O Decreto Lei n.º 7.661/45 estabelecia que devedor e credor não podiam negociar o valor da dívida prorrogando o prazo para pagamento durante um processo de falência, mais este posicionamento ainda permanece com a nova Lei de Recuperação de Empresas e falências?
Para responder esta pergunta, deve-se entender o espírito de cada legislação e nos sentimos autorizados para falar da nova legislação pois tivemos participação ativa em sua reforma e não fomos apenas espectadores.
O Decreto-Lei n.º 7661/45 era criticado por ser extremamente formalista enquanto legislações mais adiantadas, como a francesa era mais flexível(1). O formalismo consistia no fato do devedor seguir exatamente o que estava previsto na Lei para ele se beneficiar de sua "recuperação judicial", a qual era conhecida por concordata.
Se o devedor cumprisse com os requisitos ali mencionados recebia o beneficio da concordata, se não fossem satisfeitos, tinha sua falência declarada. Credor e devedor não podiam negociar o valor da dívida, assim, se o devedor quisesse se recuperar, poderia pedir concordata e escolher se pagaria seus credores à vista, em 6, 12, 18 ou 24 meses e a legislação dava um desconto no valor da dívida para as 4 primeiras situações.
Aquela legislação era formalista não somente para a "recuperação" do devedor, mais também nos casos de falência. Assim, o credor possuindo um crédito de R$ 100,00 poderia pedir a falência do devedor.
O Decreto-Lei n.º 7661/45 começou a ser visto como ultrapassado. Sua defasagem estava centralizada no fato de sua rigidez que não permitia ao devedor negociar suas dívidas com seus credores.
Ainda, o Decreto não permitia que o empresário que tivesse passando por dificuldade financeira provisória viesse a se recuperar quando não preenchesse os requisitos determinados no Decreto para se recuperar.
A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei n.º 11.105/2005) veio com outro espírito, qual seja, o de permitir que devedor e credor negociem suas dívidas.
Este espírito da Lei tem a finalidade de permitir que o devedor em dificuldade financeira provisória possa se recuperar e ninguém melhor que o devedor para saber o tamanho de suas dificuldades. Saímos de uma legislação rígida onde não existia negociação da dívida e passamos para um novo sistema que permite esta negociação.
Esta negociação deve ser permitida não somente nos casos de recuperação, mais também nos casos de falência, pois, qual o motivo de vedar esta negociação? Afirmar que a mora descaracteriza a impontualidade do devedor como ocorria no século passado?
Tal argumento contraria o espírito da nova legislação como demonstrando e ainda viola o artigo 167 que permite a realização de acordos de direito privado entre credor e devedor.
Tal lógica é clara para aqueles que entendem a sistemática da nova legislação, assim, vamos para o mundo real. Um devedor para pedir recuperação judicial ou extrajudicial terá custos elevadíssimos com estes processos, sobretudo com o primeiro, por exemplo, porque terá que contratar profissionais para fazer um plano de recuperação.
Este devedor sabe que seu problema se refere a um ou poucos credores, os quais ele sabe que tem condições de pagá-los. Qual seria o motivo de não permitir que ele viesse durante um processo de falência a negociar o valor de suas dívidas com estes credores? Nenhum!
Então, porque obrigá-lo a pedir recuperação se ele sabe que pagará estes credores? Se ele pedisse recuperação teria que envolver outros credores e aumentariam suas despesas, daí sim saberia que não teria condições de se recuperar.
Como se percebe, não existe lógica para não permitir que o credor conceda moratória ao devedor num processo de falência. Esta concessão fica condicionada ao pagamento da dívida, ou seja, se o devedor pagar se recupera e se não pagar tem sua falência declarada.
Tal raciocínio nos parece o compatível com este novo século, pois, se o devedor não teve condições de pagar sequer o credor que pediu sua falência, estaria ele em condições de pagar os demais que não pediram? Parece que não! E se ele cumprir o acordo com este credor qual será a conseqüência? Não terá sua falência declarada!
Nota:
(1) Robson Zanetti. A prevenção de dificuldades e recuperação de empresas. Curitiba: Editora Juruá, 2000.
Precisa estar logado para fazer comentários.