É cediço, que com o advento da Lei 9.099/95, criaram-se três espécies de infração penal, sob o ponto de vista doutrinário: a de menor potencial ofensivo (crimes com pena máxima não superior a 1 ano); a de médio potencial ofensivo (crimes com pena mínima não superior a 1 ano) e a de alto potencial ofensivo (crimes com pena mínima acima de 1 ano).
A primeira (menor potencial ofensivo) é julgada no JEC e admite sempre, em tese, a suspensão condicional do processo.
A segunda (médio potencial ofensivo) é julgada no juiz singular e não no JEC e admite, também, a suspensão condicional do processo e, por isso, é chamada de médio potencial ofensivo.
A terceira (alto potencial ofensivo) é julgada no juiz singular e não no JEC e nunca admite a suspensão condicional do processo.
Pois bem. Veja que o quantum de pena (1 ano) era regulador do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e da suspensão condicional do processo. Sendo que na primeira hipótese (menor potencial) a pena era a máxima e na segunda hipótese (médio potencial) a pena era a mínima.
O que aconteceu com o advento da Lei 10.259/01? Aumentou-se o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo passando o quantum de pena máxima para dois anos. Ora, nesse caso, não faz sentido que o quantum de pena para se conceder a suspensão condicional do processo permaneça em um ano.
Para tanto, os princípios da razoabilidade e da simetria devem ser chamados à colação, bem como, a interpretação sistemática e teleológica deve ser feita. Vejamos.
Se o legislador aumentou o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é porque entendeu, por questões de política criminal, que as infrações que serão açambarcadas com o novo conceito não configuram uma maior preocupação para o Estado em termos de persecução penal punitiva, razão pela qual, transferiu para o JEC a competência para apreciá-las. Trata-se de medida despenalizadora. Desta forma, não há razão para negar que os crimes cuja pena mínima seja de dois anos tenham suspensão condicional do processo, aplicando-se, assim, o princípio da simetria. Aumenta-se o quantum de pena da infração penal de menor potencial ofensivo e aumenta-se o quantum de pena para os crimes de médio potencial ofensivo para que possa ser concedida a suspensão condicional do processo.
Do contrário, se assim não pensarmos, criaríamos um monstro que lhes apresentamos: O réu não teria direito a suspensão condicional do processo por que o crime tem pena mínima de 2 anos (exemplo furto qualificado), mas se condenado a pena de 2 anos teria direito a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP), ou, se esta for incabível, a suspensão condicional da pena - sursis - (art. 77 do CP). Ou seja, diria o aplicador cego da lei ao réu em um monólogo regido pela interpretação literal e divorciado da visão sistemática que todo operador jurídico deve ter:
Não suspendo seu processo porque sua pena mínima cominada, in abstrato, é de dois anos, mas quando o condenar, se o condenar a dois anos, substituirei sua pena privativa de liberdade por restrição de direitos, ou, se esta for incabível, concederei a suspensão condicional da execução da pena, o sursis. Substituo a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ou concedo a suspensão condicional do cumprimento da pena, mas não suspendo o curso do processo. Concedo o mais, porém não o menos. Trato-o mais severamente enquanto presumidamente inocente, mas serei benevolente quando reconhecido for como culpado.
Os princípios da razoabilidade e da simetria (equilíbrio, harmonia) impedem raciocínio diferente, pois não é razoável entender-se que o réu recebe um tratamento mais digno diante do novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, mas não o receberá diante da suspensão condicional do processo que continua com o mesmo patamar de pena. Não haveria harmonia possível na ordem jurídica se adotássemos uma medida mais odiosa durante o curso do processo negando o sursis processual, mas substituíssemos a pena privativa de liberdade por restrição de direitos ou concedêssemos o sursis penal no final do processo ao aplicarmos a pena. Nesse caso, haveria uma afronta ao princípio da proibição do excesso com conseqüências graves a ponderação que deve existir entre os interesses em conflito.
O prático, ou o positivista, dirá que não houve alteração, por lei, do art. 89 da Lei 9.099/95 e, conseqüentemente, não há possibilidade jurídica de se atender tal pretensão. Entretanto, devemos ressaltar que toda e qualquer medida de restrição aos direitos fundamentais deve ser motivada, necessária para alcançar o fim a que se destina e adequada ao bem jurídico em conflito.
Nicolas Gonzales-Cuellar Serrano nos ensina quanto ao princípio da proporcionalidade. Diz o jurista espanhol:
O princípio da proporcionalidade é um princípio geral do direito que, em um sentido muito amplo, obriga o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre os interesses em conflito
(...).
A fonte do princípio da proporcionalidade, ou se preferirem, da proibição do excesso, emana das normas constitucionais (...) exigindo que as restrições dos direitos fundamentais que se encontram previstas por lei, sejam adequadas aos fins legítimos aos quais se dirigem, e constituam medidas necessárias em uma sociedade democrática para alcançá-los (Proporcionalidad Y Derechos Fundamentales En El Proceso Penal. 1 edição: Madrid: Colex, 1990, p. 17 - tradução livre do autor).
Somos favoráveis à máxima redução da intervenção penal nos direitos e garantias individuais, a maior ampliação ou extensão dos limites dos direitos e garantias e a rígida exclusão de outros meios de intromissão coercitiva na esfera da liberdade pública do indivíduo.
Conclusão: Entendemos que o instituto da suspensão condicional do processo deve ser visto de forma sistemática e teleológica, pois a política criminal adotada pelo Estado é no sentido de que essas infrações penais de médio potencial ofensivo passam a ter o quantum de pena mínimo de dois anos a fim de haver compatibilidade e harmonia com o aumento de pena máxima no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, agora, também, de dois anos. Assim, dois anos para conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e dois anos para o conceito de infração penal de médio potencial ofensivo a fim de se conceder a suspensão condicional do processo.
Desta forma, se o réu for submetido ao período de prova na suspensão condicional do processo por um crime cuja pena mínima não for superior a dois anos e descumprir com as obrigações impostas e assumidas (§1º do art. 89 da Lei 9.099/95), revoga-se a suspensão do processo retomando seu curso normal (§§ 3º e 4º do art. 89). Se, ao final, for condenado a uma pena mínima de dois anos, substitui-se a pena privativa de liberdade por restrição de direitos; ou, na sua impossibilidade, concede-se o sursis penal. Se durante a restrição de direitos imposta ocorrer seu descumprimento, injustificado, converte-se em pena privativa de liberdade (§4º do art. 44 do CP); ou, se impossível à substituição e for concedido o sursis penal e houver descumprimento das condições impostas, dá-se a revogação do sursis (art. 81 do CP), tudo gradualmente concedido e em perfeita harmonia com o Estado Democrático de Direito.
Perceba o leitor que havendo condenação a uma pena de dois anos primeiro se tenta substituir a pena privativa de liberdade por restrição de direitos (art. 44 do CP). Em não sendo possível, concede-se o sursis penal (art. 77, III, do CP). Se concedido e revogado for o sursis, aí não tem jeito: terá o acusado que cumprir a pena. Contudo, claro está que o Estado adotou, de forma crescente, adequada e necessária, as medidas de restrição da liberdade impostas pelo ordenamento jurídico
Pensamos que a substituição da pena privativa de liberdade por restrição de direitos é mais benéfica que a suspensão condicional da execução da pena e, para tanto, trazemos a baila a opinião do mestre e amigo, Dr. Cezar Roberto Bitencourt
Deverá o magistrado também verificar se, no caso concreto, não é indicada ou cabível pena restritiva de direitos. Da conjugação dos arts. 44 e 77, II, ambos do Código Penal, conclui-se que a aplicabilidade de penas restritivas de direitos afasta automaticamente a possibilidade de suspensão condicional da execução da pena.
O legislador brasileiro partiu do raciocínio de que as penas restritivas de direitos são de "menor rigor repressivo". E em regra até são, diante da nova regulamentação do sursis exigindo o cumprimento de penas restritivas de direitos no primeiro ano de prazo (art. 78, § 1o, do CP), como uma das condições obrigatórias à suspensão. Porém, nem sempre a espécie de pena restritiva de direitos aplicada em substituição à privativa de liberdade é mais benéfica (Manual de Direito Penal: parte geral. 6ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 585).
A novatio legis não nos dá outra interpretação quanto à suspensão condicional do processo, mas óbvio, sabemos da resistência que teremos no seio da comunidade jurídica que, a todo custo, quer trabalhar com o direito penal do terror, ou simbólico, como se o direito penal fosse a panacéia social.
Adeptos que somos do direito penal mínimo e da intervenção mínima do Estado na esfera dos direitos e liberdades individuais esse é nosso novo entendimento que submetemos a comunidade jurídica.
Queremos com isso mínima intervenção e máximas garantias.
Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, titular do II Tribunal do Júri da Comarca da Capital. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor Adjunto de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Professor Adjunto de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade do Cândido Mendes - Centro. Expositor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Lecionou nos cursos de Especialização e Pós Graduação da Faculdade de Direito de Vitória - ES; Curso de Pós Graduação da Universidade Católica de Petrópolis - UCP. Professor de processo penal do curso de Especialização em Ciências Criminais da Faculdade Jorge Amado- BA e do JuspodiVm. Atualmente é professor do Centro de Estudos, Pesquisa e Atuação em Direito - CEPAD - na cidade do Rio de Janeiro. Autor de diversos artigos de doutrina publicados em sites e revistas jurídicas. Proprietário da home page: www.direitodeliberdade.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RANGEL, Paulo. Suspensão condicional do processo - nova visão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2008, 13:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/40/suspensao-condicional-do-processo-nova-visao. Acesso em: 24 nov 2024.
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