a culpabilidade, por conta do cargo exercido pelo condenado.
Assim, uma única circunstância judicial pode elevar a pena-base à metade do intervalo entre o limite mínimo e máximo do preceito secundário (12-2=10; 10/2=5; 2+5=7). Isso em virtude da teoria das margens, que prevê uma discricionariedade vinculada do julgador, ficando desatado de um critério puramente aritmético, já que a diversidade do comportamento humano não se submete à medição fracionária exata.
21 - O art. 60, § 2º, do CP coexiste com seu art. 44, § 2º. O primeiro dispõe que: "a pena privativa de liberdade aplicada, não superior a seis meses, pode ser substituída pela de multa"; o segundo prevê que: "na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos". Podem ocorrer duas situações: a) não sendo a pena privativa de liberdade imposta superior a seis meses, aplica-se o § 2º do art. 60, pois a substituição por pena de multa nele prevista é mais benéfica do que a substituição por multa ou pena restritiva de direitos estipulada pela primeira parte do atual art. 44, § 2º. Isso porque, ao contrário do que ocorre com as penas restritivas de direitos (art. 44, § 4º), a pena de multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade; b) sendo a pena privativa de liberdade imposta superior a seis meses, mas igual ou inferior a um ano, aplica-se a primeira parte do art. 44, § 2º.
22 - O art. 61 do CP elenca as circunstâncias agravantes, de aplicação obrigatória na segunda fase de aplicação da pena, com a finalidade de fixar a pena intermediária. O dispositivo excepciona a aplicação das agravantes tanto quando constituírem (fato típico), quanto qualificarem o crime, evitando-se o “bis in idem”.
Assim, quando a circunstância agravante integrar o fato típico, na forma de uma elementar do tipo penal, já terá sua reprovação estipulada no preceito secundário. Como exemplo, a agravante indicada no art. 61, II, b (para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime) não é aplicável na dosimetria do crime de fraude processual (art. 347 do CP).
O STJ aprovou a súmula nº 231 em 1999, dispondo que as circunstâncias atenuantes não podem conduzir a pena abaixo do mínimo legal. Juarez Cirino dos Santos critica esse entendimento: “Aliás, a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado, na hipótese de circunstâncias atenuantes obrigatórias, constitui analogia in malam partem, fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o limite máximo da pena cominada.”
As circunstâncias atenuantes do art. 65 não podem ser cumuladas com as causas de diminuição de pena de mesma natureza, preponderando a aplicação destas. Assim, a atenuante genérica de minorar as consequências do crime (art. 65, III, b do CP) cede diante do arrependimento posterior (art. 16 do CP). Para a configuração dessa causa geral de diminuição, no entanto, é necessário que a reparação do dano seja voluntária, enquanto a atenuante exige reparação espontânea, de iniciativa do próprio agente.
O STF entende que o arrependimento posterior ainda pode se configurar se o agente reparar o dano apenas parcialmente, pagando o principal, mesmo que não tenha pago os juros e a correção monetária. Essa minorante se comunica aos demais autores e partícipes, malgrado não tenham participado da restituição do dano.
23 - O art. 64, II, do CP exclui a configuração da reincidência no caso de crimes militares próprios e políticos. Os crimes políticos não geram reincidência, sejam eles puros ou impuros. Os crimes militares impróprios, que geram reincidência, são os previstos também na legislação penal comum, como o delito de concussão, podendo ser praticado tanto por militar quanto por civil, desde que funcionário público.
Já os crimes militares próprios são os previstos exclusivamente no Código Penal Militar, como a deserção e o motim, e só podem ser cometidos por militares. Excepciona-se unicamente o crime de insubmissão, que é militar próprio, mas só pode ser praticado por civil. Neste último caso, a incorporação do faltoso ao corpo militar é condição de procedibilidade da ação penal.
No caso de condenação por crime comum e posterior prática de crime militar próprio será o agente reincidente perante o CPM, uma vez que seu art. 71, § 2º exclui apenas os crimes anistiados.
24 - O art. 66 do CP prevê as chamadas atenuantes inominadas. Antes da reforma de 2008, o art. 484, parágrafo único, do CPP previa um quesito genérico sobre as atenuantes e agravantes ao conselho de sentença do Tribunal do Júri. Não era necessário especificar a atenuante, podendo os jurados votar por clemência. O juiz-presidente, no entanto, tinha que se valer do art. 66 do CP para fundamentar a redução da pena com base na resposta positiva dos jurados.
Após a reforma, o questionário aos jurados prevê apenas quesitos sobre qualificadoras e causas de aumento ou diminuição, conforme art. 483, IV e V, do CPP, não constando mais sobre as agravantes e atenuantes. Tanto que o art. 492 do CPP dispõe que o juiz-presidente proferirá sentença considerando as circunstâncias agravantes e atenuantes alegadas nos debates, e imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo Júri.
Quanto às qualificadoras reconhecidas pelos jurados, o Juiz as considerará no enquadramento típico da modalidade qualificada do crime. No caso, por exemplo, de um homicídio quintuplamente qualificado, usual em feminicídios, as demais quatro qualificadoras podem ser utilizadas na fixação da pena-base, na análise das circunstâncias judicias, ou servirem para agravar a pena, vedado o bis in idem, conforme art. 492, I, “a”, “b” e “c”, do CPP.
Desta forma, o art. 66 do CP teve sua normatividade esvaziada após a reforma de 2008. A casuística indica a sua aplicação no ambiente carcerário, por exemplo, quando um preso provisório, aguardando o julgamento do processo na cadeia, presta socorro a outro preso ou um agente do Estado. Esse evento pode atenuar a pena com fundamento no artigo citado.
25 - O art. 67 do CP regula o concurso de causas agravantes e atenuantes. A confissão está relacionada à personalidade do agente, sendo igualmente preponderante, tal como a reincidência. Em vista disso, o STJ entende pela compensação de ambas as circunstâncias. No entanto, pode ocorrer de a confissão ser parcial ou qualificada, e o réu ser multirreincidente. Nessa situação, prepondera a reincidência em concorrência com a confissão, podendo a pena ser agravada.
Já no concurso entre as causas de aumento ou diminuição, previsto no art. 68, parágrafo único, do CP deve-se utilizar, como regra, o critério cumulativo, ou efeito cascata, em detrimento da incidência simples. Assim, primeiro se aplica uma causa de diminuição ou aumento sobre a pena intermediária, e sobre o resultado incide a causa seguinte. Esse critério evita a pena zero ou negativa, em que o réu é condenado, mas não tem pena a cumprir. Além disso, no concurso de causas de aumento, esse critério é mais benéfico ao réu.
26 - O art. 69, § 1º, do CP dispõe que, no caso de concurso material de crimes, se for aplicada pena privativa de liberdade para um dos crimes, não suspensa, não caberá a substituição de pena para os demais crimes. O dispositivo cita apenas o sursis penal, mas alberga igualmente a substituição por penas alternativas, conforme se infere do seu § 2º. Exemplificando: se o réu é condenado por um dos crimes a 7 anos de prisão, a ele não é aplicável a substituição por restritiva de direitos, e tampouco a suspensão condicional da pena. A restrição ao sursis e à substituição da pena possuem requisitos distintos. Pelo outro crime praticado em concurso o réu é condenado à pena de um ano de prisão. Esta última pena igualmente não poderá ser substituída por penas alternativas.
A situação difere do art. 44, § 5º, do CP, cuja parte final permite ao juiz aplicar penas privativas de liberdade conjuntamente com restritivas de direitos. O art. 69, § 1º se refere a crimes em concurso, enquanto o art. 44, § 5º concerne à condenação superveniente ao cumprimento da pena. Quando ambas as penas aplicadas forem restritivas de direitos, o § 2º do art. 69 permite seu cumprimento simultâneo ou sucessivo.
27 - O art. 70, parágrafo único, do CP determina que a pena exasperada do concurso formal não poderá exceder a pena cumulada do concurso material. Como exemplo, considere-se um agente condenado por roubo circunstanciado por concurso de pessoas e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2, II, e § 2-A, I, do CP) em concurso formal próprio com corrupção de menores (art. 244-B do ECA). Pelo primeiro crime o agente é condenado a uma pena definitiva de oito anos de prisão, e pelo segundo crime o agente é condenado à pena mínima de um ano de prisão. Se a pena mais grave for exasperada de um sexto à metade, a pena final será superior ao cúmulo das penas. Logo, será mais benéfico ao réu o seu somatório.
28 - O art. 71 do CP prevê o benefício do crime continuado. Nada obstante não esteja expresso no dispositivo, o STJ exige que haja vínculo subjetivo entre as condutas em continuidade. Quanto às mesmas condições de tempo, como regra, as condutas não podem se distanciar além do período de um mês, considerando como marcos da contagem a primeira e a última conduta. O vínculo subjetivo entre as condutas, exigido pela jurisprudência do STJ, é aferido apenas para a configuração da benesse, e não para o cálculo da exasperação.
Por sua vez, o parágrafo único do art. 71 prevê o crime continuado específico, que elenca critérios objetivos e subjetivos para o cálculo da pena na terceira fase. Enquanto na figura do “caput” a fração de aumento depende exclusivamente da quantidade de crimes cometidos, na figura específica são analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59 juntamente com a quantidade de crimes praticados, para aferir a exasperação até o triplo. Essas circunstâncias judiciais não podem ser consideradas simultaneamente no cálculo da pena-base e no aumento até o triplo, sob pena de bis in idem.
29 - O art. 75, § 2º, do CP prevê a unificação de penas. Nesse cálculo, é necessário observar a data do novo fato a ser considerado. No caso de um réu condenado por quatro crimes a penas de 20 anos cada um, sua pena total será de 80 anos. Essa pena será considerada para o cálculo dos benefícios penais, como a progressão de regime. No entanto, para efeito de cumprimento, serão elas unificadas em uma pena única de 40 anos.
Suponha-se que após 10 anos de cumprimento da pena unificada, sobrevenha nova condenação à pena de 20 anos em virtude da prática de outro crime. Se a data do fato desta nova condenação for posterior ao início do cumprimento da pena unificada, será feita nova unificação, desprezando-se o tempo já cumprido. Somam-se os 20 anos da nova condenação aos 30 anos restantes de pena a cumprir, chegando-se ao total de 50 anos.
Para efeito de cumprimento, as penas de 20 e 30 anos serão novamente unificadas em 40 anos, para atender ao limite legal. Considerando os 10 anos já cumpridos, o réu cumprirá efetivamente uma pena total de 50 anos. No entanto, para efeito de benefícios penais, ainda será considerada a pena de 80 anos aplicada no início.
Por sua vez, se a data do fato for anterior ao início de cumprimento da pena, os 20 anos da nova condenação serão somados aos 80 anos iniciais, chegando-se à pena de 100 anos. Essa pena será unificada em 40 anos, não havendo o descarte dos 10 anos já cumpridos. Nessa situação, o réu cumprirá um total 40 anos de pena, e não 50 anos, como no caso anterior. Por sua vez, os benefícios penais serão calculados sobre a nova pena de 100 anos.
30 - O art. 76 do CP dispõe que no concurso de infrações, será executada primeiramente a pena mais grave. A maior gravidade da pena é tanto quantitativa quanto qualitativa. No caso de um condenado que cumpre pena por crime comum, e lhe sobrevém nova condenação por crime hediondo, ainda que esta seja menor, a execução da pena pelo crime comum será suspensa, até que ele cumpra toda a pena do crime hediondo, que é mais grave.
31 - O art. 92, I, a, do CP prevê como efeito da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, desde que em decisão motivada. Apesar de ser prática comum na primeira instância, o STJ não aceita a cassação de aposentadoria do condenado com base nesse dispositivo, à míngua de previsão legal. A situação se assemelha à prescrição virtual e à exceção Romeu e Julieta, extensamente reconhecidas nas instâncias ordinárias, a despeito de serem veementemente rechaçadas pela jurisprudência do STJ.
32 - O art. 95 do CP prevê a revogação da reabilitação, caso o reabilitado seja condenado, em decisão definitiva, como reincidente, a pena que não seja de multa. A redação do dispositivo é redundante, já que a reincidência imprescinde do trânsito em julgado, conforme a definição do art. 63 do CP. A revogação só ocorre se a nova condenação for por pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Prevalece o entendimento de que a pena de multa substitutiva do art. 60, § 2º, do CP, inobstante se caracterizar como pena restritiva, não implica revogação da reabilitação. Por fim, a condenação por infração penal anterior a cinco anos igualmente não revoga o benefício, em virtude do transcurso do período depurador da reincidência.
33 - O art. 96, parágrafo único, do CP dispõe que, extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança, nem subsiste a que tenha sido imposta. No caso de prescrição, a contagem é diferenciada, a depender da imputabilidade do réu. Em sendo inimputável, com esteio no “caput” do art. 26 do CP, haverá absolvição imprópria, sem cominação de pena. Neste caso, a prescrição se regula pela pena máxima do injusto penal praticado, na forma do “caput” do art. 109 do CP, qualquer que seja a modalidade de prescrição, inclusive a retroativa e intercorrente.
Por sua vez, no caso de semi-imputabilidade, haverá sentença condenatória, reduzindo-se a pena de um a dois terços, conforme o parágrafo único do art. 26, mesmo que posteriormente a pena seja substituída por medida de segurança. Neste caso, a prescrição retroativa e intercorrente regulam-se pela pena concretizada na sentença. Este entendimento prevalecente se afigura questionável. O agente inteiramente incapaz terá menos chance de ter extinta a punibilidade pela prescrição, comparativamente aos agentes imputáveis e semi-imputáveis, os quais terão seus prazos calculados com base na pena “in concreto”.
34 - O art. 97 prevê a medida de segurança para o inimputável. O STJ e o STF mitigam a parte final do “caput”, permitindo o tratamento ambulatorial para os injustos penais puníveis com reclusão, não sendo compulsório o regime de internação. O § 1º prevê o prazo mínimo de 1 a 3 anos da medida de segurança. O prazo máximo perdura até a cessação da periculosidade.
Como a Constituição Federal não admite penas de caráter perpétuo, e a medida de segurança é entendida como espécie de pena, os tribunais superiores limitam seu prazo máximo, ainda que presente a periculosidade do agente. Para o STF esse prazo é de 40 anos, enquanto o STJ adota prazo menor, concernente ao máximo da pena aplicada ao injusto penal.
Caso a cessação da periculosidade se verifique antes do prazo mínimo, haverá a desinternação ou liberação. O art. 176 da Lei de Execução Penal permite essa verificação a qualquer tempo, mesmo antes do prazo de um ano. Esse dispositivo impede a atuação de ofício do Juiz da execução, salvo para determinar novas diligências no procedimento de cessação de periculosidade já iniciado. No entanto, a parte final do § 2º do art. 97 do CP autoriza o juiz a determinar o laudo pericial a qualquer tempo.
Ainda que a Lei nº 7.209/84, que promoveu a reforma da parte geral do CP e alterou o dispositivo em comento, tenha numeração inferior à Lei nº 7.210/84 (LEP), ambas foram promulgadas no dia 13/07/1984, não havendo prevalência pelo critério cronológico.
Assim, pelo critério da especialidade, a doutrina entende que o juiz pode determinar a perícia médica a qualquer tempo, mesmo de ofício. O § 3º do art. 97 prevê que a liberação, em caso de tratamento ambulatorial, ou desinternação, serão condicionais. O restabelecimento da medida de segurança se dará no caso de prática de fato indicativo da periculosidade, antes de decorrido o prazo de um ano, não se exigindo que esse fato necessariamente configure um injusto penal.
O § 4º do art. 97 prevê a regressão da medida de segurança, determinando-se a internação do agente submetido a tratamento ambulatorial. O STJ entende que o dispositivo também permite o caminho inverso, com a desinternação progressiva, retirando-se o agente internado do hospital de custódia, e encaminhando-o ao tratamento ambulatorial. Esse entendimento deriva da aplicação à medida de segurança do princípio constitucional da individualização da pena, operando-se uma espécie de progressão de regime.
35 - O art. 100, § 1º, do CP prevê a ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça.
Apesar do termo requisição, ela não vincula o Ministério Público, que pode decidir por não oferecer a denúncia. Diferentemente da representação, que tem prazo decadencial de 6 meses, a requisição pode ser feita a qualquer tempo. Ambas se qualificam como condição de procedibilidade. Esta difere da condição de prosseguibilidade, por anteceder o início do processo.
O art. 129 do CP não prevê hipótese de ação penal pública condicionada à representação. No entanto, o art. 88 da Lei dos Juizados Especiais passou a exigir a representação nos crimes de lesões corporais leves e culposas, aplicando-se o prazo decadencial de 6 meses do art. 103 do CP. Por sua vez, o art. 91 da mesma lei previu o prazo decadencial de 30 dias a contar da intimação do ofendido para o oferecimento da representação.
Neste caso, o prosseguimento da ação já iniciada depende dessa condição de prosseguibilidade. Em não sendo ela oferecida, é declarada extinta a punibilidade do réu pela decadência, na forma do art. 107, IV, do CP.
A Lei Anticrime passou a exigir a representação para o crime de estelionato, com as exceções elencadas no dispositivo. No âmbito do STJ, a 5ª turma entendeu que o dispositivo se qualifica como norma mista, portanto, retroage para beneficiar o réu, tratando-se de condição de procedibilidade, e não prosseguibilidade. Entretanto, a retroação alcança apenas os processos em que não houve oferecimento da denúncia.
Por sua vez, a 6º turma do STJ entendeu que a exigência de representação do ofendido alcança todos os feitos não transitados em julgado. Ao uniformizar a jurisprudência, a 3ª Seção adotou a posição da 5ª turma, evitando atingir processos já iniciados. No âmbito do STF, a 1ª turma firmou a compreensão de que a nova legislação não exige a manifestação da vítima como condição de prosseguibilidade, quando já oferecida a denúncia pelo Ministério Público, tal como o faz a Lei dos Juizados Especiais. Assim, o oferecimento da denúncia é ato jurídico perfeito e acabado, qualificando-se a representação como condição de procedibilidade.
De outro giro, a 2ª turma do STF entendeu que a norma deve retroagir em benefício do réu, aplicando-se às investigações e processos em andamento, ainda que já iniciados antes da sua vigência. Logo, o ofendido deve ser intimado para oferecer representação em 30 dias, mesmo que a denúncia já tenha sido oferecida, qualificando-se como condição de prosseguibilidade. Esse prazo decorre da analogia integrativa do art. 91 da Lei nº 9.099/95.
A 3ª Seção do STJ encampou a tese da condição de procedibilidade, em conformidade com a decisão da 1ª turma do STF. Já a 2ª turma do STF colocou a representação como condição de prosseguibilidade. Esta última decisão da Suprema Corte foi tomada em 2021 em sede de “habeas corpus", de forma unânime.
36 - O art. 101 do CP prevê a ação penal no crime complexo. Esta modalidade de crime se caracteriza pela fusão de dois delitos. Juarez Cirino dos Santos minucia detidamente a extinção da punibilidade nos tipos complexos, nos tipos dependentes de outros tipos, nos tipos que pressupõem outros tipos, nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos (Direito Penal - Parte Geral, 9ª edição, 2020, Tirant brasil, p. 678).
Ilustrativamente, no crime de estupro com violência real há a fusão do crime de constrangimento ilegal com o crime de lesões corporais. Se couber ação penal pública a qualquer dos crimes conjugados, o crime complexo com um todo também será de ação penal pública. O dispositivo legal em análise utiliza a terminologia “de iniciativa do Ministério Público”, denotando se tratar de ação penal pública incondicionada.
Antes da Lei 12.015/09, o crime de estupro se processava mediante queixa. Caso houvesse violência real no crime, o STF entendia que a ação se transmutava em pública incondicionada, conforme a súmula nº 608: “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
A Lei 9.099/95 passou a exigir representação para os crimes de lesões corporais leves e culposas. Logo, o delito de estupro poderia ter três modalidades de ação penal: se não houvesse lesão corporal, seria de ação penal privada; se resultassem lesões leves ou culposas, seria de ação penal pública condicionada à representação; se resultassem lesões graves, seria de ação penal pública incondicionada. Contudo, o STF não admitiu a ação penal condicionada à representação, mesmo após o advento da Lei 9.099/95, entendendo que, se houve violência real no estupro, seja qual for a gravidade, a ação penal seria pública incondicionada.
A Lei 12.015/09 alterou o art. 225 do CP, dispondo que o delito de estupro seria de ação penal pública condicionada à representação. Por fim, a Lei 13.718/18 alterou novamente o dispositivo, prevendo que os crimes dos capítulos I e II do título IV são de ação penal pública incondicionada. Em seguida, foi promulgada a Lei 13.772/18 que inseriu o capítulo I-A, prevendo o crime de registro não autorizado da intimidade sexual. Entende-se que a previsão do art. 225 alcança o crime do art. 216-B, a despeito de ele não fazer expressa menção ao capítulo I-A. Consequentemente, o crime do art. 216-B também se procede mediante ação penal pública incondicionada.
Mesmo após a atual redação do art. 225 do CP, o STJ entendeu que o crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP, é de ação penal pública condicionada à representação, se a vulnerabilidade é relativa, sendo superada com o tempo. É o caso, por exemplo, da vítima em estado de embriaguez. Esse estado pode ser induzido pelo autor do crime de estupro, qualificando-se como violência imprópria. Entretanto, se o estado de embriaguez foi voluntário, a vítima terá o prazo decadencial de 6 meses a partir do dia em que souber quem foi o autor do crime, para oferecer a representação.
37 - O art. 110, caput, do CP prevê a prescrição da pretensão executória, e seu § 1º prevê a prescrição retroativa e intercorrente. Já o art. 109, caput, do CP prevê a prescrição em abstrato. Diversas teorias explicam os fundamentos políticos da prescrição penal, tais como: teoria do esquecimento, teoria do desgaste probatório, teoria da presunção de correção, teoria da expiação moral e teoria da perda de legitimidade (Direito Penal lições fundamentais: parte geral 6ª edição 2021, João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem, págs. 1321/1322).
Na prescrição da pretensão punitiva, o cálculo deve considerar os prazos indicados no art. 109 do Código Penal. Considere-se um réu condenado pelo crime de lavagem de dinheiro à pena definitiva de 8 anos, sendo 6 anos de pena intermediária mais 2 anos pela continuidade delitiva. O réu tinha a idade de 40 anos na data do crime, considerando a data da última conduta em continuidade, e 53 anos na data da sentença condenatória. A pena máxima cominada ao crime de lavagem é de 10 anos, atraindo a prescrição abstrata de 16 anos, contada entre a data do fato e a sentença condenatória.
A partir da publicação da sentença condenatória, em não se verificando a prescrição em abstrato, analisa-se a incidência de dois outros períodos prescricionais: intercorrente e retroativo. O retroativo tem como termo inicial a data da denúncia ou queixa. Nessa modalidade, o prazo prescricional é contado para trás, a partir da publicação da sentença condenatória. A redação do dispositivo não deixa claro se o termo inicial é o oferecimento ou o recebimento da denúncia.
A interpretação mais favorável ao réu é a que considera a data do oferecimento da denúncia, já que elastece o prazo considerado na contagem. Quanto mais distantes os termos inicial e final, mais chances tem o réu de ter o transcurso do prazo prescricional a seu favor.
Demais disso, é possível que entre o oferecimento e o recebimento da denúncia decorra prazo considerável. O réu pode ajuizar Habeas Corpus contra o recebimento da denúncia, já que inexiste recurso específico. Por sua vez, contra a rejeição da denúncia é possível interpor Recurso em Sentido Estrito, com efeito iterativo. Nesse último caso, somente com a retratação do juiz ou o provimento do recurso pelo tribunal é que a denúncia considera-se recebida. Além disso, o STF entendeu ser indevida a determinação judicial de emenda da denúncia, uma vez que a prática fere o princípio acusatório e protela o seu recebimento.
No entanto, malgrado ser mais prejudicial ao réu, o STF encampou a data de recebimento da denúncia como termo inicial da prescrição retroativa, considerando que o art. 117, I, do CP indica essa data como marco interruptivo da prescrição.
De outro giro, a prescrição intercorrente é contada para frente, também considerando a pena concretizada na sentença. No caso ilustrado, entre a sentença e a decisão definitiva deve transcorrer prazo inferior a 12 anos, sob pena de restar configurada a prescrição. Interpretando o art. 117, IV, do CP, o STF e o STJ entenderam que o acórdão condenatório sempre interrompe o prazo prescricional, ainda quando confirmatório da sentença, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena imposta. A interrupção tem por efeito o reinício da contagem do prazo prescricional.
No entanto, se o acórdão modificar a pena, é necessário averiguar se não houve alteração do prazo de prescrição. No caso narrado, caso o tribunal venha a elevar a pena em mais um ano, a prescrição passará a ser de 16 anos. Por outro lado, se o acórdão reconhecer a colaboração do réu, disposta no art. 1º, § 5º, da Lei 9.613/98, reduzindo a pena em 1/2, o novo prazo prescricional será de 8 anos. Este prazo será contado entre o acórdão reformatório e a decisão definitiva, seja ela em sede de Recurso Especial ou Recurso Extraordinário.
38 - O art. 111 do CP dispõe sobre os termos iniciais da prescrição abstrata, que considera a pena máxima cominada ao crime. Como regra, a prescrição se inicia no dia em que o crime se consumou, ou, no caso de tentativa, no dia em que cessou a atividade criminosa. Seguindo a lógica da tentativa, nos crimes permanentes a prescrição se inicia no dia em que cessar a permanência.
Nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, a prescrição somente tem início no dia em que a vítima completar 18 anos. Digno de nota estão os crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil. Como se tratam de delitos cometidos na surdina, sem vítimas diretas, seu prazo de prescrição somente tem início quando o fato se torna conhecido, ainda que consumado há muitos anos.
A casuística indica casos de crimes sexuais contra bebês, em que o prazo prescricional se iniciou no dia em que a vítima completou 18 anos. Assim, o termo final da prescrição seria o dia em que a vítima completasse 34 anos, no caso de crime de ação penal pública incondicionada. Caso o crime sexual fosse de ação penal pública condicionada ou ação penal privada, a representação ou queixa deveriam ser oferecidas no prazo de 6 meses após a vítima completar 18 anos, sob pena de decadência. No crime de bigamia, o prazo prescricional é de doze anos, no entanto, pode transcorrer prazo superior a 34 anos, uma vez que o termo inicial somente ocorre com o conhecimento do fato.
39 - O art. 112 do CP dispõe sobre os termos iniciais da prescrição após a sentença condenatória. O inciso I relaciona três marcos: o trânsito em julgado para a acusação, a revogação do sursis penal e a revogação do livramento condicional. A revogação do sursis tem como efeito o início do cumprimento da pena. Trata-se de um benefício que visa a descarcerização, concedido de ofício pelo juiz ao prolatar a sentença.
A suspensão da pena poderia figurar como um inciso V no art. 59, já que seu exame se dá logo após a análise da substituição da pena, sendo concedido nos casos em que não cabe a substituição da pena, conforme arts. 59, IV e 77, III, do CP.
De outro giro, o livramento condicional é instituto da execução penal, concedido quando o condenado já está cumprindo pena. O art. 88 do CP trata dos efeitos de sua revogação, a saber: impede nova concessão do benefício; não se desconta na pena o tempo em que o liberado esteve solto, salvo se a revogação foi por crime anterior ao livramento, que resulta em revogação obrigatória, conforme previsto no art. 86, II, do CP.
Além desses efeitos, a revogação do livramento inicia a prescrição executória, que levará em consideração a pena aplicada em definitivo, seja na sentença ou no acórdão. Entretanto, tratando-se de revogação por crime anterior, a prescrição se regula pelo tempo que resta de pena, descontado o período em que o liberado esteve solto.
Quanto ao primeiro marco inicial da prescrição executória indicado no art. 112, I, do CP, a doutrina critica a previsão do fato jurídico “trânsito em julgado para a acusação” como fenômeno isolado, por inexistir dogmaticamente, já que a coisa julgada sempre se dá “inter partes”. A interpretação literal do dispositivo pode ferir a paridade de armas e a própria razão de ser da prescrição executória, fundada na inércia da acusação, já que o atual entendimento do STF, acerca do art. 283 do CPP, é pela execução da pena apenas depois de confirmado o trânsito em julgado para ambas as partes. Em memorial apresentado no Tema 788 do STF, a PGR assim concluiu:
“Inadmitir a execução pena (sic) enquanto não esgotadas todos (sic) os recursos da defesa, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência, também acarreta o diferimento do termo inicial do prazo prescricional para a data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes”.
Por fim, o art. 112, II, do CP prevê como marco da prescrição executória a interrupção da execução, a exemplo da evasão do condenado. A fuga deflagra o início da contagem da prescrição, que somente se interrompe com a captura, recalculando-se o prazo prescricional com base no restante da pena, conforme art. 117, V, do CP. A interrupção referenciada no art. 112, II é da execução da pena, enquanto a interrupção no art. 117 é da prescrição.
Quando o período interruptivo se computa na pena, a prescrição executória não é iniciada. É o caso da superveniência de doença mental ao condenado, com seu recolhimento em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, previsto no art. 41 do CP. Neste caso, a execução da pena privativa de liberdade é interrompida, mas não há contagem da prescrição. Restabelecidas as faculdades mentais, o condenado cumprirá o restante da pena, descontado o período em que ficou internado.
40 - O art. 116 do CP prevê as causas impeditivas da prescrição da pretensão punitiva. O art. 366 do CPP prevê a suspensão do processo e da prescrição no caso de o acusado ser citado por edital, não comparecendo nem constituindo advogado. O STJ editou a súmula 415, limitando o prazo da suspensão ao máximo da pena cominada. Ultrapassado esse prazo, a corte entende que a prescrição e o processo podem retomar seu curso, neste último caso mediante a constituição de defesa técnica.
Contudo, o STF modificou esse entendimento. Para a Suprema Corte, é constitucional a limitação da suspensão do prazo prescricional referida na súmula, excepcionando-se os crimes imprescritíveis elencados no texto constitucional. Mas transcorrido esse prazo, o processo não pode iniciar à revelia do acusado. Isso porque a citação por edital é uma ficção, e o julgamento nessa situação afrontaria o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Logo, a Suprema Corte concluiu que: a prescrição pode ficar suspensa com base no máximo da pena cominada ao crime, tal como indicado na súmula do STJ; após esse prazo, a prescrição retoma seu curso, com exceção dos crimes imprescritíveis, como o racismo; ultrapassado o prazo de suspensão indicado na súmula, sem localização do acusado, o processo não pode prosseguir, permanecendo suspenso, mas desta feita com a retomada do prazo prescricional.
No caso do inciso III do art. 116, a Lei Anticrime buscou evitar a prescrição no âmbito dos tribunais. A interposição de recursos protelatórios sempre foi uma das principais linhas defensivas, visando ao reconhecimento da prescrição. Não é inusual a interposição de oito embargos declaratórios no mesmo processo. Para combater essa postura desleal da parte, os embargos declaratórios e os recursos para os tribunais de superposição só suspendem o prazo prescricional se forem julgados admissíveis. Já os recursos para a segunda instância envolvem exame probatório, ao contrário dos recursos excepcionais, não sendo albergados pelo dispositivo.
O inciso IV do art. 116 prevê a suspensão do prazo prescricional enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. O art. 28-A, § 10, do CPP dispõe que, descumpridas as condições do acordo, o Ministério Público deverá comunicar o juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. Por sua vez, o art. 28-A, § 13, do CPP prevê a extinção da punibilidade em caso de cumprimento integral do acordo. Assim, somente com a decisão judicial que rescinde o acordo de não persecução penal é que a prescrição retoma seu curso, pelo prazo restante, e não da constatação de descumprimento de suas condições.
O parágrafo único do art. 116 do CP prevê a suspensão da prescrição executória, caso o condenado esteja preso por outro motivo. O STJ entende que a suspensão ocorre ainda que essa prisão seja em regime aberto ou domiciliar.
41 - O art. 117 do CP prevê as causas interruptivas da prescrição, aplicáveis tanto à prescrição punitiva quanto à executória. O § 2º dispõe que, no caso de evasão do condenado e posterior captura, o prazo da prescrição executória é recalculado com base no restante da pena. Nas demais hipóteses, todo o prazo prescricional começa a correr, novamente, do dia da interrupção.
O STJ editou a súmula nº 191, entendendo que a decisão de pronúncia interrompe a prescrição punitiva, ainda que o tribunal do júri desclassifique o crime.
O § 1º do art. 117 prevê a interrupção da prescrição nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo. No decorrer da marcha processual, diversas hipóteses podem ocorrer, como um acórdão condenatório para um dos crimes conexos e um acórdão confirmatório para os demais. Conforme decidiu o STJ:
“Como é cediço, se a sentença é condenatória, o acórdão só poderá ser confirmatório ou absolutório, assim como só haverá acórdão condenatório no caso de prévia sentença absolutória. No caso dos autos, porém, tem-se ambos, uma vez que o processo traz crimes conexos. Com efeito, a sentença condenou por um crime (299 do CP) e absolveu por outro (art. 7º da Lei n. 7.492/1986) e o acórdão reformou a absolvição. Dessa forma, tem-se sentença condenatória para o primeiro crime e acórdão condenatório para o segundo delito, no entanto a prescrição não é contada separadamente nos casos de crimes conexos objetos do mesmo processo. De fato, a 2ª parte do § 1º do art. 117 do Código Penal, dispõe que nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais, a interrupção relativa a qualquer deles. Nesse contexto, a sentença condenatória pelo crime do art. 299 do Código Penal interrompeu a contagem do lapso prescricional também em relação ao crime do art. 7º da Lei n. 7.492/86, nada obstante tenha sido absolvido.”
Igualmente, a superveniente reforma da sentença absolutória, para condenar o recorrente como incurso no art. 7º da Lei n. 7.492/1986, tratando-se, portanto, de acórdão condenatório, também irradiou seus efeitos com relação ao prazo prescricional do delito do art. 299 do Código Penal, embora com relação a esse crime tenha havido mera confirmação da sentença. No caso de conexão material (real/penal) de crimes, objetos do mesmo processo, a interrupção da prescrição em relação a um deles estende-se aos demais. Assim, as causas interruptivas da prescrição, cuidando-se de conexão, são comunicáveis entre os delitos”.
42 - O art. 118 do CP dispõe que as penas mais leves prescrevem com as mais graves. Não se trata do concurso de crimes, quando são aplicadas penas diferentes pelos crimes em concurso, situação regulada pelo art. 119 do CP.
A pena mais leve citada no dispositivo é a pena de multa. O art. 114 do CP regula a prescrição punitiva da pena de multa, diferindo o prazo se a multa for a única cominada ou aplicada, ou for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
O art. 118 do CP, por outro lado, regula a prescrição executória. Prevalecia o entendimento de que a prescrição executória da pena de multa se dava em cinco anos, conforme a legislação tributária, por ser dívida de valor cobrada pela Fazenda Pública.
Contudo, em 2018 o STF entendeu que a multa possui natureza penal, competindo sua cobrança ao Ministério Público. Em 2019, a Lei Anticrime deu nova redação ao art. 51 do CP, dispondo que, após o trânsito em julgado, a multa será cobrada no juízo da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Em 2020, o STF decidiu que o inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado que tenha cumprido toda a pena privativa de liberdade.
Assim, o entendimento prevalecente é o de que o prazo de prescrição da pretensão executória da pena de multa é o mesmo da pena privativa de liberdade, se aplicada conjuntamente com esta, em obediência ao art. 118 do Código Penal, pelo qual as penas mais leves prescrevem com as mais graves. E se foi a única pena imposta ao condenado, a multa prescreve em dois anos (art. 114, inciso I, CP).
43 - O art. 119 do CP dispõe que a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada crime, isoladamente, no caso de concurso. Assim, sendo o agente condenado por dois furtos simples, cometidos em concurso material, à pena mínima de um ano de prisão por cada crime, o prazo de prescrição não será de oito anos, e sim de quatro, contados isoladamente para cada um dos crimes. Igualmente, no caso de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação, em consonância com a Súmula 497 do STF.
44 - O Círculo de Bakhtin (pronuncia-se “baquitín”) aplicado à teoria do delito busca a superação da constituição mecânica da culpabilidade. Baseia-se nos ensinamentos do filósofo russo Bakhtin, configurando uma constituição arquitetônica da culpabilidade. Para a teoria do delito, a culpabilidade é um substrato do crime, constituída de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de comportamento conforme o Direito. Tradicionalmente, os três constituintes da culpabilidade são examinados separadamente, em sequência. Para teoria do Círculo de Bakhtin, a consciência da ilicitude é a polifonia que define a capacidade do indivíduo (imputabilidade) e a formação da exigência de conduta conforme o Direito no caso concreto. Logo, os demais constituintes da culpabilidade possuem na consciência da ilicitude um elemento em comum, ao invés de estarem justapostos mecanicamente.
45 - A antecipação cibernética do resultado é uma teoria elaborada por Nicolai Hartmann, filósofo alemão, pertencente à antologia crítica. Na teoria do delito, a conduta é examinada no fato típico. As ações em curto-circuito implicam uma conduta impulsiva, sem premeditação. Para Welzel, a causa do crime é movida por uma finalidade, havendo uma regressão infinita no exame dos cursos causais. Para a teoria de Hartmann, no entanto, essa regressão é finita, revolvendo até ser traçada a finalidade da conduta. Para ambos, existe um conteúdo de vontade no movimento, considerada a dirigibilidade e a capacidade de disposição dos cursos causais pelo agente.
46 - A doutrina penalista aponta uma crescente prisionização e policização deste ramo do direito (Direito Penal lições fundamentais: parte geral 6ª edição 2021, João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem, p. 66/67). Donald Clemmer realizou estudos sobre a psique e o comportamento dos condenados nos Estados Unidos, entre 1940 e 1960, e como suas personalidades são moldadas pelas marcas sociais e estruturais da vida na prisão, chamando o fenômeno de prisionização.
A esse respeito, a doutrina distingue o sistema penal subterrâneo do sistema penal paralelo. O primeiro está relacionado às agências oficiais de controle, como delegacias de polícia, que atuam à margem da lei, como no caso da realização de interrogatórios com uso de tortura. Já o segundo concerne às agências de controle que não integram o sistema oficial, como as entidades que aplicam sanções comerciais que inviabilizam negócios de particulares.
47 - A doutrina aponta um confronto entre o concurso formal de crimes e o conflito aparente de normas penais. O reconhecimento de concurso aparente é mais benéfico para o acusado, na medida em que enseja sanção inferior àquela que seria aplicada ao concurso formal. O problema é que a distinção entre um caso e outro é relegada, de certo modo, ao sentimento de justiça de cada magistrado. E isso parece infirmar justamente as suposições que animam a dogmática penal.
Axiomatizar um sistema é mostrar que suas inferências podem ser derivadas a partir de um pequeno e bem definido conjunto de sentenças. Logo, não há como axiomatizar totalmente as deliberações judiciais. Como toda compreensão de mundo, as sentenças dependem de contexto e de intérprete. Isso não pode vaticinar, todavia, uma concepção niilista, que renuncie à tentativa de se conter o arbítrio. Daí que os magistrados devem ser instados a deixarem manifestos, dentro do possível, todos os valores que animam suas sentenças.
48 - A tutela da confiança do Direito Penal está presente em diversos campos da dinâmica social. Um dos principais “locus” onde a confiança é tutelada como um bem jurídico penal é o ordenamento do trânsito. Não seria possível o tráfego se os condutores não pudessem confiar que os demais condutores parassem nos cruzamentos e nas vias preferenciais. A medicina também é uma área onde a tutela da confiança tem solo fértil. Ambos são objeto da tutela penal da confiança, adotada pelo sistema funcionalista, já que a quebra da confiança subjacente pode resultar em consequências extremas nos dois casos.
49 - A teoria causal da ação deve sua elaboração a Liszt, Beling e Radbruch. No entanto, sua base repousa nos escritos do filósofo austríaco Franz Brentano, que já em fins do século XIX procurava diferenciar os fenômenos psíquicos dos físicos, atribuindo aos primeiros a característica da intencionalidade, concepção ajustada à psicologia associativa da época. Para Brentano, diversamente do que ocorre com os fenômenos físicos, todo ato psíquico aponta para um objeto: pensar é pensar algo, querer é querer algo. Desta forma, reelaborando a noção de intencionalidade, tomada de empréstimo aos escolásticos, a erige em atributo necessário de todo e qualquer verdadeiro ato psíquico. E com isso veio a exercer importante influência sobre os filósofos Husserl e Heidegger.
A ideia de “intencionalidade” de Brentano foi utilizada na teoria da ação, na forma de uma causalidade dirigida. Posteriormente, foi transmudada para “finalidade” na teoria finalista da ação, de Hans Welzel em 1931 (Princípios Básicos de Direito Penal, Francisco de Assis Toledo, 5ª edição, 1994, p.94).
De outro giro, as teorias atuais sobre o dolo recebem influxos de estudos neurocientíficos. A figura do dolo é debatida há milênios, desde a Grécia clássica e o antigo império romano, com o “dolus malus”. A vertente tradicional entende o dolo como a consciência e vontade no agir delituoso. No entanto, as atuais teorias acerca do dolo o despem de seu elemento volitivo, persistindo somente o seu elemento cognitivo. Wolfgang Frisch é um dos principais teóricos do dolo puramente cognitivo, entendendo desnecessário analisar a vontade do agente na conduta criminosa.
No afresco “A criação de Adam”, na capela sistina, Adam possui livre arbítrio para estender o dedo e tocar a mão de Deus. Essa noção de livre arbítrio está na raiz do moderno direito penal, e tem sido posta em cheque por experimentos de ressonância magnética de até 7 teslas (Neurociência e Direito penal, 2014, Paulo Cesar Busato). Atualmente, esses experimentos são conduzidos por ímãs de 10,5 teslas, com peso equivalente a três aviões Boeing 737.
50 - A teoria da imputação objetiva possui estreita ligação com a relação de causalidade, disposta no art. 13 do CP. Alguns autores a chamam de teoria da desimputação, por excluir a relação de causalidade de algumas condutas que se enquadrariam como delituosas pela teoria clássica.
Na casuística, o caso do mergulhador resultou em absolvição do engenheiro naval por homicídio culposo. O tribunal entendeu que ele não cometeu negligência, dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-o sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança. A hipótese não trata de uma autêntica relação causal, no sentido naturalístico da expressão, mas meramente normativa, vinculada à posição de garantidor. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação de uma situação de risco não permitido, o que não ocorreu nesse caso.
De outro giro, o caso do radar na curva em S resultou em condenação, tendo o tribunal entendido que o condutor criou um risco não permitido. Malgrado o radar fora dos padrões normativos tenha contribuído para o acidente, o réu incrementou o risco de morte dos demais ocupantes do veículo ao imprimir velocidade acima da permitida. Desta forma, a jurisprudência oscila no exame do risco criado e do risco permitido na aplicação da teoria da imputação objetiva.
Referências
Batista, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, editora Revan, 2011.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Volume 1 - Parte Geral, editora Saraivajur, 27ª edição, 2021.
Busato, Paulo César. Neurociência e Direito Penal, editora Atlas, 2014.
Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal - Parte Geral, editora Forense, 16º edição, 2003.
Hungria, Nélson. Dotti, René Ariel. Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo I, editora GZ Editora, 2017.
Martinelli, João Paulo Orsini. Bem, Leonardo Schmitt de. Direito Penal - Lições Fundamentais: Parte Geral, editora D’plácido, 6ª edição, 2021.
Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal - Parte Geral. editora Tirant Lo Blanch Brasil, 9ª edição, 2020.
Toledo, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, editora Saraiva, 5ª edição, 1994.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. 50 pílulas de Direito Penal - Parte Geral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2025, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3821/50-plulas-de-direito-penal-parte-geral. Acesso em: 28 abr 2025.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Benigno Núñez Novo
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