Recebi um e-mail do meu eminente amigo e colega Prof. Hugo Nigro Mazzilli acerca da recente decisão tomada em Cáceres/MT, pelo Juiz Substituto da 4.ª Vara local, Dr. Geraldo Fernandes Fidélis Neto, que concedeu liminar em mandado de segurança impetrado por uma vestibulanda da Universidade de Mato Grosso (Unemat) contra o Prof. Taisir Karin, Reitor da Unemat, e a Prof.ª Geysa Atala Curso, Coordenadora da Comissão de Vestibular (Covest).
A estudante, que prestou exames vestibulares para o curso de Direito na Unemat e foi reprovada, diz ter obtido bons resultados na prova de múltipla escolha e se mostrou inconformada com o fato de, na prova discursiva, ter sido sumariamente desclassificada, com nota zero. Ela tentou requerer reexame da prova na esfera administrativa da Universidade, mas nem sequer conseguiu protocolar seu requerimento, pois a direção da Unemat alegou que, em conformidade com o que havia disposto no edital de convocação dos vestibulares, os candidatos não poderiam, em hipótese alguma, ter acesso às provas feitas ou solicitar seu reexame.
A jovem recorreu, então, à Justiça, pedindo que lhe fosse garantido o direito de ter acesso à prova para poder apresentar recurso hábil junto à Covest. O mandado de segurança foi concedido pelo citado Juiz Substituto da 4.ª Vara, em forma de liminar. Segundo o Magistrado, “a administração da Unemat, mediante esse ato discricionário, caminha muito próxima da arbitrariedade ao obstar o direito de ser questionada”. O ilustre Juiz ressaltou, ainda, que “o concurso vestibular deve zelar pela transparência, fator este que embasa o princípio da moralidade, da legalidade e da razoabilidade, dispostos no art. 37 da Constituição Federal”. Acrescentou considerações dignas de registro:
“É do ser humano o direito ao inconformismo, diante de uma contrariedade a interesse seu. E o clamor é maior se lhe vedam o direito de ao menos saber o que, eventualmente, errou, ou qual a razão de sua desclassificação, máxime quando as notas da prova objetiva estavam indicando uma boa colocação nos exames. Aliás, com certeza, esse sentimento de inconformismo, natural do ser humano, é potencializado diante do fato de a impetrante ser pretensa acadêmica do curso de Direito, onde, no futuro, vai zelar pela aplicação das normas jurídicas e, no dia-a-dia, vai exercitar a dialética, o contraditório e o respeito à Constituição e às leis.”
O Prof. Hugo Mazzilli chamou minha atenção para a importância dessa decisão. Embora, como ele bem ressalta, seja apenas a de um Juiz Federal isolado, e conquanto seu âmbito se restrinja aos exames vestibulares de uma só jovem, a tese expendida pelo Magistrado tem enorme alcance, visto que se aplicaria não só a exames vestibulares mas a outros concursos públicos de natureza diversa – por exemplo, concursos de ingresso nas carreiras jurídicas.
Com razão. O importante é que a decisão reconhece o direito de o candidato recusado ou preterido ter acesso à prova que fez e, conseqüentemente, recorrer, ainda que ambos sejam explicitamente negados no edital de convocação do concurso.
Concordo em gênero, número e caso com a opinião do ilustre Professor. A sentença do Magistrado, sobre ser justa e razoável, é aplicável a uma gama muito ampla de situações, em casos de concursos para as carreiras jurídicas e, mais amplamente, para muitas outras hipóteses análogas. Ressalvo, entretanto, que o princípio louvado não se aplica, evidentemente, a certas situações especiais nas quais o candidato não tem, pela própria natureza da sua solicitação, direito de exigir nada, mas apenas solicita um favor que pode ou não lhe ser concedido, com inteira liberdade de opção para a pessoa ou entidade a quem cabe tomar a decisão. É o caso, por exemplo, da Academia Brasileira de Letras: há 39 eleitores e apenas 1 vaga para preencher. Apresentam-se 3 candidatos; 1 é eleito e 2 são preteridos. Eles não podem, obviamente, pedir reexame ou discutir a decisão soberana do corpo de eleitores.
Outro caso em que a sentença também não pode ter aplicabilidade é o de um clube restrito ou o de uma instituição cultural altamente seletiva – como é, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do qual tenho a honra de ser membro. Suponha-se que se apresente um candidato a sócio, exibindo seu currículo. O nome é proposto, em conformidade com os estatutos, em duas reuniões secretas consecutivas, reservadas exclusivamente aos membros ativos do Instituto. A candidatura é discutida entre os presentes e, depois, procede-se à votação secreta no clássico sistema de “jabuticabas e naftalinas” (bolas brancas ou pretas). Se o candidato não obtém nas duas votações o número de votos indispensável para ser eleito, ele é rejeitado e reservadamente receberá uma discreta notificação de que não alcançou o número de votos necessários para ser eleito. Poderá até, depois de certo tempo, reapresentar-se e tentar novamente a eleição, mas aquela em que foi rejeitado não lhe cabe discutir nem dela pode pedir reexame. São as regras do jogo. Essas situações são de índole muito diversa da que ocorre em concurso público para as carreiras jurídicas, no qual se aplica, sem dúvida, o mesmo princípio enunciado pelo ilustre Magistrado mato-grossense.
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