Ao tempo que a Criminologia Brasileira ainda não obteve o espaço merecido junto à comunidade acadêmica, o que se constata pelo número reduzido de obras e trabalhos científicos existentes, em especial, quando a comparamos com a explosão de publicações de Direito Penal, a Criminologia apresenta-nos uma boa notícia.
Estão sendo publicadas no Brasil traduções das obras do criminólogo argentino José Ingenieros, um dos grandes representantes da Escola Positiva da Criminologia no início do século passado.
Uma leitura dos textos da época nos confirma que houve uma certa comoção quando da chegada do positivismo criminológico. Antonio Moniz Sodré de Aragão, em 1928, traz um fato que espelha essa euforia de alguns, ao comentar a trajetória de Lombroso: “Por isso Van Hamel, fazendo o parellelo entre Cesar Beccaria e Cesar Lombroso, na festa solemne com que glorificaram o nome do eminente professor de Turin, por occasião do 6o congresso de antropologia criminal, pronunciou as seguintes palavras, recebidas por entre applausos unanimes: O primeiro, nos dias de arbitrio, disse ao homem: conhece a justiça; o segundo, na época em que se está aferrado às formulas classicas do direito penal, disse à justiça: conhece o homem” (01).
Lycurgo de Castro Santos, em prefácio a sua recente tradução de O Homem Medíocre (02), impressa originalmente em Madrid no ano de 1913, lembra que o idealismo de Ingenieros não pode se submeter apenas a um processo racional científico, lógico e dialético: tem que transcender. Para isso é preciso que o idealismo surja como fruto da máxima potência das funções da psique; é a vida vivida em seu máximo apogeu.
Por outro lado, foi lançada, também, tradução do pequeno opúsculo A Vaidade Criminal & A Piedade Homicida (03), obra fácil de ser lida e que nos chama a atenção para as orientações da Escola Positiva, muitas vezes superada, mas que nos servem de reflexão em alguns pontos, tal como, a colocação de Ingenieros sobre o espírito de imitação, presente muitas vezes quando da ocorrência de delitos de grande repercussão, quando por vaidade ou sentimento similar, uma conduta criminosa é repetida formando lendas no meio criminal.
Refletindo sobre os comentários de Ingenieros chamou-me atenção a personalidade de certos agentes que praticam delitos (geralmente sem violência como o estelionato, falsificação de passaportes, diplomas universitários e carteiras de habilitação de trânsito, etc) que não se contentam em praticar apenas o delito e obterem um lucro ilícito com suas condutas.
Por vaidade e deformação de caráter sentem uma necessidade incontrolável de se exibirem para a sociedade (talvez tentando se sentirem aceitos mesmo quando vivem uma situação de transgressão das normas, demonstrando pouca consideração com as regras do jogo social), comprando carros importados caros, roupas de grifes não acessíveis ao trabalhador comum, dando quase sempre “festas de arromba” com direito a veiculação social na mídia, gerando mais sentimento de impunidade no meio social.
Nesse contexto, o estudo Piedade Homicida é menor, mas não sem a mesma importância. Ingenieros fala sobre a eutanásia, consentimento da vítima nos tempos de guerra (quando são sacrificadas por estarem em grande sofrimento e sem chances de recuperação), do direito à morte, consentimento “presumido” e da discordância entre o moral e o legal no homicídio-suicídio com fins piedosos e altruístas.
Por fim, existem, ainda, diversos documentos fáceis de serem pesquisados na internet, que juntamente com a leitura das obras aqui citadas, poderão esclarecer o trabalho de José Ingenieros e seu papel junto a Criminologia.
NOTAS:
(01) ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As Tres Escolas Penaes. 3ª ed, São Paulo, Saraiva, 1928, p. 37.
(02) INGENIEROS, José. O Homem Deliquente. Tradução de Lycurgo de Castro Santos. Campinas, EDICAMP, 2002, p. XI.
(03) ________________. A Vaidade Criminal e a Piedade Homicida. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas, LZN, 2003.
(04) LEAL, João José. Direito Penal Geral. São Paulo, Atlas, 1998, p. 77.
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