Sumário: 1. Delimitação do Plano de Estudo. 2. A Constituição como Elemento Polarizador da Separação dos Poderes. 3. Atos administrativos e Atos de Governo. 4. A Legitimidade do Poder Judiciário na Aferição das Omissões Administrativas. 5. O Regime Jurídico dos Direitos Sociais. 5.1. Direitos Subjetivos. 5.2. Mandados Constitucionais Endereçados ao Legislador. 5.3. Princípios Diretores. 6. A Sindicação Judicial dos Direitos Sociais à Luz do Paradigma Liberal: O Modelo Americano. 7. A Sindicação Judicial e a Efetividade dos Direitos Sociais à Luz do Modelo Social.
1. Delimitação do Plano de Estudo
A separação dos poderes, a exemplo dos demais princípios estruturantes do Estado de Direito, apresenta-se como mecanismo imprescindível à garantia do exercício moderado do poder e à conseqüente contenção do totalitarismo (1). De modo semelhante às múltiplas vertentes que pode assumir, todas de indiscutível importância na organização do Estado, são igualmente múltiplas as classificações que pode receber.
É possível adotar um critério científico ou jurídico, que indica as características essenciais das funções atribuídas aos diversos órgãos; um critério técnico-organizativo, que trata da repartição das funções entre os distintos órgãos, buscando assegurar o melhor rendimento das instituições; ou mesmo um critério político, com o fim de garantir a satisfação dos interesses de determinada instância social (2).
A análise do princípio unicamente sob o prisma funcional não constituiria óbice a que um mesmo órgão exercesse distintas funções, possibilidade não afastada por Locke, mas, como veremos, combatida por Montesquieu. É preferível, assim, conjugá-la com o sentido orgânico, que busca sistematizar o exercício do poder por distintos órgãos.
Adotando-se uma perspectiva funcional, à função legislativa compete a formação do direito (rule making), enquanto que às funções executiva e judicial é atribuída a sua realização (law enforcement). No entanto, apesar de ser inegável a constatação de que tanto o Executivo como o Judiciário executam a lei, não nos parece correto falar em bipartição do poder (3). O designativo poder, além de indicar o plexo de funções para cuja execução o órgão está finalisticamente voltado, denota uma estrutura organizacional devidamente individualizada, autônoma e que não se encontra hierarquicamente subordinada às demais. Concentrar as funções executiva e judiciária sob a mesma epígrafe poderia comprometer a autonomia que acabamos de realçar, o que, por via reflexa, produziria efeitos sobre a própria independência dos juízes. Preservada a autonomia, o designativo é relegado a plano secundário. Nesse particular, vale lembrar a advertência de Barthélemy e Duez (4), ao ressaltarem que o importante é resguardar a independência dos juízes, sendo irrelevante questionar se o Judiciário “é um poder ou simplesmente uma autoridade do Estado”, pois “ele é o que nós o fizermos, ele terá o nome que arbitrariamente nós lhe dermos”.
Além disso, não é de boa técnica preterir um conceito específico, que melhor designe as peculiaridades e as funções de determinado órgão, por um conceito mais amplo, terminando por enquadrá-lo juntamente com referenciais de análise que ostentem sensíveis diferenças. À função jurisdicional compete velar pela prevalência da norma de direito, atuando nos casos de ameaça ou efetiva violação ou quando a lei o determinar, ainda que não haja violacão. Sua intervenção final, ademais, observada a sistemática legal, será definitiva (final enforcing power), sendo essa a principal característica que a diferencia da outra função de realização da norma (5). Negando-se essa constatação, não haveria porque falarmos, sequer, em funções executiva e legislativa, pois, no fundo, ambas se enquadram na noção mais ampla de exercício da soberania estatal.
No sentido orgânico, a separação dos poderes é analisada sob a perspectiva dos distintos órgãos que exercerão as funções estatais, sendo normalmente referidas as separações horizontal e vertical.
Fala-se em separação horizontal por estarem os diferentes órgãos em posição de igualdade, não sendo divisada qualquer hierarquia ou absorção, somente sendo possível uma relação de dependência entre eles nas hipóteses indicadas na ordem constitucional, o que tem por objetivo estabelecer condicionamentos recíprocos de modo a preservar o equilíbrio institucional e a obstar o surgimento do arbítrio. No sistema brasileiro, os órgãos recebem a denominação de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário (6), o que, como veremos, prestigia a clássica divisão de Montesquieu, sendo esta a nomenclatura que utilizaremos no decorrer da exposição.
Ainda sob a ótica horizontal, também seria possível falar, ao menos teoricamente, em separação “flexível” (v.g.: o modelo parlamentar europeu) e em separação “rígida” (v.g.: o modelo presidencial americano), o que, respectivamente, corresponderia ou não à capacidade de destruição recíproca do Legislativo e do Governo: com a dissolução da Assembléia ou a censura do Governo (7). Esse modelo, evidentemente, apresenta inúmeras nuances quando transposto para a realidade, o que inviabiliza a formação de arquétipos rígidos a seu respeito. De qualquer modo, é inegável que o princípio da separação dos poderes apresentará contornos que variarão conforme os sistemas de organização do poder político: sistemas parlamentar, presidencial e a variante do semi-presidencialismo, que tenderá a se aproximar de um ou outro.
Na linha de evolução do sistema da separação dos poderes, a tradicional confrontação entre Executivo e Legislativo pouco a pouco se apaga e cede lugar às tensões infra-institucionais entre maioria e oposição. Com isto, o dualismo Executivo-Legislativo é substituído por realidades estruturadas em “bloco de governo” e em “bloco de oposição”, o que importa no deslocamento do foco de análise do plano institucional para o plano partidário (8). As inter-relações passam a ser regidas por interesses político-partidários, ensejando a inevitável cisão da unidade institucional e o conseqüente aparecimento de estruturas paralelas, quiçá contrapostas, que influem diretamente nas relações de poder.
Sob a ótica vertical, a separação dos poderes pode ser concebida em duas vertentes: a) nas relações mantidas entre o Estado e os particulares, identificando o alcance do poder de regulação estatal e a esfera remanescente aos particulares; e b) na divisão de competências entre distintas unidades territoriais de poder, o que está associado à forma de Estado adotada (unitário ou federal), sendo múltiplas as vertentes que pode assumir.
A separação de poderes entre o Estado e os particulares ou, melhor dizendo, a repartição e a conseqüente limitação das esferas de atuação, pressupõe o exercício do poder de regulação do Estado, o que definirá a esfera e o respectivo alcance da atividade estatal, bem como a margem de liberdade deixada ao particular. Se o particular não exerce propriamente um “poder”, é inegável a sua aptidão para adotar determinados comportamentos passíveis de alterar a realidade fenomênica. Concebida essa esfera de atuação como um todo unitário, é possível que o Estado delimite, ante a natureza da atividade ou por mera opção política, uma área de atuação exclusiva, concorrente ou mesmo subsidiária. Essa esfera, como afirma Zippelius (9), variará conforme se prestigie uma maior margem de regulação ou uma maior autonomia individual, o que, utilizando-se os princípios da proporcionalidade e da proibição de excesso, deve ser sopesado à luz dos direitos fundamentais. A exemplo das restrições à esfera individual, também as prestações do Estado, como afirma Zippelius (10), devem ser reservadas às situações “em que a auto-regulação e a auto-sustentação, privada ou corporativa, não funcionam tão bem ou melhor”, o que indica a subsidiariedade dessa intervenção.
No Estado unitário, tanto pode ser divisada a concentração dos poderes numa unidade central abrangente de todo o território, como podem existir descentralizações. São espécies desse gênero: a) o Estado regional, em que a Constituição assegura uma real autonomia normativa às coletividades regionais (v.g.: Espanha e Itália), o que em muito o aproxima do Estado Federal; e b) o Estado descentralizado, no qual, em menor medida, são distribuídas determinadas competências a unidades territoriais menores. No Estado composto, ao revés, coexistem múltiplas esferas de poder.
No Estado federal - que pode ser perfeito (também denominado de funcional ou por associação) ou imperfeito (por dissociação) (11), conforme resulte da união de Estados soberanos (v.g.: o modelo americano) ou da divisão de um Estado unitário em parcelas menores, que continuam unidas ao todo mas que passam a exercer determinados poderes políticos (v.g.: os modelos brasileiro, belga e austríaco) – os poderes são exercidos, consoante a disciplina traçada na Constituição, pela Federação e pelos Estados. Os poderes outorgados às unidades federadas tanto podem alcançar as distintas funções estatais (legislativa, executiva e judiciária) como restringir-se a algumas delas (v.g.: os Länder na Áustria (12) e os Municípios no Brasil, unidades federadas que somente possuem os Poderes Executivo e Legislativo).
E ainda, como ressalta Zippelius (13), o estudo da separação e do equilíbrio entre os poderes, longe de manter-se adstrito ao modelo de organização estatal, também avança em direção a múltiplos domínios, o que, a nível interno do Estado, importa na tentativa de manter o equilíbrio entre as forças sociais – em especial o poder das associações e dos meios de comunicação de massa – e, a nível internacional, na prevenção contra hegemonias. Mostra-se igualmente relevante, em especial no Continente Europeu, uma classificação que sistematize o exercício de competências derivadas da Constituição por instituições ou organizações internacionais (14).
O princípio da separação dos poderes, como se constata, tem dimensões amplas. Por essa razão, delimitaremos o plano de estudo ao papel desempenhado pelo Judiciário na concreção dos denominados direitos sociais, o que costuma ensejar discussões sobre a possível tensão com a separação dos poderes. As conhecidas dimensões ou gerações de direitos fundamentais podem ser reduzidas, quanto à postura a ser assumida pelo Estado, em duas categorias. A primeira assume uma feição negativa, limitando ou mesmo vedando a atuação do Estado numa esfera jurídica assegurada ao indivíduo. A segunda categoria, por sua vez, costuma refletir um aspecto positivo, exigindo a atuação do Estado para que os direitos possam transpor o plano ideológico-normativo e alcançar a realidade.
Essa classificação, é importante observar, não pode ser exatamente superposta às diferentes gerações de direitos fundamentais, sendo plenamente factível a necessidade de um atuar positivo do Estado para a garantia das liberdades individuais (v.g.: na manutenção de estruturas jurisdicionais que façam cessar qualquer restrição ilícita à liberdade) ou mesmo uma abstenção para o regular exercício dos direitos sociais (v.g.: na garantia do direito de greve) (15). No entanto, é indiscutível que a preservação das liberdades individuais exige um comportamento essencialmente negativo, enquanto que, em relação aos direitos sociais, a preeminência é do atuar positivo (16). É justamente a essa última vertente que direcionaremos nossa analise.
Na perspectiva de estudo adotada, o Poder Judiciário é contextualizado numa forma de governo democrática, estruturada a partir das relações políticas mantidas entre governantes e governados, do que resulta um lineamento político-constitucional essencialmente distinto daquele que receberia em outros regimes (v.g.: num governo despótico).
A identificação dos limites e das potencialidades do Poder Judiciário na concreção dos direitos sociais deve ser impregnada de uma visão prospectiva, distanciando-se dos dogmas sedimentados pelas clássicas teorias de Locke (17) e de Montesquieu (18), desenvolvidas sob a égide do liberalismo clássico, na medida do necessário à compreensão das relações institucionais travadas num Estado Social (19). À delimitação material da esfera de atuação judicial contribui a distinção entre atos administrativos e atos de governo e, sob o prisma da legitimação democrática, assume especial importância o papel desempenhado pela ordem constitucional. Além disso, o referencial desloca-se da potestate e alcança a pessoa, epicentro do Estado Social e Democrático de Direito, com o que se almeja demonstrar a necessidade de serem redimensionadas concepções sedimentadas em momento histórico diverso.
2. A Constituição como Elemento Polarizador da Separação dos Poderes
A denominada constituição moderna, isto para utilizarmos a expressão de Gomes Canotilho (20), é caracterizada como um documento escrito, que traça a ordenação sistêmica e racional da comunidade política, assegurando um conjunto de direitos fundamentais e estabelecendo diretrizes e limites ao exercício do poder político.
Face à sua estrita correlação com o poder político, a Constituição não pode ser vista e analisada como um corpo asséptico, distante e indiferente às estruturas ideológicas presentes na ordem social. O poder político reflete as ideologias existentes e a Constituição o limita e direciona, o que enseja uma interpenetração entre as diferentes ordens. Assim, é inevitável a influência dos influxos ideológicos na ordem constitucional, o que permitiria falar, segundo Howard (21), em constituições socialistas, refletindo os princípios marxistas-leninistas; em constituições liberais, que realçam as teorias individualistas; e em constituições mistas, nas quais a interseção de direitos positivos e negativos é mais acentuada.
Em sociedades pluralistas, locus adequado ao pleno desenvolvimento da democracia, a Constituição tende a refletir, consoante a aceitabilidade de cada qual, as convergências e as divergências existentes entre as distintas forças políticas e sociais: daí se falar em Constituição compromissória, produto do “pacto” estabelecido entre referidas forças (22).
Além de presentes em sua formação, as diferentes ideologias sociais também se refletirão na interpretação da Constituição, pois, tendo ela uma estrutura que congrega normas de natureza preceitual e principiológica, os valores sociais que corporificam o conteúdo de seus princípios e direcionam a aplicação de suas regras lhe conferem uma textura eminentemente aberta (23), possibilitando uma contínua adequação às forças políticas e sociais.
Por ser inevitável a influência de inúmeras variantes ideológicas em sua formação e interpretação, deve a Constituição, sem prejuízo de sua unidade sistêmica, ser aplicada de modo a potencializar suas normas e a alcançar os distintos fins visados. Relegando a plano secundário as diferentes “individualidades” que compõem o figurino constitucional, correr-se-á o risco de prestigiar determinados valores em detrimento de outros dotados de igual legitimidade. Interpretar os direitos sociais à luz do pensamento liberal oitocentista poderá gerar iniqüidades somente comparáveis à tentativa de preservação das liberdades individuais a partir da ideologia marxista-leninista.
Não se sustenta, é evidente, o isolamento das normas constitucionais em compartimentos estanques, destituídos de qualquer influência recíproca. Fosse assim, não se poderia falar em unidade ou mesmo em ordem constitucional. O que se afirma, em verdade, é que a interpretação da norma constitucional exige sejam devidamente sopesados os influxos ideológicos nela diretamente refletidos e, somente num segundo momento, deve ser a norma compatibilizada com os demais influxos recepcionados pela Constituição. Com isto, preserva-se a essência da Constituição compromissória, evitando que o pluralismo de forças termine por ser desvirtuado e anulado, bem como assegura-se a manutenção da harmonia entre elas, prestigiando as opções fundamentais do Constituinte e o princípio da unidade constitucional.
Especificamente em relação à preservação do interesse social, pode-se dizer, de forma simplista, que a interpretação de suas potencialidades deve ser devidamente compatibilizada com os influxos liberais igualmente prestigiados pela ordem constitucional. Ainda que à propriedade seja assegurada uma função social, não pode o seu titular, sem qualquer compensação, ser dela integralmente privado; sendo prevista a prisão unicamente como sanção, não como meio de coerção processual, não se pode restringir a liberdade de um indivíduo para compeli-lo à prática de determinado ato de interesse coletivo; etc.
A interpretação do princípio da separação dos poderes, como não poderia deixar de ser, não configura exceção à proposição já enunciada. Se é certo que a preservação das liberdades individuais, em linhas gerais, pressupõe uma atitude abstencionista do Poder Público, o que direciona a atuação dos órgãos jurisdicionais a essa ótica de análise, não menos certo é que os direitos sociais normalmente pressupõem um atuar positivo, o que, em sendo necessário, exigirá uma atuação diferenciada dos referidos órgãos. O que se mostra inconcebível é transpor parâmetros de tutela e paradigmas de convivência institucional essencialmente voltados à preservação da liberdade para um campo em que se mostra essencial um facere estatal.
Cabe à ordem constitucional, a partir dos diferentes influxos ideológicos que, explícita ou implicitamente, nela se materializaram, atuar como elemento polarizador do princípio da separação dos poderes. A contemplação de um extenso rol de direitos econômicos, sociais e culturais ou mesmo a exigência de preservação da dignidade da pessoa humana, o que pressupõe o fornecimento de um rol mínimo de prestações, indica uma opção ideológica que deve ser prestigiada na interpretação dessas normas constitucionais, tendo influência direta em princípios reitores do sistema, como o da separação dos poderes.
A fórmula Estado Social e Democrático de Direito indica claramente a imperativa observância de determinados padrões de conduta, quer sejam omissivos, quer sejam comissivos, daí se falar em Estado de Direito; a necessária participação popular no exercício do poder político, com a conseqüente aceitação das normas dela derivadas, o que justifica o designativo Estado Democrático; e, the last but not the least, a integração dos órgãos de poder com o objetivo de assegurar o progresso social e uma existência digna, tendo em vista a consecução do bem-comum (24), perspectiva que delineia os contornos do Estado Social.
A sindicação dos atos e das omissões da Administração assumirá uma perspectiva diferente daquela formada por influência do liberalismo, cujo objetivo principal era obstar o avanço sobre esferas resguardadas ao indivíduo. Em se tratando de direitos sociais, a Administração deve penetrar em determinadas áreas essenciais ao indivíduo e realizar as prestações necessárias à sua concretização, o que exigirá uma ótica de análise distinta, essencialmente voltada à aferição das omissões administrativas. Essa constatação permite concluir que as inter-relações mantidas entre os Poderes Executivo e Judiciário não devem ser concebidas numa linearidade indiferente aos influxos ideológicos que exijam um facere ou um non facere estatal. Com isso, será possível descortinar, na própria Constituição, a legitimidade do Poder Judiciário na aferição de comportamentos aparentemente envoltos no outrora inexpugnável manto da discricionariedade administrativa.
3. Atos administrativos e Atos de Governo
Sustentando-se a possibilidade de sindicação das omissões da Administração na implementação dos direitos prestacionais, torna-se necessário delimitar, com a maior exatidão possível, a esfera reservada ao exercício do poder político, seara caracterizada pela liberdade valorativa e, em regra, de reduzida sindicabilidade. Relegando esse imperativo a plano secundário ou não sendo ele executado a contento, será inevitável o choque entre concepções que, não obstante derivadas do Direito, recebem seus influxos de modo nitidamente variável: é essa a tensão que se manifesta entre órgãos jurisdicionais e órgãos políticos ao interpretarem a norma. Como lembra Guettier (25), é justamente a singularidade dessa situação que explica uma atitude de reserva dos juízes ao definirem a extensão de seu controle sobre atos emanados de órgãos políticos.
Os atos políticos, na concepção aqui tratada, são atos de conteúdo não-normativo da função política, regidos pela Constituição e que só podem ser corretamente entendidos na perspectiva do sistema de governo e das relações entre os seus respectivos órgãos (26). São instrumentos pelos quais se explicam as funções de direção, de governo e de controle do Estado, do que são exemplos a declaração de guerra e a convocação do Parlamento (27).
A delimitação do controle a ser exercido pelos juízes pressupõe a compreensão da dicotomia entre atos de governo e atos administrativos: os primeiros, como manifestação do poder político, sofreriam um controle restrito; os segundos, por derivarem de uma atividade essencialmente circunscrita aos contornos da legalidade, em regra, estariam sujeitos a um controle amplo – a exceção, por sua vez, derivaria da margem de liberdade inerente à noção de poder discricionário (28), o que enseja, igualmente, um controle restrito.
Os atos de governo, face à sua própria natureza, estarão sujeitos, em maior intensidade, a um controle de ordem política, a ser realizado pelo Parlamento (v.g.: com o mecanismo do impeachment), pelo povo (v.g.: por ocasião das eleições) ou mesmo por órgãos com competência nitidamente jurisdicional. Na França, as nomeações para cargos civis e militares do Estado - previstas no art. 13, no 2, da Constituição como de competência do Presidente da República, com a aquiescência do Primeiro Ministro –, outrora puramente discricionárias, pois dotadas de um acentuado cunho político, têm sido objeto de controle pelo Conselho de Estado sob a ótica do “erreur manifeste d’appréciation”. Nesses casos, verifica-se a própria adequação das aptidões do indivíduo ao posto a ser ocupado ou à tarefa a ser cumprida (29).
Guettier (30), após ressaltar o perigo de se deixar que atos fundados em “raison d’État” escapem a qualquer controle, lembra que a jurisprudência administrativa francesa tem evoluído no sentido de restringir, progressivamente, o domínio dos atos de governo. De qualquer modo, a impossibilidade de sindicação ainda é prestigiada no quadro das relações entre o Executivo e os demais poderes e nas relações internacionais. Consoante a jurisprudência do Conselho de Estado, à luz da Constituição francesa, são exemplos de atos insindicáveis: a nomeação do Primeiro Ministro (art. 8, al. 1er), a submissão de projetos de lei a referendo (art. 11), o decreto de dissolução da Assembléia Nacional (art. 12), as mensagens presidenciais ao Parlamento (art. 18), a nomeação de três membros do Conselho Constitucional, assim como do Presidente, e a provocação do Conselho (arts. 54, 56 e 61) (31).
A liberdade característica dos atos de governo, por estar inserida num sistema unitário e teleologicamente voltado à consecução do bem comum, recebe temperamentos da ordem constitucional, que limita e condiciona o seu exercício. Nesse particular, merecem especial realce as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias, que surgem como parâmetros de controle do poder discricionário da Administração, com a conseqüente invalidade dos atos que deles destoem (32). O espectro de liberdade, ademais, sofre sensíveis alterações, que variarão consoante o grau de densidade das normas de patamar superior nas quais se assente o ato. É inequívoco que uma norma constitucional meramente programática (v.g.: o Estado zelará pelo bem-estar das crianças) deixa uma ampla liberdade de conformação ao Legislativo e ao Executivo. Em razão inversa, nos parece igualmente inequívoco que a previsão constitucional de atuação prioritária em determinada área (v.g.: na proteção das crianças), acrescida de uma disciplina infraconstitucional definidora das medidas a serem adotadas (v.g.: prestação do ensino), em muito reduz a margem de liberdade do Executivo.
Ainda que a Constituição e o legislador infraconstitucional, como é normal, disponham sobre inúmeras outras atribuições correlatas do Executivo, sem definir o momento em que cada uma delas deva ser implementada, não se mostra ampla e irrestrita a sua liberdade de “opção política”. Com efeito, a ausência de um indicador temporal específico pode ser substituída, com vantagem, pela imposição de tratamento prioritário à matéria, o que conferirá um caráter residual à referida liberdade, que somente ressurgirá, em relação às atribuições correlatas, após o atendimento daquela considerada prioritária. Inexistindo previsão como essa, os contornos da liberdade se tornarão mais fluidos, porém, não fluidos o suficiente a ponto de inviabilizar todo e qualquer controle.
Em qualquer Estado democrático, é o indivíduo que ocupa o epicentro da ordem jurídica, erigindo-se como razão de ser e fim último de toda e qualquer atividade estatal. Esse status, normalmente indicado com o imperativo respeito à dignidade da pessoa humana ou com a previsão constitucional de um extenso rol de direitos, bem demonstra que qualquer ato político deve ser praticado de modo a não macular o seu conteúdo mínimo.
Ao sopesar os distintos atos materiais passíveis de serem praticados, deve o Executivo realizar a análise dos valores envolvidos e identificar aqueles que, à luz das circunstâncias fáticas e jurídicas, possuam maior peso. Tal operação, que redundará numa opção essencialmente política, em rigor, será insindicável. No entanto, demonstrando-se que valores essenciais à dignidade da pessoa humana foram preteridos por outros de peso nitidamente inferior, a opção se mostrará destoante da Constituição e, ipso iure, inválida (v.g.: não será legítima a opção pela contínua alteração das cores de uma escola em detrimento do pagamento dos professores ou da aquisição de alimentos para os alunos carentes). Não obstante a plasticidade dessa afirmação, é evidente a dificuldade encontrada na exata delimitação daquilo que se deve entender por dignidade da pessoa humana. Apesar disso, serão identificadas com relativa facilidade zonas de certeza positiva e zonas de certeza negativa, indicando, respectivamente, a observância ou a inobservância dos padrões de dignidade. A esfera de liberdade, assim, ficará restrita a uma zona intermédia, impregnada por intenso subjetivismo e insuscetível de controle judicial.
Ultrapassada a esfera de liberdade, não se poderá falar em indébita intromissão do Poder Judiciário em atividade desenvolvida por outro poder. Como observa Cristina Queiroz (33), “existem conflitos puramente políticos, insuscetíveis de conformação-subsunção normativa e, por outro, conflitos políticos em que apesar de tudo essa conformação é possível, pelo que se encontram sujeitos a um ‘direito judicial de controle’”. O princípio da separação dos poderes, como dissemos, é polarizado pela Constituição e pelos valores nela consagrados, possuindo a flexibilidade necessária para assegurar a preeminência da dignidade da pessoa humana.
4. A Legitimidade do Poder Judiciário na Aferição das Omissões Administrativas
Em um primeiro plano, deve-se ressaltar que a ratio do controle exercido pelo Poder Judiciário, longe de buscar a sedimentação de uma superioridade hierárquica no plano institucional ou a frívola ingerência em seara inerente ao Executivo, é a de velar para que o exercício do poder mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência. Dessa forma, não se identificará um juízo censório ou punitivo à atividade desenvolvida por outro poder, mas, sim, uma relevante aplicação do sistema de “freios e contrapesos”, inerente ao regime democrático e cujo desiderato final é garantir o bem-estar da coletividade.
Esse controle, no entanto, provocará uma inevitável tensão entre dois valores indispensáveis ao correto funcionamento do sistema constitucional: o primeiro indica que o poder de decisão numa democracia deve pertencer aos eleitos - cuja responsabilidade pode ser perquirida – e, o segundo, a existência de um meio que permita a supremacia da Constituição mesmo quando maiorias ocasionais, refletidas no Executivo ou no Legislativo, se oponham a ela (34). Uma forma de harmonizar os dois aspectos dessa dialética é a contemplação dos direitos sociais na própria Constituição, o que, retirando um irrestrito poder de decisão das maiorias democráticas, permite aos juízes decidir se tais direitos devem ser reconhecidos (35).
É importante observar que o equilíbrio propiciado pela separação dos poderes, de indiscutível importância na salvaguarda dos indivíduos face ao absolutismo dos governantes, também contém os excessos da própria democracia. O absolutismo ou mesmo o paulatino distanciamento das opções políticas fundamentais fixadas pelo Constituinte pode igualmente derivar das maiorias ocasionais, as quais, à mingua de mecanismos eficazes de controle, podem solapar as minorias e comprometer o próprio pluralismo democrático. Por tal razão, não se deve intitular uma decisão judicial de antidemocrática pelo simples fato de ser identificada uma dissonância quanto à postura assumida por aqueles que exercem a representatividade popular. Não se afirma, é certo, que a democracia seja algo estático, indiferente às contínuas mutações sociais. No entanto, ainda que a vontade popular esteja sujeita a contínuas alterações, o que resulta de sua permanente adequação aos influxos sociais, refletindo-se nos agentes que exercem a representatividade popular, ela deve manter-se adstrita aos contornos traçados na Constituição, elemento fundante de toda a organização política e que condiciona o próprio exercício do poder.
Não merece acolhida, inclusive, a tese de uma possível supremacia do Judiciário em relação aos demais poderes. As suas vocações de mantenedor da “paz institucional” e de garantidor da preeminência do sistema jurídico assumem especial importância no Estado Social moderno, no qual aumenta a importância do Estado em relação ao indivíduo, com a correlata dependência deste para com aquele, exigindo do Judiciário o controle dessa relação (36).
Robert Alexy (37), embora discorrendo sobre a competência do Tribunal Constitucional, profere lição que em muito contribui para a elucidação da tensão dialética acima enunciada. Segundo ele, “a chave para a resolução é a distinção entre a representação política e a argumentativa do cidadão”. Estando ambas submetidas ao princípio fundamental de que todo o poder emana do povo, é necessário compreender “não só o parlamento mas também o tribunal constitucional como representação do povo”. Essa representação, no entanto, se manifesta de modo distinto: “o parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal constitucional argumentativamente”, o que permite concluir que este, ao representar o povo, o faz de forma “mais idealística” que aquele. Ao final, realça que o cotidiano parlamentar oculta o perigo de que faltas graves sejam praticadas a partir da excessiva imposição das maiorias, da preeminência das emoções e das manobras do tráfico de influências, o que permite concluir que “um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo, senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos”. A lição do mestre germânico pode ser transposta, sem hesitação, às relações enter o Judiciário e o Executivo, pois também este deve atuar em harmonia com a ordem constitucional, limite incontornável traçado pelo Constituinte, cabendo ao Judiciário assegurar que tal ocorra.
Conferindo-se à Constituição a condição de elemento polarizador das relações entre os poderes, torna-se evidente que os mecanismos de equilíbrio por ela estabelecidos não podem ser intitulados de antidemocráticos. Além disso, a ausência de responsabilidade política dos membros do Poder Judiciário não tem o condão criar um apartheid em relação à vontade popular. Na linha de Bachof, o juiz não é menos órgão do povo que os demais, pois, mais importante que a condição de mandatário do povo é a função desempenhada “em nome do povo” (38), aqui residindo a força legitimante da Constituição. Essa fórmula, aliás, mereceu consagração expressa no art. 202, no 1, da Constituição portuguesa: “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (39).
Com o evolver do Estado Social de Direito, o Poder Judiciário passa por modificações que em muito o distanciam do modelo teórico inicialmente idealizado para a separação dos poderes: zela pela adstrição das funções executiva e legislativa à lei e ao Direito, inclusive com o salvaguarda da supremacia da Constituição em alguns sistemas; é potencializada sua função institucional de apreciar as lesões ou ameaças de lesão aos direitos das pessoas, adotando as providências pertinentes ao caso; e assegura a proteção dos direitos fundamentais, que ultrapassam a vertente essencialmente abstencionista, característica das liberdades individuais, e alcançam os direitos econômicos, sociais e culturais, que pressupõem um atuar positivo por parte do Estado.
Releva observar que o Poder Judiciário, em sua atividade de realização do Direito, a partir da valoração da situação fática e do regramento posto pelo Legislativo, será responsável pela confecção da regra que regerá o caso concreto. Nesse particular, é visível o aperfeiçoamento da doutrina positivista clássica, na qual o comando normativo era exaurido pelo legislador, após sopesar a realidade fenomênica, cabendo ao intérprete, unicamente, a realização de uma operação de subsunção, sendo ínfima a liberdade de conformação, ainda que direcionada ao caso concreto (40). Atualmente, raras são as vozes que se insurgem contra a imprescindibilidade da atividade do intérprete no papel de agente densificador do conteúdo normativo editado pelo legislador, maxime com a intensificação do uso de princípios jurídicos, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, que somente serão passíveis de individualização com a identificação dos valores que lhes são subjacentes.
5. O Regime Jurídico dos Direitos Sociais
O reconhecimento de direitos sociais, como o direito ao trabalho e à ajuda social, ambos centrados na noção de solidariedade social, somente começou a se generalizar nas primeiras Constituições do século XX, do que são exemplos a Constituição mexicana de 1917, a soviética de 1918 e a alemã de 1919 (41). Não obstante as flagrantes limitações de ordem econômica, é verificada a intensificação da intervenção estatal e o alargamento do seu âmbito de incidência a partir da Segunda Guerra Mundial, daí se falar em Estado Providência (42).
Os direitos sociais, longe de interditarem uma atividade do Estado, a pressupõem. Indicam, em regra, a necessidade de intervenção estatal visando ao fornecimento de certos bens essenciais, que poderiam ser obtidos pelo indivíduo, junto a particulares, caso dispusesse de meios financeiros suficientes e encontrasse uma oferta adequada no mercado (43). Esses direitos devem ser moldados consoante critérios de subsidiariedade, somente se justificando a prestação estatal no caso de as circunstâncias inviabilizarem a sua obtenção direta pelo beneficiário em potencial.
Segundo Weber (44), a expressão direitos sociais, que é eminentemente ambígua, permite o seu enquadramento como direitos subjetivos, mandados constitucionais endereçados ao legislador ou princípios diretores, classificação que deve atentar para a essência das normas, não para o designativo que lhes seja arbitrariamente atribuído (45). Principiando pelos direitos subjetivos, essa classificação indica uma escala nitidamente decrescente em termos de densidade normativa e de potencial exigibilidade.
5.1. Direitos Subjetivos
Os direitos sociais, na medida em que a estrutura normativa o permita, podem assumir o contorno de direitos subjetivos (v.g.: o direito à liberdade de associação sindical, assegurado aos trabalhadores nas Constituições brasileira e portuguesa), gerando obrigações concretas para a sociedade e para o Estado (v.g.: a retribuição do trabalho, sendo vedado o escravismo).
A característica de norma “self-executing” é normalmente reservada aos direitos sociais que impõem obrigações negativas ao Estado, não estando estritamente correlacionados ao dispêndio de recursos públicos para a sua implementação. Quanto aos direitos cuja implementação pressuponha, como conditio sine qua non, a realização de investimentos públicos, sua intensidade e extensão variarão conforme as disponibilidades, assumindo, em regra, a natureza de normas essencialmente programáticas.
Tratando-se de direitos que exijam um atuar positivo, em regra, não costumam ser interpretados como diretamente invocáveis a partir de normas constitucionais, pressupondo, ante o seu acentuado grau de indeterminação, a intermediação do legislador, que fixará suas condições e dimensões, bem como a respectiva fonte de custeio (46).
Em essência, é esse um dos diferenciais indicados pela doutrina em relação às liberdades fundamentais, para as quais é estabelecido um regime de aplicabilidade direta e de proteção reforçada face ao legislador (47). No entanto, como veremos, é possível que, à luz das circunstâncias do caso, a densidade normativa dos direitos sociais seja auferida junto ao princípio da dignidade humana, cuja carga axiológica a eles se integrará.
5.2. Mandados Constitucionais Endereçados ao Legislador
Os mandados constitucionais (48) endereçados ao legislador apresentam características essencialmente programáticas e impõem determinados objetivos a serem alcançados. Além disso, a exemplo dos princípios diretores, servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade (por ação ou por omissão), prestam um relevante auxílio na interpretação das normas infraconstitucionais (49), podem obstar o retrocesso social (50) e exigem que todos os atos emanados do Poder Público, de natureza normativa ou não, sejam com eles compatíveis. Por sua própria natureza, atingem domínios potenciais de aplicação que se espraiam por searas não propriamente superpostas a parâmetros indicadores de um conteúdo mínimo de justiça social.
Weber (51), realizando uma resenha da jurisprudência dos tribunais de alguns países cujas respectivas Constituições consagram os direitos sociais, observa que o Tribunal Constitucional espanhol os interpreta como mandados constitucionais (52), afastando a sua aplicação imediata, o mesmo ocorrendo com o português, segundo o qual tais normas “prescrevem objetivos constitucionais concretos e definidos e não somente diretrizes vagas e abstratas” (53).
Também o Tribunal Constitucional italiano, apesar de considerar, por exemplo, o direito à saúde como um direito subjetivo (diritto primario e fondamentale), exige a interposição legislativa, que igualmente disciplinará os respectivos aspectos financeiros (54). Os direitos sociais que exijam uma prestação estatal não podem ser invocados com base direta no texto constitucional, sendo necessária a intermediação do legislador para a definição dos seus contornos essenciais.
Esse entendimento foi preconizado pelo Tribunal Constitucional na Sentença no 455, de 16 de Outubro de 1990 (55), que versava sobre o alcance do direito à saúde previsto no art. 32 da Constituição italiana. Na ocasião, o Tribunal reconheceu o valor constitucional desse direito, sua primariedade e fundamentalidade, bem como a inviolabilidade correlata à sua natureza quando em confronto com outros interesses constitucionais protegidos (56).
A tutela do direito à saúde, no entanto, “se articula em situações jurídicas subjetivas diversas, dependendo da natureza e do tipo de proteção que o ordenamento constitucional assegura em benefício da integridade e do equilíbrio físico e psíquico da pessoa humana nas relações jurídicas surgidas em concreto”.
Com isto, instituiu uma dicotomia na estrutura do direito à saúde, que albergaria: a) um direito de defesa, consagrando uma obrigação erga omnes e assegurando a proteção da integridade físico-psíquica da pessoa contra agressões praticadas por terceiros, direito imediatamente garantido pela Constituição e passível de ser tutelado pelos tribunais; e b) um direito a prestação, que pressupõe a prévia “determinação, por parte do legislador, dos instrumentos, do tempo e do modo em que se efetivará a respectiva prestação”.
A atuação do legislador seria necessária para o fim de realizar a ponderação entre os diversos interesses protegidos pela ordem constitucional, identificando os recursos disponíveis no momento da operacionalização desse direito e a quem será atribuída, na sua estrutura organizacional, a responsabilidade de implementá-lo.
Essa posição é criticada por Daniela Bifurco (57), que visualiza, no percurso argumentativo do Tribunal, conferindo-se exclusividade ao legislador na ponderação dos interesses concorrentes e no dimensionamento dos custos e dos recursos disponíveis, um condicionamento do direito à saúde e, indiretamente, a sua própria negação quando detectada a inércia do legislador (58). Realça, no entanto, alguns aspectos decisivos da decisão, como a atribuição de uma certa “primazia axiológica” ao direito à saúde ao reconhecer a sua inviolabilidade, daí decorrendo a característica da irretratabilidade, que é típica dos direitos invioláveis e assegura a observância do seu conteúdo mínimo e essencial, consagrando a proibição de retrocesso (59).
Na França, embora a Constituição de 1958 não contenha um rol de direitos sociais a serem assegurados pelo Estado, o preâmbulo da Carta de 1946, a ela integrado, veicula importantes disposições a respeito da matéria. Consoante a alínea dez, “a Nação assegura ao indivíduo e à família as condições necessárias ao seu desenvolvimento”, acrescendo a alínea 11 que “ela assegura a todos, às crianças, às mães e aos trabalhadores idosos, a proteção da saúde, a segurança material, o repouso e o lazer...”
Analisando tais dispositivos em questões afeitas à sua competência, que não alcança a análise de casos concretos, o Conselho Constitucional tem afirmado que incumbe ao legislador e, se for o caso, à autoridade regulamentar, determinar, “em respeito aos princípios constantes dessas disposições, as modalidades concretas de sua execução” (60). E ainda, contextualizando sua análise no âmbito das ajudas sociais, acrescenta que as exigências constitucionais decorrentes dessas disposições implicam na “execução de uma política de solidariedade social em favor da família”, sendo deixada ao legislador a liberdade de escolha das modalidades de ajuda que lhe pareçam mais apropriadas (61).
Associando esses preceitos ao “princípio da salvaguarda da dignidade da pessoa humana”, decorrente da primeira alínea do preâmbulo, reconheceu o Conselho Constitucional que “a possibilidade de toda pessoa dispor de uma habitação decente é um objetivo de valor constitucional.” (62) Embora não esteja expressamente inscrito numa norma constitucional, decorreria dos princípios contemplados no preâmbulo. No entanto, como anotam Favoreau e Philip (63), um “objetivo de valor constitucional” não pode ser considerado propriamente uma “norma constitucional de pleno valor”, podendo ceder mais facilmente quando em colisão com outra necessidade de interesse geral ou com um direito fundamental (v.g.: o direito de propriedade), sendo menos protegido que estes.
O entendimento do Conselho Constitucional, apesar de não adentrar em pretensões específicas que visem à concreção dos direitos sociais, deixa claro que das referidas normas não podem ser deduzidos direitos subjetivos e que a sua integração e especificação competem ao legislador, em clara reverência ao princípio da separação dos poderes. Apesar de veicularem “princípios” ou “valores constitucionais” (64), seu efeito mais concreto seria o de impedir a revogação de normas que consagrem os direitos sociais sem que outras de natureza similar às substituam (65). A sua integração ao Direito Positivo indica uma exigência constitucional, mas a vagueza dos seus termos impede sejam eles diretamente invocados para alicerçar uma qualquer pretensão perante os órgãos competentes, tendo uma natureza essencialmente programática (66).
Quanto ao direito à saúde, Favoreau e Philip (67) acenam com uma clara evolução da jurisprudência do Conselho Constitucional: num primeiro momento (decisão de 15 de Janeiro de 1975), invocou o princípio previsto no preâmbulo e o considerou como parte integrante do Direito Positivo; posteriormente (decisão de 18 de Janeiro de 1978), aceitou apenas examinar se uma lei colide com o direito à saúde; e, recentemente (decisão de Janeiro de 1991), reconheceu o direito à proteção da saúde tal qual enunciado no referido Preâmbulo.
Especificamente em relação à concretização dos direitos sociais, em regra, o Conselho de Estado não tem reconhecido nas normas que os contemplam uma densidade normativa suficientemente forte a ponto de serem considerados verdadeiros direitos subjetivos. O Conselho de Estado teve oportunidade de afirmar que o “direito à ajuda social constitui, acima de tudo, uma declaração de princípio”, não gerando direitos subjetivos (68). Por essa razão, não seria conveniente confiar o seu respeito a um organismo de natureza jurisdicional, cujo fim precípuo é o de aplicar as regras jurídicas.
A doutrina, no entanto, acena com a evolução desse entendimento, que importaria, no exemplo mencionado, no reforço do caráter jurídico da ajuda social aos desfavorecidos (passagem da assistência ao efetivo direito à ajuda social), permitindo a tomada de consciência de que os quadros jurídicos tradicionais sofreram uma mudança de natureza (69). Essa apreensão da realidade, requisito indispensável à integração da norma, seria realizada pelos órgãos jurisdicionais, não importando em qualquer mácula ao princípio da separação dos poderes.
Apesar disso, a extensão indefinida do Estado Providência jamais poderá ser assegurada. Dois fatores contribuem de forma decisiva para essa retração dos direitos prestacionais: a “crise econômica generalizada”, que inviabiliza o atendimento de todas as necessidades individuais e a “crise ideológica”, sob a forma de dúvidas quanto à solidariedade anônima e à igualdade como finalidade social, o que dificulta a integração da norma pelos órgãos jurisdicionais (70).
5.3. Princípios Diretores
No que concerne aos princípios diretores, cuja imperatividade decorre de seu caráter normativo, traduzem o “reconhecimento da idéia de solidariedade, de justiça social, de igualdade factual e de complementaridade entre as liberdades individuais e suas condições sociais” (71), veiculando parâmetros essenciais que, como vimos em relação aos mandados constitucionais endereçados ao legislador, devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação.
A maior fluidez que ostentam, que advém de sua estrutura principiológica e da não indicação de uma diretriz específica a ser seguida, lhes confere uma densidade normativa inferior aos mandados constitucionais.
Ainda que, a priori, ostente a forma de princípio diretor ou de mandado endereçado ao legislador, o respeito à dignidade humana pode transmudar-se em direito subjetivo quando, à luz do caso concreto, se mostrarem imprescindíveis determinadas prestações que se encontrem ao abrigo de um quadro axiológico já sedimentado no grupamento. Nesses casos, será possível exigir um facere estatal para atender a um rol mínimo de direitos.
6. A Sindicação Judicial dos Direitos Sociais à Luz do Paradigma Liberal: O Modelo Americano
No modelo americano, a concepção teórica de Montesquieu foi aprimorada e o Judiciário elevado ao mesmo nível dos demais poderes, o que, juntamente com um elaborado sistema de recíproca limitação e colaboração (checks and balances), resultou num maior equilíbrio entre os poderes. Contrariamente ao que viria a ocorrer no sistema francês pós-revolucionário, foi grande a preocupação em se evitar que os demais poderes fossem subjugados pelo Legislativo, o que inevitavelmente conduziria ao arbítrio do regime de assembléia.
Em termos de inter-relação com os demais poderes, merecem especial relevo o caráter vinculativo dos precedentes (stare decisis), próprio dos sistemas de common law, e a atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário na aferição da compatibilidade entre a Constituição e as normas editadas pelos órgãos competentes (judicial review).
O importante papel desempenhado pelo Judiciário na mediação dos conflitos institucionais e na garantia dos direitos fundamentais começou a se delinear, em 1803, no julgamento do caso Marbury v. Madison (72), em que a Suprema Corte, sob a presidência de John Marshall, reconheceu a sua competência para a aferição da compatibilidade de uma lei com a Constituição. É relevante observar que, apesar de o art. VI da Constituição americana dispor que todas as leis “editadas em conformidade com a Constituição” constituem a lei suprema do País, o que indica o seu caráter fundante de toda a ordem jurídica, nenhuma norma dispunha sobre a forma de efetivação dessa supremacia constitucional ou mesmo que incumbia à Suprema Corte declarar a invalidade de uma lei dissonante da Constituição.
Com o evolver do judicial review of legislation, que assegurava a fiscalização da constitucionalidade por todo e qualquer tribunal (73) e, em especial, com as decisões adotadas pela Suprema Corte em relação a inúmeras medidas que compunham o New Deal, declarando a sua incompatibilidade com a Constituição, foram vigorosas as vozes que se insurgiram contra a aparente formação de um “judges government”, que poderia comprometer a liberdade de conformação do legislador e o próprio princípio democrático.
Objetivando conter os inevitáveis males que um exagerado ativismo judicial poderia gerar, fazendo com que as concepções sociais, políticas, econômicas e ideológicas do Judiciário substituíssem aquelas próprias do Legislativo, os tribunais têm restringindo a sua atividade de valoração das opções do legislador (self-restraint). Derivam dessa construção jurisdicional, que visa à preservação da validade das normas, figuras como a interpretação conforme, que indica a alternativa interpretativa compatível com a Constituição, excluindo as demais, ou o reconhecimento de uma inconstitucionalidade parcial, que preserva a parte da norma que não se apresente incompatível com a Constituição (74).
O ativismo da Suprema Corte também se refletiu em posições amplamente favoráveis às liberdades individuais, como as decisões tomadas nos anos sessenta, sob a presidência de Earl Warren, em que as disposições do Bill of Rights, em sua origem restritas aos atos federais, passaram a ser aplicadas aos Estados (75).
Tanto o caráter vinculativo dos precedentes como o controle de constitucionalidade geram intensos reflexos na eficácia dos padrões normativos emanados do Legislativo. Na medida em que os órgãos jurisdicionais inferiores estão vinculados à interpretação do Direito fixada pelos órgãos de hierarquia superior, é inegável que as decisões dos últimos, ainda que de forma indireta, possuem uma acentuada carga normativa, moldando os atos emanados do Legislativo e lhes conferindo uma relativa generalidade. No controle de constitucionalidade, do mesmo modo, os tribunais podem atuar como verdadeiros “legisladores negativos”, declarando a invalidade de normas emanadas do poder competente.
Em relação aos direitos sociais, diversamente ao que se verifica na generalidade dos países, cujas noviças Constituições costumam contemplá-los em larga escala, não foram eles previstos na Constituição de 1787 ou em qualquer de seus posteriores aditamentos. No entanto, são evidentes as transformações por que passou a sociedade norte-americana nos últimos dois séculos, o que certamente não encontra ressonância imediata em postulados como a preeminência da liberdade individual ou a separação dos poderes, idéias inspiradoras dos “founding fathers”. Esse quadro, em linha de princípio, poderia ser superado com uma interpretação prospectiva da Constituição, permitindo a sua contínua adequação aos influxos sociais e a proteção de direitos originariamente não alcançados pelo liberalismo de seus fundadores.
Analisando a questão, observa Howard (76) que a ausência de previsão constitucional justifica a timidez com que a matéria tem sido tratada nos tribunais, quadro este que não se mostra uniforme no âmbito dos Estados, cujas Constituições, em razão das peculiaridades do federalismo norte-americano, regulam inúmeras matérias, incluindo os direitos sociais, que não receberam tratamento específico no âmbito federal. A proteção de determinado direito, no entanto, pode ser elevado a nível constitucional a partir do momento em que seja identificado um senso comum sobre a sua fundamentalidade (77), a exemplo do que ocorreu no Case Shapiro v. Thompson (78), em que a Suprema Corte declarou a invalidade de leis estaduais que recusavam a assistência social aos residentes a menos de um ano no Estado, pois privavam determinadas famílias da ajuda mínima necessária à sua sobrevivência, violando a cláusula da equal protection of laws (79). Ainda segundo Howard (80), após a década de setenta, a Corte, a partir da presidência de Warren Burger, não mais recepcionou a utilização dessa cláusula como fundamento de proteção dos direitos sociais, tendo o Justice White, no Case Lindsay v. Normer (81) afirmado que “a Constituição não contém remédios jurídicos a todos os males sociais e econômicos”.
Entendimento diverso, no entanto, prevaleceu em relação ao direito à educação. Apesar de não lhe atribuir contornos propriamente constitucionais, o que excluiria a incidência da cláusula da equal protection of laws, a Suprema Corte tem reconhecido a sua essencialidade à sedimentação da própria noção de cidadania, exigindo a garantia de um “mínimo de instrução”, de modo a permitir a participação do indivíduo nas instituições cívicas (82).
Segundo Rotunda e Novak (83), tratando-se de direitos considerados fundamentais pela Suprema Corte (ajudas sociais para a subsistência, moradia, educação e acesso aos cargos públicos), sua proteção pode ser implementada com fundamento na cláusula “equal protection”, acrescendo que, mesmo na hipótese de ser necessária a alocação de recursos financeiros, deve ser garantido um quantum mínimo de benefício.
Quanto aos fatores que têm contribuído para a retração dos tribunais em questões afeitas aos direitos sociais, Howard (84) relaciona os seguintes: a) necessidade de previsão explícita ou implícita na Constituição, o que justifica a preocupação de determinados grupos (mulheres, detentos, ecologistas etc.) em erigir suas reivindicações ao nível de questões constitucionais e aumentar a possibilidade de êxito das pretensões embasadas nas Constituições Estaduais; b) os tribunais têm se mostrado mais rápidos na imposição das garantias negativas que nas prestações positivas; e c) contrariamente ao que se verifica em relação aos direitos negativos, é complexa a efetivação das decisões que imponham um atuar positivo, especialmente por serem os recursos públicos sabidamente limitados, por caber ao legislador a escolha dos projetos prioritários e pelo risco de os tribunais se tornarem administradores, adotando decisões burocráticas para as quais não estariam devidamente estruturados.
7. A Sindicação Judicial e a Efetividade dos Direitos Sociais à Luz do Modelo Social
Seguindo a classificação de Weber, pode ser encontrado na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht) um exemplo de invocação dos princípios diretores com o fim de conferir concretude aos direitos prestacionais a cargo do Estado. Como se sabe, a Lei Fundamental alemã, destoando da maior parte das Constituições do segundo pós-guerra, não contemplou um extenso rol de direitos sociais (85). Não obstante essa “lacuna constitucional” (86) – que em nada se confunde com o modelo americano, fundado em valores essencialmente liberais –, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (87), combinando o princípio diretor do Estado Social (previsto no art. 20, no 1, da Lei Fundamental e que isoladamente não é aceito como indicador de direitos diretamente invocáveis) com o princípio da dignidade humana (art. 1o, no 1, da Lei Fundamental), tem dele extraído, em casos específicos, o fundamento de garantia do mínimo vital.
Acrescenta Schmidt (88) que também o “direito ao livre desenvolvimento da personalidade” (art. 2o, no 1, da Lei Fundamental) tem sido invocado não só numa dimensão material, que indica o seu status de direito fundamental aglutinador de direitos de liberdade não escritos, como também numa dimensão procedimental, tornando constitucionalmente sindicáveis outras normas constitucionais que, como o princípio diretor do Estado Social, não seriam consideradas direitos fundamentais (89).
Ascendendo na escala de densidade normativa acima referida, merece ser mencionada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro, quanto à possibilidade de os direitos prestacionais auferirem o seu fundamento de validade nos mandados constitucionais endereçados ao legislador. Interpretando os arts. 5o e 196 da Constituição brasileira (90), o Tribunal decidiu que o fornecimento gratuito de medicamentos essenciais à vida, a pessoa portadora do vírus HIV e destituída de recursos financeiros, configura um direito público subjetivo à saúde (91). Em essência, são esses os fundamentos da decisão: a) a fundamentalidade do direito à saúde; b) o Poder Público, sob pena de infração à Constituição, deve zelar pela implementação desse direito (92), sendo um imperativo de solidariedade social; c) o caráter programático das referidas normas não pode transformá-las em promessas constitucionais inconseqüentes; d) razões de ordem ético-jurídica impõem que o direito à vida se sobreponha a interesses financeiros e secundários do Estado; e e) além da consagração meramente formal dos direitos sociais, recai sobre o Estado o dever de atender às prerrogativas básicas do indivíduo.
Tanto a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão como a do Supremo Tribunal Federal brasileiro permitem concluir que os mandados constitucionais endereçados ao legislador e os princípios diretores do Estado (rectius: o princípio do Estado Social) podem “assumir as vestes” de direitos subjetivos acaso conjugados com os princípios da dignidade humana e do livre desenvolvimento da personalidade, exigindo um facere estatal para atender a um rol mínimo de direitos.
Note-se, em especial na decisão do Tribunal brasileiro, que a própria questão orçamentária foi relegada a plano secundário, sendo prestigiados valores em muito superiores àqueles que definem a competência dos Poderes Executivo e Legislativo.
Na linha do que foi dito, pode-se afirmar que a classificação de Weber sofrerá modificações conforme esteja presente ou não a necessidade de proteger o rol mínimo de direitos materializado na idéia de dignidade (93), o que fará com que todas as categorias sejam reconduzíveis a uma única: a dos direitos subjetivos. Nesses casos, os direitos prestacionais estarão diretamente embasados nas normas constitucionais, que terão aplicabilidade imediata face à densidade normativa obtida com o concurso dos valores inerentes à dignidade humana.
Nos parece relevante indagar se a intervenção dos Tribunais redundou numa ponderação entre o princípio da separação dos poderes e o da dignidade da pessoa humana, questão que assume contornos tortuosos se constatarmos que o primeiro desses princípios possui uma maior densidade normativa quando encampado pelas regras de competência (v.g.: a competência do Legislativo para a edição da lei orçamentária). Nesse caso, quid iuris? Ponderar princípios jurídicos e afastar todo o feixe de regras jurídicas associado a um deles? Ou ponderar regras e princípios?
A nosso ver, a solução do problema passa ao largo desses questionamentos. Na medida em que a Constituição assegura o acesso à justiça, a brasileira em seu art. 5o, XXXV e a portuguesa no art. 20, no 1, não se pode falar em mácula ao princípio da separação dos poderes quando o Tribunal reconhece e tutela direitos subjetivos que, ao arrepio da ordem constitucional, não foram observados pelo Estado. É a própria Constituição, no auge de sua unidade hierárquico-normativa, que estabelece esse mecanismo de equilíbrio entre os poderes, não havendo qualquer anomalia na sua utilização.
Sérvulo Correia (94), analisando o âmbito de atuação da jurisdição administrativa, sustenta a preeminência da tutela jurisdicional efetiva sobre a separação dos poderes sempre que tal for necessário à preservação da dignidade da pessoa humana frente ao exercício viciado da função administrativa. Esse vício, como ressalta o autor, tanto pode resultar da prática de um ato administrativo, como de sua omissão (95). Não obstante a coerência do raciocínio, nitidamente fundado num critério de ponderação, dele discordamos.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um dos múltiplos mecanismos de checks and balances que conferem operacionalidade ao princípio da separação dos poderes, possibilitando a preeminência da ordem jurídica e a contenção de subjetivismos que nela não encontrem amparo. Por essa razão, não nos parece correto falar em ponderação entre tais princípios. Para se constatar o acerto dessa conclusão, é necessário observar, num primeiro momento, que a identificação dos princípios que compõem o alicerce do sistema jurídico será realizada com o auxílio de um processo indutivo, em que o estudo de normas específicas possibilitará a densificação dos princípios que as informam. Partindo-se do particular para o geral e sendo observada uma paulatina progressão dos graus de generalidade e abstração, verifica-se a formação de círculos concêntricos que conduzirão à identificação da esfera principiológica em que se encontram inseridos os institutos e, no grau máximo de generalidade, o próprio sistema jurídico, possibilitando uma integração das partes ao todo (96).
Transpondo esse raciocínio para a relação que se estabelece entre os princípios da separação dos poderes e da tutela jurisdicional efetiva, é possível concluir pela ausência de qualquer colisão entre eles. Tomando-se como parâmetro a linha de progressão dos graus de generalização e abstração acima referidos, vê-se que o princípio da separação dos poderes ocupa um escalão superior, sendo um elemento estruturante da própria noção de Estado de Direito. O princípio da tutela jurisdicional efetiva, por sua vez, a exemplo de outros princípios de natureza similar (v.g.: princípios da competência legislativa do Parlamento, da legalidade da Administração etc), ocupa uma posição inferior. Ressalte-se, desde logo, que essa divisão em escalões não busca estabelecer uma superioridade hierárquica em relação ao princípio da separação dos poderes. O que se pretende demonstrar, em verdade, é que esse último princípio apresenta um grau de generalidade e abstração superior aos demais, sendo o resultado de um método indutivo iniciado justamente a partir deles. Estando o princípio da tutela jurisdicional efetiva ínsito na própria noção de separação se poderes, como seria possível falarmos em colisão?
Demonstrada a correção da postura assumida pelos Tribunais, caberá a eles, unicamente, a partir de critérios de razoabilidade e com a realização de uma ponderação responsável dos interesses envolvidos, determinar a realização dos gastos na forma preconizada, ainda que ausente a previsão orçamentária específica. Restará ao Executivo, nos limites de sua discrição política, o contingenciamento ou o remanejamento de verbas com o fim de tornar efetivos os direitos que ainda não o são.
Ultrapassada a questão da inexistência de dotação orçamentária específica, o único óbice ainda passível de impedir a implementação dos referidos direitos seria a demonstração, pelo Estado, da total inexistência de recursos. Nesse caso, o descumprimento resultará de uma total impossibilidade material, não de uma injustificável desídia, o que impede seja ele censurado. A questão, evidentemente, comporta uma análise mais aprofundada, em especial para o fim de aferir a compatibilidade com o sistema brasileiro das medidas adotadas por tribunais americanos para solucionar problemas como esse (v.g.: determinação de majoração de impostos – ainda que contra a vontade popular-, elaboração de planos de ação e fixação de montantes de investimento para o aperfeiçoamento das estruturas estatais etc.) (97), o que ultrapassa o plano desse estudo.
Lembrando a estrutura metodológica delineada por Häberle (98), a efetividade dos direitos sociais pressupõe análise do trinômio possibilidade, necessidade e realidade. A possibilidade apresenta contornos de cunho normativo e indica a potencialidade do ordenamento jurídico para absorver a pretensão formulada; a necessidade está atrelada à satisfação de aspectos inerentes à dignidade humana; e a realidade indica os limites materiais e circunstanciais que condicionam a ação do Estado na satisfação das necessidades básicas do indivíduo. Esses requisitos, ao nosso ver, em situações específicas, podem ser divisados nos denominados “direitos sociais originários”, os quais auferem o seu fundamento normativo diretamente do texto constitucional.
Analisada a sindicabilidade dos direitos sociais à luz dos princípios diretores e dos mandados constitucionais, resta tecer algumas considerações a respeito dos direitos subjetivos. Como dissemos, essa categoria, em regra, pressupõe uma integração legislativa, que delimitará o seu conteúdo e indicará os recursos financeiros que lhe farão face.
Abstraindo a questão da dignidade da pessoa humana, ainda que a Constituição ou a lei indique a atuação prioritária em determinada área, não se terá propriamente um direito subjetivo com a mera definição normativa de seus contornos essenciais, sendo imprescindível uma nova intervenção legislativa, desta feita em termos orçamentários, para que se tenha o seu aperfeiçoamento. Por outro lado, não sendo possível associar o facere estatal à proteção da dignidade da pessoa humana e inexistindo norma que considere determinado comportamento como prioritário, não poderá o Judiciário realizar um juízo de ponderação em relação aos demais valores envolvidos e porventura prestigiados pelo Executivo, o que também afasta a noção de direito subjetivo. Essa operação, por ser essencialmente política, será normalmente insindicável - as exceções, por evidente, se situarão no campo da ilicitude: violação aos princípios da legalidade, da imparcialidade etc.
Interpretando o art. 227, caput, da Constituição brasileira - que assegura às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, uma série de direitos sociais - bem como o art. 208 da Lei no 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) - que dispõe sobre a intervenção judicial nos casos de não oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche às crianças de zero a seis anos de idade -, o Supremo Tribunal Federal, em sede cautelar, suspendeu os efeitos de decisão judicial que determinara ao Município do Rio de Janeiro a construção de creches sem a correlata previsão orçamentária (99). Nesse caso, apesar de a lei delinear a prestação a ser realizada e a Constituição assegurar absoluta prioridade às crianças, não era divisada a necessária previsão orçamentária. Além disso, como a omissão do Município não importava propriamente em violação à dignidade humana, não seria possível falar em violação a direito subjetivo, motivo pelo qual nos parece correta a decisão do Tribunal.
Notas
1) Cf. Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado (Allgemeine Staatslehre), trad. de Karin Praefke-Aires Coutinho, 3a ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 383. Por dizer respeito à forma de ação do Estado, o autor considera a separação dos poderes um princípio formal do Estado de Direito, enquanto as garantias dos direitos fundamentais seriam princípios materiais.
2) Cf. Franco Bassi, Il Principio della Separazione dei Poteri, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico no 1/17 (18), 1965.
3) Afirmava Berthélemy (Traité Élémentaire de Droit Administratif, 9a ed., Paris: Rousseau, 1920, pp. 10-12) que o princípio da separação dos poderes não deveria ser entendido no sentido de que existem três poderes, isto porque fazer as leis e executá-las parecem, “em boa lógica”, dois termos entre os quais, ou ao lado dos quais, não há lugar a tomar. O ato de “interpretar a lei em caso de conflito” faz necessariamente parte do ato geral de “fazer executar a lei”, o que torna o Judiciário um ramo do Executivo. Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado, trad. de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 365), do mesmo modo, observava que a usual tricotomia "é, no fundo, uma dicotomia, a distinção fundamental entre legis latio e legis executio”.
4) Traité Élémentaire de Droit Constitutionnel, Paris: Dalloz, 1926, p. 155.
5) Segundo Afonso Queiró (Lições de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra: João Arantes, 1976, pp. 9/84), o ato jurisdicional não só pressupõe, mas é necessariamente direcionado à solução de uma “questão de direito” (violação do direito objetivo ou de um direito subjetivo), o que se realizará a partir da identificação da situação de fato. Caso seja buscado um resultado prático distinto da “paz jurídica” subjacente à solução da “questão de direito”, o ato será administrativo e não jurisdicional. Como anota Paulo Castro Rangel (Repensar o Poder Judicial, Fundamentos e Fragmentos, Porto: Publicações Universidade Católica, 2001, pp. 274 e ss.), indicando inúmeros precedentes, essa doutrina tem sido prestigiada pelo Tribunal Constitucional português.
6) Vide o art. 2o da Constituição de 1988, que, além da divisão tripartite, fala em harmonia e independência entre os poderes, consagrando um sistema de colaboração, com mecanismos de controle recíproco. No mesmo sentido, o art. 20, II, no 2, da Lei Fundamental alemã de 1949. A Constituição espanhola de 1978, nos arts. 117 a 127, prevê a tripartição, mas somente o Judiciário recebeu expressamente a qualificação de poder. A Constituição francesa de 1958, diversamente, somente faz menção à autoridade judiciária, cabendo ao Presidente da República garantir-lhe a independência (arts. 64 a 66). A Constituição portuguesa, em seu art. 110, fala em órgãos de soberania (Presidente da República, Assembléia da República, Governo e Tribunais), que devem observar a separação e a independência previstas na Constituição (art. 111). Não obstante a literalidade do preceito, são inúmeros os mecanismos de colaboração (v.g.: a promulgação das leis pelo Presidente da República – art. 134, b; a autorização da Assembléia da República como requisito à declaração de guerra pelo Presidente – art. 161, m; a eleição, pela Assembléia, de juízes do Tribunal Constitucional – art. 163, i; etc.).
7) Cf. Luis Favoreau et alii, Droit Constitutionnel, 6ª ed., Paris: Éditions Dalloz, 2003, op. cit., p. 339.
8) Cf. Luis Favoreau et alii, Droit Constitutionnel …, op. cit., p. 338.
9) Reinhold Zippelius, op. cit., pp. 402/403.
10) Op. cit., p. 403.
11) Luis Favoreau et alii (Droit Constitutionnel …, op. cit., p. 381) falam em Estado federal por associação ou por dissociação. Pablo Lucas Murillo de la Cueva [El Poder Judicial en el Estado Autonômico, in Teoria y Realidad Constitucional no 5, p. 89 (100), 2000], por sua vez, o divide em integral (perfeito) e funcional (imperfeito), incluindo a Espanha, apesar da ausência de qualificação formal, na última categoria.
12) Cf. Jaume Vernet I Llobet, El sistema federal austríaco, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 116.
13) Op. cit., p. 401.
14) Cf. Pablo Lucas Murillo de la Cueva, op. cit, pp. 91/92.
15) Cf. Walter Schmidt, I Diritti Fondamentali Sociali nella Repubblica Federale Tedesca, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico no 3/785 (802), 1981.
16) Cf. A. E. Dick Howard, La protection des droits sociaux en droit constitutionnel américain, in Revue Française de Science Politique vol. 40, no 2, p. 173, 1990.
17) The Second Treatise of Government: Essay concerning the true original, extent and end of civil government, 3a ed., Norwich: Basil Blackwell Oxford, 1976, §§ 143-148.
18) De L’Ésprit des Lois, obra publicada em 1748, Livro XI, Capítulo VI.
19) Tanto Locke como Montesquieu dispensaram uma importância secundária ao Poder Judiciário. Locke sequer concebeu um poder autônomo, integrando a função de julgar num espectro mais amplo: o de executar a lei. Quanto a Montesquieu, apesar de prestigiar a existência de um poder autônomo encarregado da função jurisdicional, apressava-se em realçar a necessidade de que o Poder Judiciário se mantivesse adstrito à “letra da lei”. As doutrinas de Locke e Montesquieu bem demonstram que o alicerce teórico da separação dos poderes, caso estudado na pureza de suas linhas estruturais, não mais se coaduna às profundas mutações de natureza inter e intra-orgânica que se operaram na estrutura política do poder. A começar pela própria produção normativa, que, numa fase pós-positivista, sofreu um profundo realinhamento com o reconhecimento do caráter normativo dos princípios jurídicos, o que, como veremos, em muito enfraqueceu a senhoria normativa do Poder Legislativo, pulverizando-a entre os demais poderes. Nesse particular, foram profundas as modificações operadas no Poder Judiciário. Se Locke sequer reconhecia a sua individualidade e Montesquieu o confinava à “letra da lei”, é difícil negar a superação desse quadro ao se constatar que, hodiernamente, cabe ao Judiciário, em última instância e em caráter definitivo, densificar o conteúdo dos princípios jurídicos e, à luz do caso concreto, submetê-los a operações de ponderação.
20) Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7a ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 52.
21) Op. cit., p. 190.
22) Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., op. cit., pp. 218/219.
23) Sobre a Constituição aberta, inclusive com ampla indicação bibliográfica, vide Carlos Roberto Siqueira de Castro, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, pp. 15/130.
24) Nas palavras de Aristóteles (A Política, tradução de Roberto Leal Ferreira, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 53), “não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado...”.
25) Le contrôle jurisdictionnel des actes du president de la République, in Les 40 ans de la Ve République, Revue du Droit Public no 5/6, p. 1719 (1721), 1998.
26) Cf. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, apontamentos de lições, Lisboa, 1986, pp. 299 e ss..
27) Cf. Rocco Galli, Corso di Diritto Amministrativo, Padova: CEDAM, 1991, p. 243.
28) O poder discricionário reflete-se no exercício de uma atividade valorativa que culminará com a escolha, dentre dois ou mais comportamentos possíveis, daquele que se mostre mais consentâneo com o caso concreto e a satisfação do interesse público. Para tanto, deve a autoridade proceder à “ponderação comparativa dos vários interesses secundários (públicos, coletivos ou privados), em vista a um interesse primário”, sendo esta a essência da discricionariedade (Cf. Massimo Severo Gianini, Diritto Amministrativo, vol. 2o, 3a ed., Milano: D. A. Giufrrè Editore, 1993, p. 49). Como discricionariedade não guarda similitude com arbitrariedade, a atividade administrativa deve adequar-se à noção de juridicidade, que integra as regras e os princípios regentes da atividade estatal, importando numa filtragem da esfera de liberdade assegurada ao agente, remanescendo uma área restrita não sujeita à sindicação judicial. Essa área restrita, tradicionalmente denominada de mérito administrativo, indica a oportunidade do ato (rectius: o juízo valorativo resultante da ponderação dos interesses envolvidos), não seguindo parâmetros estritamente jurídicos (v.g.: o objetivo de boa administração - Cf. Pietro Virga, Diritto Amministrativo, vol. 2, 5a ed., Dott. A. Giuffrè Editore, 1999, p. 8, p. 11; Franco Bassi, Lezioni di Diritto Amministrativo, 7a ed., Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2003, p. 68; e Diana-Urania Galetta, Principio di proporzionalità e sindacato giurisdizionale nel diritto amministrativo, Milano: Giuffrè Editore, 1998, p. 149), o que justifica a sua inclusão numa esfera residual reservada à Administração.
29) Conselho de Estado, Association générale dês administrateurs civils et autres c/ Dupavillon, j. em 16/12/1988, Leb., p. 450, tendo sido reconhecida a adequação; e Bleton et autres c/ Sarazin, j. em 16/12/1988, Leb., p. 451, decisão que declarou a ausência do perfil de carreira (apud Christophe Guettier, Le contrôle jurisdictionnel…, p. 1744).
30) Le contrôle jurisdictionnel…, pp. 1722/1723.
31) Le contrôle jurisdictionnel…, pp. 1723/1724. Ainda segundo o autor, na ordem internacional são insindicáveis os atos do Executivo cuja natureza administrativa não possa ser reconhecida (as decisões tomadas pelo Presidente da República como “prince des Vallées d’Andorre” – Conselho de Estado, Société Le Nickel, j. em 1o/12/1993, Leb., p. 1132) e os atos praticados na condução das relações diplomáticas da França (a criação de uma zona de segurança e a suspensão da navegação marítima no mar territorial de um atol da Polinésia – Conselho de Estado, Paris de Bollardière et autres, j. em 11/07/1975, Leb., p. 423; e a decisão de retomar uma série de ensaios nucleares interrompidos - Conselho de Estado, Association Greenpeace France, j. em 29/09/1995, Leb., p. 347).
32) Cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 315; e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., op. cit., p. 446.
33) Actos Políticos no Estado de Direito - O Problema do Controle Jurídico do Poder, Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 217.
34) Cf. Howard, op. cit., p. 188.
35) Cf. Howard, op. cit., p. 190. Acrescenta o autor que as questões éticas e sociais da vida moderna permitem concluir que o desrespeito a uma certa justiça social fará com que outros direitos, como o direito de voto, a liberdade de expressão e a liberdade de consciência, se tornem “cascas vazias”.
36) Cf. Otto Bachof, op. cit., p. 58. Segundo o autor, o próprio controle, ao reconhecer a atuação em harmonia com o Direito, fortalecerá a autoridade dos demais poderes (p. 59).
37) Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático, trad. de Luiz Afonso Heck, in RDA no 217/66, 1999.
38) Op. cit., p. 59.
39) No mesmo sentido: art. 101 da Constituição italiana.
40) Como observa Bachof (op. cit., p. 24), mesmo sob a égide do positivismo clássico, sempre se reconheceu ao juiz um papel importante na criação do direito, nunca tendo correspondido à conhecida concepção de Montesquieu, que o restringia à atividade de mera subsunção.
41) É relevante observar que Marx (Die Klassenkämpfe in Frankreich, in Marx/Angels, Ausgewählte Schriften, Ost-Berlin, 1953, I, p. 153 e ss), em 1848, demonstrava o seu total desapreço pelos direitos sociais: “o direito ao trabalho - no sentido burguês – é um contrasenso, um voto piedoso e miserável, pois atrás do direito ao trabalho se ergue o poder sobre o capital, atrás do poder sobre o capital a apropriação dos meios de produção, com a submissão da classe trabalhadora...” [apud Albrecht Weber, L’Etat social et les droits sociaux en RFA, in Revue de Droit Constitutionnel no 24/677, (678) 1995].
42) Sobre os motivos da crise do Estado Providência, Jorge Pereira da Silva [Proteção constitucional dos direitos sociais e reforma do Estado Providência, in A Reforma do Estado em Portugal, Problemas e Perspectivas, organizado pela Associação Portuguesa de Ciência Política, Lisboa: Editorial Bizâncio, p. 537 (538), 2001] aponta três vertentes: vertente financeira, relacionada ao aumento da despesa pública, que supera o produto nacional e obriga ao aumento dos impostos; vertente de eficácia, derivada da complexidade do aparato estatal e do desperdício de recursos públicos, importando na impossibilidade de atender com rapidez à constante demanda; e vertente da legitimidade, que resulta da conjugação das duas anteriores e denota uma desconfiança dos cidadãos ante a insuficiência e a má-qualidade das prestações oferecidas.
43) Cf. Robert Alexy, op. cit., p. 482.
44) Cf. Albrecht Weber, L’Etat social et les droits sociaux en RFA, in Revue de Droit Constitutionnel no 24/677, (680) 1995.
45) Gomes Canotilho [Direito Constitucional ..., op. cit., pp.474/476; e Tomemos a Sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, p. 35 (37/38), Coimbra: Editora Coimbra, 2004], após realçar que a “técnica de positivação” dos denominados “direitos a prestações” constitui uma “eleição racional” de “enunciados semânticos”, enumera as seguintes possibilidades de positivação jurídico-constitucional dos direitos sociais: a) normas programáticas, definidoras de tarefas e fins do Estado, mas que podem ser trazidas à colação no momento da concretização dos direitos sociais; b) normas de organização, atributivas de competência ao legislador para a emanação de medidas relevantes no plano social, gerando sanções unicamente políticas no caso de descumprimento; c) garantias institucionais, impondo a obrigação de o legislador proteger a essência de certas instituições (família, administração local, saúde pública) e a adotar medidas relacionadas com o “valor social eminente” dessas instituições; d) direitos subjetivos, isto é, inerentes ao espaço existencial dos cidadãos, pressupondo a garantia constitucional de certos direitos, o dever de o Estado criar os pressupostos materiais indispensáveis ao seu exercício efetivo e a faculdade de o cidadão exigir, de forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos.
46) Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., p. 395. Anota Gomes Canotilho (Direito Constitucional ..., op. cit., pp. 478/480) que, enquanto o reconhecimento de direitos originários (na Constituição) traz o problema da sua efetivação, os direitos derivados a prestações refletem o “direito dos cidadãos a uma participação igual nas prestações estatais concretizadas por lei, segundo a medida das capacidades existentes”.
47) Cf. Walter Schmidt, op. cit., p. 800; Jorge Miranda, Regime específico dos direitos econômicos, sociais e culturais, in Estudos Jurídicos e Econômicos em Homenagem ao João Limbrales, Coimbra: Coimbra Editora, p. 345 (357), 2000; e José Carlos Vieira de Andrade, La protection des droits sociaux fondamentaux dans l’ordre juririque du Portugal, in Droits de l’Homme, vol. III, org. por Julia Iliopoulos-Strangas, Bruxelas : Editions Ant. N. Sakkoulas Athènes, p. 671 (672), 1997. Este autor defende, inclusive, que é o legislador o primeiro destinatário das normas constitucionais que disponham sobre direitos sociais, não sendo o Executivo propriamente um receptor direto dessas normas, pois, estando sujeito ao princípio da legalidade, só poderá atuar após a intermediação do legislador (pp. 682/683). É ressalvado, no entanto, o “direito de sobrevivência”, que pode coincidir com o conteúdo mínimo dos direitos sociais e ser incluído como uma dimensão do direito à vida, permitindo a obtenção do “equivalente funcional” do efeito direto (p. 688). Também sustentando a necessidade de ser assegurado o conteúdo essencial de todos os direitos: Jorge Miranda, Regime..., op. cit., p. 353.
48) Echavarría [El Estado Social como Estado Autonómico, in Teoría y Realidad Constitucional no 3/61 (68), 1999] fala em cláusulas diretivas, de caráter mais promocional que prescritivo e que incorporam, portanto, mais princípios que regras.
49) Como ressalta Viera de Andrade (La protection..., p. 679), apesar da impossibilidade de aplicação direta das normas constitucionais que disponham sobre direitos sociais, sua influência na interpretação das normas legais lhes confere uma aplicação mediata.
50) Na doutrina, Jorge Miranda (in Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 397/399), discorrendo sobre o “não retorno da concretização” ou “proibição de retrocesso”, observa que as normas legais concretizadoras das normas constitucionais a elas se integram, não sendo possível a sua simples eliminação, isto sob pena de retirar a eficácia jurídica das normas constitucionais correlatas. Além disso, a proibição de retrocesso funda-se também no princípio da confiança inerente ao Estado de Direito. Ressalta, no entanto, que esse entendimento não visa à equiparação entre normas constitucionais e legais, pois estas continuam passíveis de alteração ou revogação; o que se pretende é evitar a ab-rogação, pura e simples, de normas legais que conferem efetividade às constitucionais e “com elas formam uma unidade de sistema”. Como anota Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2a ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 394), importam na “proibição de revogação sem substituição das normas conformadoras dos direitos sociais – que mais não é que a garantia do mínimo imperativo do preceito constitucional”. Vide, ainda, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., op. cit., p. 476. O Tribunal Constitucional Português, no Acórdão no 509/2002 (Processo no 768/2002, j. em 19/12/2002, Diário da República no 36, Série I-A, pp. 905/917), após ampla análise da proibição de retrocesso, afirmou que deve ser encontrado um ponto de equilíbrio entre a “estabilidade da concretização legislativa” e a “liberdade de conformação do legislador”, devendo-se concluir pela possibilidade de supressão de determinadas prestações sociais desde que isto não se dê de forma arbitrária e não afete o “direito a um mínimo de existência condigna”, que encontra o seu fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. No caso concreto, reconheceu a inconstitucionalidade de decreto da Assembléia da República que regulava a titularidade do direito ao rendimento social de inserção, aumentando a idade de mínima de 18 (dezoito) para 25 (vinte e cinco) anos, o que culminaria em impor sérias restrições a relevantes necessidades dos jovens.
51) Op. cit., pp. 691/692.
52) STC, Proc. no 31/1984, j. em 07/03/1985; e Proc. no 45/1989, j. em 20/02/1989.
53) TC, Proc. no 39/1984, j. em 11/04/1984. Viera de Andrade (La protection..., p. 679), do mesmo modo, traz à colação decisões do Tribunal que não reconhecem a possibilidade de o “direito à habitação” ser diretamente exigido do Estado (Proc. no 131/92 e 346/93).
54) CC, Sentença no 455/1990, proferida em 16/10/1990. Após acentuarem a constitucionalização da obrigação do Estado de “instituir escolas estatais para todas as ordens e graus” (art. 32, no 2, da Constituição italiana), Di Celso e Salermo (Manuale di Diritto Costituzionale, Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2002, pp. 208/212), analisando o art. 34 da Constituição, que assegura o “direito ao estudo”, visualizam a existência do direito a obter dos Poderes Públicos, “segundo as condições estabelecidas na Constituição e na lei”, as prestações necessárias ao profícuo desenvolvimento dessa atividade. Acrescentam que, “não diversamente do direito ao trabalho, o direito ao estudo nasce como liberdade e se desenvolve como direito cívico ou social ou, como outros preferem dizer (Martines), evolui da liberdade negativa à liberdade positiva”. Apesar disso, apresenta uma diferença substancial em relação ao direito ao trabalho, pois a Constituição e a lei impõem os meios (v.g.: bolsa de estudo) para tornar efetivo esse direito, indicando uma concreta linha de ação, do que resulta um verdadeiro poder jurídico de exigir a sua prestação. Ao final, lembrando a Sentença no 215/87, do Tribunal Constitucional, concluem que “a escola está aberta a todos” (la scuola è aperta a tutti).
55) In Giur. Cost. no 3/90, p. 2732.
56) Cf. Daniela Bifulco, op. cit., pp. 179/180.
57) Op. cit., pp. 181.
58) Guido Corso [I Diritti Sociali nella Costituzione Italiana, in Rivista Italiana di Diritto Pubblico no 3, p. 755 (776/777), 1981] observa que o controle do Tribunal Constitucional é pouco incisivo em se tratando de omissão do legislador, acrescendo que a tutela promovida pela jurisdição ordinária pressupõe a prévia intermediação do legislador, delimitando o respectivo direito.
59) Op. cit., pp. 183/185.
60) Conseil Constitutionnel, Décision no 97-393 DC, j. em 18/12/1997, considerando 31, in Louis Favoreau e Louis Philip, Les Grandes Décisions du Conseil Constitutionnel, p. 885 (890).
61) Conseil Constitutionnel, Décision no 97-393, cit., considerando 33.
62) Conseil Constitutionnel, Decision no 94-359 DC, j. em 19/01/1995, considerandos 6 e 7, in Louis Favoreau e Louis Philip, op. cit., p. 897.
63) Op. cit., p. 897.
64) Sobre a distinção entre princípios e valores, possuindo os primeiros, além da característica normativa, um maior grau de concreção e de especificação, vide Antonio Enrique Pérez Luño, Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, 8a ed., Madrid: Editorial Tecnos, 2003, pp. 287/292.
65) Louis Favoreau e Louis Philip, op. cit., p. 608.
66) Cf. Louis Favoreau et alii, Droit des Libertés fondamentales, op. cit., p. 249.
67) Op. cit., p. 353.
68) Conseil D’État, Avis du Conseil d’Etat, Doc. Parl. Sénat, 1974-1975, no 581, 1, p. 86.
69) Cf. F. Ost, Juge-Pacificateur, Juge-Arbitre, Juge Entraîner: Trois Modèles de Justice, in Fonction de Juger et Pouvoir Judiciaire, Transformations et Déplacements, p. 1 (12) org. por PH. Gerard, F. Ost e M. Van de Kerchove, Bruxelas: Publications des Facultes Universitaires Saint-Louis, 1983.
70) Cf. F. Ost, op. cit., p. 13.
71) Cf. Albrecht Weber, op. cit., p. 681.
72) 1 Cranch 137, 1803.
73) Cf. Otto Bachof, Jueces y Constititución, trad. de Rodrigo Bercovitz Rodríguez-Cano, Madrid: Editorial Civitas, 1985, pp. 32/34.
74) Cf. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., op. cit., pp. 958/959.
75) Cf. A. E. Howard, op. cit., p. 175.
76) Op. cit., p. 176.
77) O status de direito fundamental está associado à proteção da vida, liberdade ou propriedade, conforme o disposto no 5o e no 14o aditamentos. Esse último estendeu aos Estados disposições que o 5o aditamento restringia à União, verbis: “todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado onde residem. Nenhum Estado promulgará nem executará leis que restrinjam os privilégios e as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nenhum Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal, nem poderá negar a ninguém, que se achar dentro da sua jurisdição, a proteção, igual para todos, das leis”.
78) 394 US 618, 1969.
79) Cf. Laurence H. Tribe, American Constitutional Law, 2a ed., Nova Iorque: The Foundation Press, 1988, pp. 1436 a 1463; e A. E. Howard, op. cit., p. 179.
80) Op. cit., p. 179
81) 405 US 56 (74), 1972.
82) Pyler v. Doe, 457 US 202 (223 – voto do Justice Brennan), 1982.
83) Treatise on Constitutional Law, Substance and Procedure, vol. 3, St. Paul: West Publishing CO., 1992, p. 501.
84) Op. cit., pp. 188/190.
85) Como exceções, podem ser mencionados o art. 6o, no 4 (“toda mãe tem direito à proteção e à assistência da comunidade”) e o art. 6o, no 5 (“a legislação deve assegurar aos filhos naturais as mesmas condições dos filhos legítimos quanto ao seu desenvolvimento físico e moral e ao seu estatuto social”), que têm sido interpretados pelo Tribunal Constitucional como mandados endereçados ao legislador [BVerfGE 32, 273 (277) apud Albrecht Weber, op. cit., p. 683].
86) Cf. Walter Schmidt, op. cit., p. 786.
87) BVerfGE 1, 159 (161); e 52, 339 (346), apud Albrecht Weber, op. cit., p. 684.
88) Cf. Walter Schmidt, op. cit., pp. 790, 795 e 799.
89) BVerfGE 50, 57 (107), apud Walter Schmidt, op. cit., p. 795.
90) O art. 5o, caput, assegura a todos o direito à vida e o art. 196 dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
91) STF, 2ª T., RE no 271.286 AgR/RS, j. em 12/09/2000, DJ de 24/11/2000, p. 101. No mesmo sentido: RE no 236.200/RS, rel. Min. Maurício Corrêa; RE no 247.900/RS, rel. Min. Marco Aurélio; RE no 264.269/RS, rel. Min. Moreira Alves; e os REs no 267.612/RS, no 232.335/RS e no 273.834/RS, relatados pelo Min. Celso de Mello.
92) Nas palavras do relator, Ministro Celso de Mello, não pode “o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”.
93) A consagração constitucional da dignidade humana não se adequa à tradicional dicotomia positivista entre os momentos de criação e de aplicação do direito. A vagueza semântica da expressão exige seja ela integrada consoante os influxos sociais e as circunstâncias do caso concreto, fazendo que o momento criativo termine por projetar-se no momento aplicativo e a ele integrar-se, implicando numa nítida superposição operativa. A essência da Constituição, assim, longe de ser uma certa concepção material de homem, seria, na conhecida proposição de Häberle, a construção da vida social e política como um “processo indefinidamente aberto”. Essa atividade integrativa da norma, especialmente quando se constata que na dignidade humana se articula a dimensão moral da pessoa, sendo a sua afirmação o gérmen do reconhecimento de direitos inerentes ao indivíduo e o fundamento de todos os direitos humanos (Vide Beatriz González Moreno, El Estado Social, Naturaleza Jurídica y Estructura de los Derechos Sociales, Madrid: Civitas Ediciones, 2002, pp. 95/96), não pode ser deixada ao alvedrio do Poder Executivo. Não encontra amparo na lógica e na razão a tese de que a ação ou a omissão que venha a aviltar a dignidade de outrem passe ao largo de instrumentos adequados de controle da potestas publica. Formando a dignidade humana a base axiológica dos direitos sociais, verifica-se que a sua sindicação pelo Poder Judiciário acarretará reflexos nos direitos a ela correlatos. Os valores integrados na dignidade humana, em verdade, congregam a essência e terminam por auferir maior especificidade nos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais, a um só tempo, esmiúçam a idéia de dignidade e têm a sua interpretação por ela direcionada, do que resulta uma simbiose que não é passível de ser dissolvida: o caráter fundante da dignidade humana foi bem enunciado pelo art. 10 da Constituição espanhola, ao consagrar a existência de direitos fundamentais a ela inerentes: “La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamentos del orden político y de la paz social”.
94) Acto administrativo e âmbito da jurisdição administrativa, in Estudos de Direito Processual, org. por J. M. Sérvulo Correia, Bernardo Diniz de Ayala e Rui Medeiros, Lisboa: Lex, 2002, p. 234.
95) O art. 268, no 4, da Constituição portuguesa dispõe, expressamente, que “é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente,”(...)“a determinação da prática de actos administrativos devidos.”
96) Cf. Giorgio Del Vecchio, Sui Principî Generali del Diritto, Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1958, p. 11.
97) Cf. A. E. Dick Howard, op. cit., pp. 193/195.
98) Pluralismo y Constitución, Estudios de Teoría Constitucional de la Sociedad Abierta (Die Verfassung des Pluralismus. Studien zur Verfassungstheorie der offenen Gesellschaft), trad. de Emilio Mikunda, Madrid: Editorial Tecnos, 2002, pp. 78/84.
99) STF, 2a T., Pet. no 2836 QO/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 11/02/2003, DJ de 14/03/2003, p. 42. Decisão proferida em ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público.
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Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça (2005-2009). Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Doutorando e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia - Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa. Membro da International Association of Prosecutors (The Hague - Holanda)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Emerson. Princípio da Separação dos Poderes: Os Órgãos Jurisdicionais e a Concreção dos Direitos Sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2009, 07:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/404/principio-da-separacao-dos-poderes-os-orgaos-jurisdicionais-e-a-concrecao-dos-direitos-sociais. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Ives Gandra da Silva Martins
Por: Joao vitor rossi
Por: Ives Gandra da Silva Martins
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
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