Para instigar e fomentar a reflexão gostaria de iniciar este texto com a seguinte citação:
"O ato de reduzir algo desconhecido a algo conhecido alivia, tranqüiliza, satisfaz, e proporciona, alem disto, um sentimento de poder" (NIETZSCHE,F., Crepusculo de los idolos, Madrid, Alianza Editorial, 1979. p.66)
1) NOÇÕES DOUTRINÁRIAS GERAIS
O direito é manifestação da vida social. A cada sociedade corresponde um determinado sistema jurídico. O estudo do Direito Internacional passa pela apreciação tanto do Direito Internacional Público quanto pelo Direito Internacional Privado. Todavia, embora ambas as variantes tratem de direito internacional, é fato que a distinção entre elas é também patente. O direito internacional público tem por objeto as relações públicas exteriores de seus sujeitos (os Estados); o direito internacional privado tem por escopo regular as relações entre particulares (portanto relações privadas) que ultrapassam aos limites de aplicabilidade de norma originária de apenas um Estado; daí porque, como sustentado pelos estudiosos, versar sobre regras de solução de conflitos de leis no espaço, quando determinado caso concreto se conecte a normas originárias de mais de um Estado. Portanto, o direito internacional público regular as relações públicas entre os denominados atores internacionais, quais sejam, os Estados (entes soberanos, aí incluída a Santa Sé) e, modernamente, as Organizações Internacionais (v.g., ONU – Organização das Nações Unidas).
1.1) Direito Intenacional Público
O Direito Internacional Público, também denominado de direito das gentes, é um conjunto de normas que regulam as relações entre os Estados membros da comunidade internacional e organismos análogos.
O direito internacional público compõem-se das normas convencionais (tratados internacionais, também chamados de convenções, pactos, convénios, acordos) e dos costumes jurídicos internacionais. São exemplos01: ONU (Organização das Nações Unidas), OIT (Organização Internacional do Trabalho). Exemplo02: Tratado de Kyoto, Declaração Universal dos Direitos Humanos, etc.
O Direito Internacional Público dos dias de hoje corresponde a uma determinada sociedade internacional. É esta sociedade internacional que estudaremos inicialmente, uma vez que ela é o meio onde surge o ordenamento jurídico internacional?
A sociedade internacional é ambiente no qual se desenvolvem as relações internacionais, e, consequentemente, onde se vislumbra o desenvolvimento do Direito internacional. A pluralidade de sujeitos aliada às relações sociais inerentes, potencializam o surgimento de conflitos intersubjetivos, capazaes, por si só, de despertar a necessidade de normas de conduita prescritas com o intuito de preservar o bem estar da comunidade internacional. Deve-se, para tanto, considerar a ressalva realizada por José Francisco Resek sobre a sociedade internacional:
Uma advertência deve ser feita a todo aquele que se inicia no estudo do direito internacional público. A sociedade internacional, ao contrário do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob forma de Estados, é ainda hoje descentralizadam, e que o estudo desta disciplina nao oferece a a comodidade própria daquelas outras que compõem o direito interno, onde se encontra lugar fácil para a objetividade e para os valores absolutos.[1]
As características da sociedade internacional podem ser resumidas nas seguintes: universal, paritária, aberta, não possui uma organização institucional como a sociedade interna, o direito que nela se manifesta é originário e tem poucos membros.
É universal porque abrange todos os entes do globo terrestre. É paritária uma vez que nela existe a igualdade jurídica. A característica de aberta significa que todo ente, ao reunir determinados elementos, se torna seu membro sem que haja necessidade de os membros já existentes se manifestarem sobre o seu ingresso. A falta de uma organização institucional significa que ela não é um super-Estado, isto é, não possui um poder legislativo, executivo ou judiciário por cima dos Estados, e, em conseqüência, é descentralizada. Pode-se acrescentar, ainda, que predomina a auto-tutela, que como salienta R. Tucker: ela em um sistema onde há desiguais preserva as desigualdades. Há, entretanto uma tendência à hierarquização, vez que o Estado tem tido a sua soberania reduzida em benefício da cooperação internacional. Finalmente, o DIP é um direito originário porque ele não se fundamenta em outro ordenamento positivo, mas apenas no direito natural. M. Virally salienta que devido ao pequeno número de membros é “praticamente impossível ignorar as situações concretas e individuais e raciocinar como faz o direito por meio de categorias gerais”.[2]
A cooperação internacional é a regra que motiva o relacionamento entre os membros, portanto, não há hierarquia entre as normas internacionais e as normas internas de um país.
Assim, as peculiaridades do ambiente internacional clássico apresenta, características próprias e distintas daquelas que se observa no direito nacional, a saber:
a) Inexistencia de autoridade superior: O Estado é, por natureza, soberano. Sobre a sua atuação jurisdicional nao cabe imposição normativa. Nao há lugar, no direito internacional clássico, para a imposição de regras. A soberania estatal é a garantia de que apenas o consentimento do próprio Estado pode ter o condão de criar, para si, um vínculo obrigacional regido pelo direito das gentes. Desta forma, nao há lugar para a presença de um ente superior capaz de impor tais normas unilateralmente.
b) Organização horizontal dos Estados: Como consequencia da inexistencia de autoridade superior, sobrevém a premissa de que todos os Estados são juridicamente iguais, podendo atuar em paridade no cenário internacional, segundo seus designos particulares. Desta maneira, toda expressão de vontade capaz de engedrar uma nova forma perssonalissima pelo próprio Estado.
c) Normas jurídicas dependentes de consentimento: Apenas as normas consentidas se tornam obrigatórias. Como não existe, num primeiro grau, nomr ade natureza cogente (imperativa), sua formação dependerá sempre da expressão perssonlissima do consentimento para que a norma internacional se faça válida e eficaz.
d) Inexistência de hierarquia entre normas de direito internacional público: Ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores sobre a existência de hierarquia entre normas de direito nacional, no direito das gentes as normas devem estar sempre posicionadas no mesmo plano hierarquico. Tal preceito tem a finalidade fazer com que um eventuarl escalonamento normativo viesse a mitigar o principio daa horizontaldiade e igualdade ente os diversos Estados. Poderiamos questionar o preceito a posição da CF que dispõe: “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. O que ocorre aqui é que os tratados sobre direitos humanos que observarem o quórum de aprovação nas duas Casas do Congresso passam a ter uma hierarquia de norma Constitucional, não assim, superior a própria Constituição.
e) Vigência do princípio de não internvenção (sentido politico): a evolução da sociedade internacional não se revela adiantada quando comparada à evolução da sociedade interna. Suas caracteristicas de anarquia e descentralização fazem com que a sociedade internacional esteja, ainda, se direcionando para a direção de uma sociedade democrática de direito. Realidade que ainda levará algum tempo para ser atingida.
f) Relação Estado versus indivíduo – subordinação (sociedade nacional), e Relação Estado versus Estado – coordenação (sociedade internacional): Enquanto que na sociedade nacional o Estado atua como autoridade superior capaz de atuar jurisdicionalmente de maneira cogente em relação aos individuos, na sociedade internacional os Estados interagem segundo a dinâmica do princípio da horizontalidade. Desta forma, no direito interno o Estado subordina a vontade privada por meio do ordenamento jurídico, enquanto no direito internacional o ordenamento é construído com base na manifestações de vontades coordenadas entre os diversos atores que interagem nas relações internacionais.
g) Precariedade do sistema de sanções: O aspecto cogente do direito reside no fato de existirem previsões objetivas para a aplicação de sanções. Entretanto, em virtude das diferenças reais entre os diversos Estados, a sanção, muitas vezes, revela-se ineficiente no âmbito da sociedade internacional. Este fenômeno está intimamente relacionado com a falta de autoridae central provida da força.
h) Falta de autoridade central provida de força: retornando À primeira caracteristica, a inexistência de uma autoridade superior legimamente reconhecida na sociedade internacional, faz com que as sanções sejam aplicadas de maneira heterogênea por não haver, em tal ambiente, uma estrutura organizada para a finalidade de punição especifíca daqueles ilícitos decorrentes da sistemática jurídica internacional.
1.2) Direito internacional privado
O direito internacional privado, também denominado conflito de leis é um conjunto de normas internas de cada país, elaboradas e instituídas especialmente para definir se em determinados casos se aplicará a lei interna ou a lei de outro país. Em outros termos podemso definir este direito como o conjunto de normas jurídicas criado por uma autoridade política autônoma (um Estado nacional ou uma sua província que disponha de uma ordem jurídica autônoma) com o propósito de resolver os conflitos de leis no espaço. Em termos simples, o DIPr é um conjunto de regras de direito interno que indica ao juiz local que lei – se a do foro ou a estrangeira; ou dentre duas estrangeiras - deverá ser aplicada a um caso (geralmente privado) que tenha relação com mais de um país.
Pelo Direito Internacional Privado regula-se: Conflito de leis no espaço; O comércio entre empresas privadas, com sede em países diferentes; A situação do estrangeiro; A nacionalidade; A validade ou não de sentenças estrangeiras; Bens referentes à legitima de estrangeiro, etc..
O Objeto do Direito Internacional Privado (DIPr): pode ser dividido em duas grandes escolas a) Escola Francesa: Diz que o DIPr possui cinco objetos: conflito de leis; conflito de jurisdição; direitos adquiridos; nacionalidade e condição jurídica do estrangeiro. b) Escola Anglo-americana: Para essa escola o DIPr só possui um objeto que é o conflito de leis.
A possibilidade de o juiz de um país (“juiz do foro”) aplicar lei estrangeira decorre da necessidade de se reconhecer fatos, atos e negócios jurídicos constituídos em outros países e cuja negação pelo juiz do foro causaria uma injustiça. Por exemplo, o DIPr brasileiro dispõe que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre a capacidade: esta regra específica foi estabelecida pelo direito brasileiro para evitar, dentre outros problemas, que uma pessoa domiciliada num país estrangeiro e reconhecida ali como maior de idade venha a ser considerada menor de idade no Brasil (caso a lei brasileira e a estrangeira divirjam nesse particular – um “conflito de leis”), o que seria inconveniente e injusto. Este é apenas um exemplo do conjunto de regras que o Brasil criou para evitar conflitos semelhantes. Da mesma maneira que o Brasil, cada Estado nacional possui o seu DIPr, com regras não necessariamente uniformes.
Ao estudo dos conflitos de leis no espaço, muitos juristas acrescentam no escopo do DIPr as normas de direito interno referentes ao conflito de jurisdições, à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro. Em princípio, a lei brasileira deve ser aplicada a todos os brasileiros e estrangeiros que se encontre em território brasileiro (regra da territorialidade).
Os processos que envolvam estrangeiros são de competência de autoridade judiciária brasileira, quando o réu for domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação ou pena. Da mesma maneira, só à autoridade brasileira compete conhecer sobre as ações relativas a imóveis situados no Brasil. Poderá, contudo, cumprir solicitações de autoridade estrangeira competente pelas chamadas cartas rogatórias (por exemplo: num processo judicial na Alemanha, o juiz solicita a um juiz brasileiro que ouça determinada testemunha domiciliada aqui).
Já a homologação de sentença estrangeira, desde a Emenda Constitucional n.º 45, é um procedimento levado ao Superior Tribunal de Justiça cujo objetivo é possibilitar o cumprimento de sentenças estrangeiras no território brasileiro. Só pode ser apresentada mediante alguns requisitos (definidos no artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil), como haver sido proferida por juiz competente, e estar traduzida por intérprete autorizado. Observa-se, porém que as leis, os atos e as sentenças de outro país não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. A norma jurídica fundamental que cuida do assunto é a Lei nº 9.307/96)[3]. Em verdade, a questão referente ao conflito de leis está prevista na Lei de Introdução ao Código Civil que é a lei geral de aplicação das normas jurídicas, mas seus artigos 7º a 17 fixam as diretrizes do Direito Internacional Privado brasileiro.
Os Elementos de Conexão são os elementos técnico-jurídicos que indicam a lei aplicável (“centro de interesses”) em um caso jusprivatista com presença de elemento estrangeiro. Para alcançar a lei aplicável, serve-se o Direito Internacional Privado de elementos técnicos prefixados, que funcionam como base na ação solucionadora do conflito. A esses meios técnicos, usados pela norma indireta para solucionar os conflitos de leis, denominados elementos de conexão.
Os fatos, atos e negócios jurídicos trazem em si mesmo um elemento de estraneidade que pode ligá-lo de forma efetiva ou potencial a dois ou mais sistemas jurídicos. Esses elementos de estraneidade são denominados de elementos de conexão, constituindo o vínculo que relaciona um fato relevante a determinado sistema jurídico. Em DIPr., esses elementos ou pontos de conexão, têm a função de indicar o elemento estrangeiro ou de estraneidade, ou ainda, fato anormal. De acordo com Amílcar de Castro[4], não são nada mais que elementos fáticos aos quais um determinado sistema legislativo confere essa valoração no sentido de indicar a norma aplicável. Diante das diferenças de sistemas legislativos e das qualificações diversas que estes emprestam aos vários elementos de conexão é, evidente, a possibilidade de conflitos de leis. A complexidade do problema, ainda, não foi satisfatoriamente resolvida pela doutrina, e nem pelas convenções e, tão pouco, pela jurisprudência.
De acordo com a LICC podemos resumir conforme o direito envolvido qual é o elemento de conexão verificado e aplicado:
Dentre as regras de conexão acima, cada país escolhe as que melhor lhes convêm para compor o DIPr nacional. Por exemplo, o DIPr brasileiro elegeu a lex domicilii para reger o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família; outros países preferem a lex patriae. O Brasil emprega a lex rei sitae para reger os bens; outros Estados podem recorrer à mobilia sequuntur personam.
1.3) Natureza jurídica da norma internacional
Como ensina a ciência política, o Estado é dotado de soberania, e esta se manifesta de duas maneiras, segundo o âmbito de aplicação. Na vertente interna de aplicação da soberania, o Estado encontra-se acima dos demais sujeitos de direito, constituindo-se na autoridade máxima em seu território. Na vertente externa, por outro lado, o Estado está em pé de igualdade com os demais Estados soberanos que constituem a sociedade internacional.
Esta dicotomia entre as vertentes interna e externa do âmbito de aplicação da soberania do Estado reflete-se, também, na natureza da norma jurídica, conforme seja de direito interno ou de direito internacional. No direito interno, a norma emana do Estado ou é por este aprovada. O Estado impõe a ordem jurídica interna e garante a sanção em caso de sua violação (relação de subordinação).
O mesmo não acontece no Direito Internacional. Neste, os Estados são juridicamente iguais (princípio da igualdade jurídica dos Estados) e, portanto, não existe uma entidade central e superior ao conjunto de Estados, com a prerrogativa de impor o cumprimento da ordem jurídica internacional e de aplicar uma sanção por sua violação. Os sujeitos de direito (os Estados), aqui, diferentemente do caso do direito interno, produzem, eles mesmos, diretamente, a norma jurídica que lhes será aplicada (por exemplo, quando um Estado celebra um tratado), o que constitui uma relação de coordenação. O Direito Internacional é, portanto, sui generis, peculiar, entre os ramos do direito.
Discute-se se existe uma hierarquia das normas de direito internacional, se um tipo de norma seria superior a (e portanto prevaleceria contra) outro tipo de norma. Embora alguns juristas reconheçam, por exemplo, a superioridade dos princípios de direito internacional (tais como os princípios da igualdade jurídica dos Estados e da não-intervenção), grande parte dos estudiosos entende que inexiste hierarquia.
Os conceitos de ato ilícito (violação de uma norma jurídica) e de sanção (penalidade imposta em conseqüência do ato ilícito) existem no Direito Internacional, mas sua aplicação não é tão simples como no direito interno. Na ausência de uma entidade supra-estatal, a responsabilidade internacional e a conseqüente sanção contra um Estado dependem da ação coletiva de seus pares.
1.4) Relações entre o direito internacional público e o direito interno
O Direito Internacional e o direito interno de cada Estado são duas ordens jurídicas distintas ou são fontes do mesmo Direito?[5]
O estudo desta relação enveredou-se em torno de duas vertentes que apesar de desgastadas e criticadas como reducionistas, são ainda citadas e referidas em qualquer obra sobre o tema. Estas correntes são o monismo e o dualismo, que serão tratados a seguir. Mesmo a boa doutrina, como a de Celso Albuquerque de Mello, reconhece que: as teorias monistas e dualistas fornecem as bases doutrinárias para a solução a ser adotada pelos Estados no conflito entre o tratado internacional e o direito interno[6]. A dicotomia estabelecida pela independência entre o Direito internacional e o Direito interno tem levado a problemas doutrinários e práticos sem que se consiga chegar, todavia, a um consenso acerca da predominância de um Direito sobre o outro[7]; pois, havendo um conflito entre uma fonte originária do Direito Internacional e uma de Direito interno, qual delas deverá prevalecer? Vale ressaltar que há também os que digam que essa disputa doutrinária é irrelevante e inócua. Segundo Ross, tratar-se-ia de uma "disputa de palavras". [8]
Nestas teorias se discutem se o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados são duas ordens jurídicas distintas (teoria dualista) ou, ao contrário, se são elas dois sistemas que derivam um do outro (teoria monista).
Segundo a teoria dualista, o direito interno e o internacional são dois sistemas independentes e distintos, ou seja, constituem círculos que não se interceptam (meramente contíguos), embora sejam igualmente válidos. O direito internacional regularia as relações entre os Estados, enquanto o direito interno destinar-se-ia-a a regulação da conduta do Estado com os indivíduos. Por regularem tais sistemas matérias diferentes, eles não poderia haver conflito, ou seja, um tratado internacional não poderia, em nenhuma hipótese, regular uma questão interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento receptivo que o transforme em lei nacional (lei interna). Neste raciocínio, o Estado, para os dualistas, seria um prius lógico do direito internacional, ou seja, não é o Estado que está para o direito internacional, mas sim este é que está para aquele. Nesta concepção, o Estado recusa, pois, a aplicação imediata ao direito internacional. Esta concepção dualista de que o direito internacional e o direito interno são ordens distintas e independentes uma da outra emana do entendimento que os tratados internacionais representam apenas compromissos exteriores do Estado, assumidos por Governos na sua representação, sem que isso possa influir no ordenamento jurídico interno desse Estado, gerando conflitos insolúveis dentro deles. Ou seja, os dois sistemas são mutuamente excludentes, não podendo um interferir no outro por qualquer motivo. Não há nenhuma espécie de contato entre um e outro. Por esse motivo é que, para os dualistas, esses compromissos internacionalmente assumidos não podem gerar efeitos automáticos na ordem jurídica interna, se todo o pactuado não se materializar na forma de diploma normativo típico do direito interno, como uma lei, um decreto, um regulamento ou algo do tipo. É dizer, a norma internacional só vale quando recebida pelo direito interno, não operando a simples ratificação dessa transformação. Neste caso ocorrendo conflito de normas, já não mais se trata de contrariedade entre tratado e a norma de direito interno, mas entre duas disposições internas, uma das quais internalizou a norma convencional, passando este conflito por análise de conflito de normas internas.
O dualismo acredita na existência de duas ordens distintas: a do Direito Interno e a do Direito Internacional.
A ordem interna cuida de problemas internos do Estado e a ordem internacional das relações internacionais desses mesmos Estados e dos organismos internacionais. Não se confundem:
Monismo vem de mono, único, um só. Para os monistas, o Direito é um só. A teoria monista numa síntese da interpretação pode ser observada pela primazia de sua origem, assim pode ser observada como ponto de importância o direito interno, o que se convencionou chamar de monismo com primazia do direito interno, o que vem caracterizar a absoluta soberania do Estado. Para outros tantos, deve ocorrer à prevalência do direito internacional, o que se denominou chamar de monismo com primazia do direito internacional, já que a ratificação de um tratado internacional produz a sua vigência nos direitos internacional e interno, ocasionando uma produção de direito e obrigações, tanto para o Estado, como para os indivíduos.
O monismo com primazia no Direito Interno entende que o Direito Internacional advém de direitos dos Estados. Estes, ao se relacionarem, geram o Direito Internacional. Na verdade, tais monistas negam o Direito Internacional. Já o monismo com primazia no Direito Internacional coloca esse direito em posição de superioridade. Os diversos direitos nacionais se subordinam a um direito maior, o Direito Internacional:
Aceita a tese monista, surge o problema de se saber qual a ordem jurídica deve prevalecer em caso de conflito, se a interna ou a internacional. A unidade, para os monista, pode se dar de duas formas: dando primado à ordem jurídica internacional ou À ordem jurídica nacional de cada Estado.
Ensina Celso Albuquerque de Mello que o monismo sustenta de um modo geral, a existência de uma única ordem jurídica. Esta concepção tem duas posições, quais seja a primazia do direito interno, e outra, a primazia do direito internacional. [9]
a) O monismo com primazia do direito interno tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do Direito Internacional é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por JELLINEK. O Direito Internacional tira a sua obrigatoriedade do Direito Interno. O Direito Internacional é reduzido a um simples ‘direito estatal externo’. Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O Direito Internacional é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional. Esta concepção foi seguida por WENZEL, os irmãos ZORN, DECENCIÈRE-FERRANDIÈRE, VERDROSS (inicialmente). Os autores soviéticos (KOROVIN) sustentaram que o direito internacional só é válido para o Estado, como parte do seu direito nacional, filiando-se a esta concepção da soberania absoluta do Estado. Seguiram a esta tese ainda os juristas nazistas e mais recentemente ela foi adotada por GEORGES BURDEAU, que considera o DIP ‘um direito nacional para uso externo’.
Dois são os principais argumentos dos defensores dessa corrente: (I) a inexistência, no cenário internacional, de uma autoridade supranacional capaz de obrigar o Estado ao cumprimento de seus mandamentos, sendo cada Estado competente para determinar suas obrigações internacionais; (II) o fundamento puramente constitucional dos poderes constituídos para celebrar tratados em nome do Estado, capazes de obrigá-lo no plano internacional.
Esta teoria se encontra sujeita a diversas críticas. A primeira e mais importante de todas é que ela nega a existência do próprio Direito Internacional como um direito autônomo, independente. Ela o reduz a um simples direito estatal. Em conseqüência, como bem observa Truyol y Serra, é uma teoria pseudomonista, vez que não existe apenas um Direito Interno: Esta teoria não se encontra de acordo com a prática internacional: se a validade dos tratados internacionais repousasse nas normas constitucionais que estabelecem o seu modo de conclusão, como sustentara Wenzel, toda modificação na ordem constitucional por um processo revolucionário deveria acarretar a caducidade de todos os tratados, concluídos na vigência do regime anterior. Entretanto, isto não ocorre, porque em nome da continuidade e permanência do Estado ele é ainda obrigado a cumprir os tratados concluídos no regime jurídico anterior. [10]
b) O monismo com primazia do Direito Internacional fora desenvolvido pela Escola de Viena cujos principais representantes são Kelsen, Verdross e Kunz. Mas, é Kelsen quem se destaca ao formular a Teoria Pura do Direito, na qual estabeleceu a conhecida pirâmide de normas. Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da norma que lhe é imediatamente superior; e, a norma primeira é denominada de Grundnorm. Essa concepção fora denominada, na sua primeira fase, de Teoria da Livre Escolha. Ulteriormente, por influência de Verdross, Kelsen sai do seu indiferentismo e passa a considerar a Grundnorm como sendo uma norma de Direito Internacional, ou seja, a norma consuetudinária pacta sunt servanda. Em 1927, DUGUIT e POLITIS defendem o primado do Direito Internacional e com eles toda a escola realista francesa, que apresenta em seu favor argumentos sociológicos. A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional[11]. Como se vê, a solução monista internacionalista para o problema da hierarquia entre direito internacional e direito interno é relativamente simples: um ato internacional sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz, ou seja, a ordem interna deve ceder, em caso de conflito em favor da ordem internacional, que traça e regula os limites de competência da jurisdição domestica.
Como se verifica, a diferença entre as duas teorias monistas das relações entre direito internacional e direito interno de cada Estado, respeita apenas ao fundamento da validade do direito internacional, não ao seu conteúdo, de forma que, em verdade, a diferença está no ponto de referencia que se toma.
De acordo com Direito brasileiro, as fases de elaboração dos tratados são: negociação, assinatura, aprovação, ratificação, promulgação e publicação.
As fases de incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro são:
a) Negociação: é a fase em que o Chefe do Poder Executivo, o Presidente da República negocia os termos do tratado juntamente com o líder ou líderes de outros países;
b) Assinatura: é privativa do Presidente da República (art.84, inc.VII, da CF/88), entretanto, Ministro de Estado também poderá assinar tratados desde que tenha Carta de Plenos poderes conferidos pelo Presidente;
c) Aprovação: cabe ao Congresso Nacional aprovar o tratado celebrado pelo Presidente da República, mediante a edição de Decreto Legislativo;
d) Ratificação: após a edição do Decreto Legislativo pelo Congresso Nacional, o tratado é ratificado pelo Presidente da República, ocasião em que se transmite aos demais Estados-Partes do tratado a intenção do Brasil de formalizar o início da sua exigibilidade;
e) Promulgação: o Presidente da República firma um decreto promulgando o tratado firmado que, a partir da data de sua publicação, passa a integrar o ordenamento jurídico brasileiro;
f) Publicação: o decreto presidencial que promulga o tratado deve ser publicado para começar a viger no território nacional. A publicação é também chamada de “ato de depósito” do instrumento de ratificação.
Participam desse processo os Poderes Executivos e Legislativos. A Constituição determina que a competência para celebrar tratados, acordos e atos internacionais é privativa do Presidente da República (art. 84, inc. VIII). Há, todavia, a possibilidade de Ministros do Estado celebrar tratados e acordos internacionais, desde que possuam uma Carta de Plenos Poderes outorgada pelo Presidente da República. Após sua celebração, os tratados são remetidos ao referendo do Congresso Nacional, a quem cabe decidir sobre a aprovação (art. 49, inc. I). Aprovação se dá por meio do Decreto Legislativo e, após, o ato retorna ao Executivo para ratificação. Por meio da ratificação, o Presidente da Republica transmite aos demais Estados-Partes o intuito de formalizar o início da exigibilidade do tratado. Esse ato se dá pelo depósito do instrumento de ratificação. Para o aperfeiçoamento do ato e início da vigência no território nacional, o Presidente da República firma um decreto de promulgação, cuja data de publicação corresponde ao início da vigência no território nacional. Sendo assim, os tratados internacionais somente passam a integrar o ordenamento jurídico brasileiro após sua promulgação pelo Poder Executivo, posição essa reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal.[12]
A CF de 1988 tem vários artigos que ora nos posicionam como monistas com primazia do Direito Internacional radicais (ex.: art. 7.º do ADCT e § 2.º do art. 5.º da CF de 1988), ora como moderados (ex.: art. 105, III, “a”, da CRFB/88). Por este último artigo, o tratado tem natureza de lei ordinária federal e, portanto, está abaixo da CF de 1988. Também nos posicionamos como dualistas, porque os tratados assinados pelo Brasil devem passar pelo crivo do Congresso Nacional para serem ratificados (art. 84, VIII, da CF de 1988) e depois serão transformados em uma espécie normativa interna (decreto legislativo, decreto etc.).
Além disso, o STF já afirmou que a mesma sistemática de recepção de acordos se aplica aos tratados celebrados no âmbito do Mercosul:
EMENTA: MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA - DENEGAÇÃO DE EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES (OURO PRET0/MG) - INAPLICABILIDADE, POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO INTERNACIONAL CUJO CICLO DE INCORPORAÇÃO, AO DIREITO INTERNO DO BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA DO EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O DIREITO NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E DA APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA PREVISÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE RECEPÇÃO PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS, MESMO DAQUELES FUNDADOS EM TRATADOS DE INTEGRAÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. - Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da C onstituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). - A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de nã o poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL. [13]
Como vimos, a Constituição de 1988 contém um sofisticado sistema para a recepção dos tratados internacionais, sendo que a Emenda Constitucional nº 45/2004, trouxe importante modificações no antigo texto. Vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão
Da leitura do parágrafo 3º acima transcrito, percebe-se a grande inovação pela Emenda Constitucional nº 45/2004, pois o caso o tratado discipline questões de direitos humanos e passe pelo rito de aprovação de uma emenda constitucional quando de sua incorporação terá status de emenda e, portanto, será considerado hierarquicamente superior à lei ordinária. Significa dizer que os termos presentes nessas normas internacionais deverão ser obedecidos por toda a legislação infraconstitucional superveniente, sob pena de inconstitucionalidade. Caso a legislação infraconstitucional superveniente (lei complementar, lei ordinária etc.) desrespeite os direitos humanos assegurados na norma internacional, deverá ser reconhecida a sua inconstitucionalidade (não mais frente à Constituição Federal, mas sim em face da norma internacional aprovada nos termos do art. 5º, § 3º, da CF). Ademais, essas normas internacionais somente poderão ser modificadas por futuras emendas à Constituição (ou, se for o caso, por intermédio de novos tratados ou convenções internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil, também aprovados nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal).
Podemos sintetizar o atual entendimento do Supremo Tribunal nos seguintes enunciados: (I) os tratados internacionais incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária federal; (II) eventuais conflitos entre os dispositivos dos tratados internacionais e as leis ordinárias internas serão resolvidos pelo critério cronológico (lei posterior revoga lei anterior) ou, se for o caso, pelo critério da especialidade (lei geral não revoga lei especial); (III) disposições de tratados internacionais poderão ser revogadas por posterior legislação ordinária interna (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medida provisória), exceto as que possuírem caráter de Direitos Humanos, pois possuem hierarquia de norma constitucional; (IV) os tratados internacionais não poderão dispor sobre matérias constitucionalmente reservadas à lei complementar. Essa orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo as palavras de Celso Albuquerque de Mello, implica a adoção pelo Estado brasileiro da Teoria Dualista Moderada, nos termos seguintes (Informativo STF nº 109, de 4 de maio de 1998): "Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de item procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto constitucional (visão dualista moderada)".
Essa referência de Celso Albuquerque de Mello, identificando a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal como “Teoria Dualista Moderada”, tem sido severamente criticada pela doutrina, para a qual esse novo entendimento do Pretório Excelso corresponde, em verdade, à adoção da “Teoria Monista Moderada” (porém, para o fim de concurso público, entendemos que deverá ser seguida pelo candidato a classificação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, “Teoria Dualista Moderada”).
A grosso modo, na teoria, essas posições dos Estados recebem o nome de monismo e dualismo. Os Estados, ora se encaixam numa ou noutra teoria: a) Monismo com primazia no direito internacional: No Estado (País) que assim se posiciona, quando houver conflito entre o direito interno e o direito internacional, prevalecerá o direito internacional. b) Monismo com primazia no direito interno: O Estado que assim se posiciona, na verdade, nega o direito internacional, porque para ele sempre prevalecerá o direito interno. c) Monismo com primazia no direito internacional não radical: Para os Estados que assim pensam, prevalece o direito internacional, exceção feita a matérias fundamentais em que a primazia fica com o direito interno. d) Dualismo: Admite a existência de duas ordens, uma internacional e outra interna. Correm paralelas. Não há conflito entre elas porque cuidam de matérias diferenciadas, isto é, têm campos diferentes. Se, todavia, houver um conflito, incorpora-se o direito internacional ao direito interno, no que for fundamental e admitido como válido pelo Estado, por meio de uma espécie normativa interna.
O Brasil é tido, ora como dualista, ora como monista com primazia no direito internacional radical, ora como monista moderado. Uma coisa é certa, o Brasil não é monista com primazia no direito interno. Portanto, de forma a exemplificar a aplicabilidade da Norma Internacional, importante ser observado que os tratados internacionais estão, no ordenamento jurídico nacional, no mesmo patamar da lei ordinária federal, salvo os tratados de Direitos Humanos que após o trâmite legal passam a ter eficácia de emenda a Constituição.
No Brasil, o processo de formação e validade dos tratados no ordenamento interno tem três fases.
A primeira é relativa à assinatura, que é um aceite precário e não definitivo, conforme estabelece o artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal:
“Art. 84 – Compete privativamente ao Presidente da República:
VII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional.”
Em seguida, a segunda fase é a aprovação pelo Congresso Nacional, conforme estabelece o artigo 49, I da Constituição Federal:
“Art. 49 – É da competência do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou ato internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
A terceira fase é a da ratificação do tratado pelo Poder Executivo, por meio do Presidente da República. A ratificação cria obrigações jurídicas no âmbito internacional.
A quarta fase é a publicação do texto por Decreto Presidencial no Diário Oficial, o Tratado é incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária, ou seja, a partir desse momento, torna-se lei interna brasileira e seu cumprimento é obrigatório para todos.
[1] RESEK, Francisco. Direito internacional público. Curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 01.
[2] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 07.
[3] AQUINO, Leonardo Gomes de. “A sentença Arbitral”. In. MESCs. Manual de mediação, conciliação e arbitragem. (coord. Ana Paula Rocha do Bonfim e outra.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 161-182.
[4] CASTRO, Amílcar. Direito Internacional Privado, 3.ª ed., Rio de Janeiro, Forense Ed., 1977, p. 432-433.
[5] FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 03.
[6] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 60-65.
[7] FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 04.
[8] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 37.
[9] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 40.
[10] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 41.
[11] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 42-44.
[12] E M E N T A: MANDADO DE INJUNÇÃO - AJUIZAMENTO - AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA - PRESSUPOSTO PROCESSUAL SUBJETIVO - INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO INJUNCIONAL - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. DIREITO DE PETIÇÃO E A QUESTÃO DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA. - A posse da capacidade postulatória constitui pressuposto processual subjetivo referente à parte. Sem que esta titularize o "jus postulandi", torna-se inviável a válida constituição da própria relação processual, o que faz incidir a norma inscrita no art. 267, IV, do CPC, gerando, em conseqüência, como necessário efeito de ordem jurídica, a extinção do processo, sem resolução de mérito. - Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de Advogado, a quem compete, nos termos da lei, o exercício do "jus postulandi". O Advogado constitui profissional indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133), tornando-se necessária a sua intervenção na prática de atos que lhe são privativos (Lei nº 8.906/94, art. 1º). - São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória. Inaplicabilidade do art. 13 do CPC, quando o recurso já estiver em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Precedentes. - O direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (art. 5º, XXXIV, "a"). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática. O direito de petição, contudo, não assegura, por si só, a possibilidade de o interessado - que não dispõe de capacidade postulatória - ingressar em juízo, para, independentemente de Advogado, litigar em nome próprio ou como representante de terceiros. Precedentes. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA SOBRE TODOS OS TRATADOS INTERNACIONAIS. - O exercício do "treaty-making power", pelo Estado brasileiro, está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional. Os tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional, que, incorporado ao sistema de direito positivo interno, transgredir, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. Precedentes. - A questão pertinente aos tratados internacionais de direitos humanos: Art. 5º, § 2º (que instituiu cláusula geral de recepção das convenções internacionais em matéria de direitos da pessoa humana) e § 3º, da Constituição da República. Hierarquia constitucional das cláusulas inscritas em tratados internacionais de direitos humanos (posição do Relator). STF. Tribunal Pleno. MI 772 AgR/RJ - RIO DE JANEIRO. AG.REG.NO MANDADO DE INJUNÇÃO. Rel(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 24/10/2007. DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009. EMENT VOL-02353-01 PP-00057.
[13] STF. Tribunal Pleno. CR 8279 AgR/AT - ARGENTINA. AG.REG.NA CARTA ROGATÓRIA. Rel(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 17/06/1998. DJ 10-08-2000 PP-00006. EMENT VOL-01999-01 PP-00042.
Advogado. Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais. Pós Graduado em Ciências Jurídico-Processuais e em Ciências Jurídico-Empresariais todos os títulos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Especialista em Direito Empresarial pela FADOM. Professor Universitário na área de Direito Comercial no Unieuro e de Direito Empresarial no IESB. Email: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AQUINO, Leonardo Gomes de. Aspectos gerais acerca do Direito Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 out 2009, 08:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/405/aspectos-gerais-acerca-do-direito-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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