A Constituição Federal reconhece a família como a base da sociedade, assegurando-lhe especial proteção. Faz expressa referência ao casamento, à união estável e às famílias formadas por só um dos pais e seus filhos. A legislação infraconstitucional, de forma exaustiva, regulamenta o casamento, concede tratamento discriminatório à união estável, mas esqueceu de regulamentar as unidades monoparentais. Esta injustificável omissão, no entanto, não autoriza que se tenham estas famílias como inexistentes. Nem essas e nem outras. Basta dar uma mirada na sociedade dos dias de hoje para concluir que a família é mesmo plural. E, ao final, doutrina teve que se render e acabou reconhecendo que as entidades familiares vão além do rol constitucionalizado. Há toda uma nova construção do conceito de família, dando ênfase à solidariedade familiar e ao co mpromisso ético dos vínculos de afeto.
A visão excessivamente sacralizada da família tenta identificar a monogamia como um princípio, quando se trata de mero elemento estruturante da sociedade ocidental de origem judaico-cristã. Até bem pouco tempo só era reconhecida a família constituída pelos "sagrados" laços do matrimônio. Daí o repúdio às uniões extramatrimoniais. Rotuladas de "sociedade de fato", eram alijadas do direito das famílias.
A tentativa de perpetuar a família fez o casamento indissolúvel e, mesmo depois do divórcio, ainda o Estado resiste em dissolvê-lo. Impõe prazos e tenta punir culpados. O interesse na preservação da família matrimonializada é tão grande que até 2005 o adultério era crime. A bigamia ainda é. O Estado se imiscui de tal maneira na intimidade do casal que impõe o dever de fidelidade (Cód. Civil, art. 1.566, I). Considera o adultério como justa causa para a separação (Cód. Civil, art. 1.573, I), e o reconhecimento da culpa do infiel faz com que ele perca o nome de casado (Cód. Civil, art. 1.578). Alimentos, só recebe o quanto baste para sobreviver (Cód. Civil, art. 1.704, parágrafo único).
A lei tenta de todas as formas obrigar a manutenção de um único vínculo familiar, mas a sociedade sempre tolerou a infidelidade masculina. Os homens são os grandes privilegiados, pois nunca foram responsabilizados por suas travessuras sexuais. Tanto é assim que durante muito tempo os "filhos adulterinos" não podiam ser reconhecidos. As uniões extramatrimoniais até a pouco não geravam quaisquer ônus ou encargos. E ter "outra" é motivo de orgulho e da inveja dos amigos.
Em contrapartida, as mulheres sempre foram punidas. A infidelidade feminina autorizava o homem a "lavar a honra da família", o que livrou muitos maridos traídos da cadeia. Como os "filhos ilegítimos" não tinham direito à identidade, eram só "filhos da mãe", assumindo ela a responsabilidade exclusiva pela sua criação e manutenção. Também a resistência em abrigar o concubinato no âmbito do direito das famílias gerou legiões de mulheres famintas, pois não lhes era assegurado nem alimentos e nem direitos sucessórios. Como sociedades de fato, dividiam-se lucros e não os frutos de uma sociedade de afeto.
Esta mania de punir a mulher como forma de assegurar ao homem o livre exercício da sexualidade ainda persiste. De maneira simplista os vínculos familiares que se constituem de modo concomitante ao casamento são condenados à invisibilidade. Contam com a conivência do judiciário. Com isso, as uniões paralelas - uma façanha exclusivamente masculina - continuam sendo incentivadas. Os nomes são vários: concubinato adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, e até concubinagem. Mas a conseqüência é uma só: a punição da mulher. A ela é atribuída a responsabilidade pelo adultério masculino. Tanto que, somente na hipótese de ela alegar que desconhecia a condição de casado do companheiro é que tem chance de receber parte do que conseguir provar que ajudou a amealhar. Caso confesse que sabia que o homem não lhe era fiel, é impiedosamente condenada a nada receber. O fundamento: não infringir o dogma da monoga mia.
Assim, tanto a lei como a justiça continuam cúmplices do homem. Bem feito! Quem manda ser mulher?
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