Resumo
O artigo tem o objetivo de fazer uma análise da problemática envolvendo a aplicação da suspensão dos direitos políticos na condenação criminal transitada em julgado, com base numa interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988.
Palavras-Chave: Impossibilidade. Suspensão. Direitos Políticos. Condenação Criminal.
Introdução
Tema de significativa importância no estudo do direito penal constitucional e que ainda não encontra pacificação entre os juristas, apesar do posicionamento já sedimentado no Supremo Tribunal Federal, diz respeito à aplicação da suspensão dos direitos políticos na condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos.
Enquanto alguns entendem pela auto-aplicabilidade do artigo 15, III, da Constituição Federal de 1988, como já firmou a Suprema Corte do país no RE 2255019/GO, RE 1795026/SP e HC 14616/MS, outros advogam a tese de que havendo possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, não se justifica a suspensão dos direitos políticos, na hipótese de condenação criminal. Assim, somente será razoável acarretar o julgamento criminal a suspensão dos direitos políticos quando, em conseqüência, importar na custódia do condenado.
Daí, notamos a necessidade de uma análise mais profunda da problemática que envolve a suspensão dos direitos políticos na condenação criminal, sem, é lógico, querer esgotar o tema.
Direitos Políticos
Os direitos políticos, para muitos dos doutrinadores, são conceituados como sendo o conjunto de condições e ou atributos que permitem o indivíduo intervir na vida política do Estado, votando e sendo votado. Entretanto, tal conceito não se apresenta por completo, porquanto, liga-se a idéia de que os direitos políticos são apenas aqueles que permitem a pessoa humana de participar do governo de seu país, direta ou indiretamente.
Os direitos políticos devem ser entendidos de forma mais abrangente possível, devendo, portanto, ser compreendido como sendo as prerrogativas, atributos, faculdades que se conferem ao indivíduo para o exercício das liberdades individuais (expressão, informação e consciência) e integração ao Estado, quer participando do processo político (votando e sendo votado), quer exercendo cargos públicos e ou a fiscalização dos detentores do poder.
Para o insigne jurista ALEXANDRE DE MORAES in Direito Constitucional, 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2003, p. 232, direitos políticos “são direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania”.
Os direitos políticos são atributos que se conferem ao individuo para ser cidadão. Daí que, mesmo estando o sujeito encarcerado e ou privado de sua liberdade ele ainda continua emergindo como cidadão, pois, acha-se comprometido como membro-soberano em face da sociedade e do corpo político.
Privação dos Direitos Políticos
Pela regra do artigo 15 da Constituição Federal de 1988 é vedada a cassação de direitos políticos, entretanto, os seus incisos estabelecem as hipóteses em que ocorrerá a perda e ou a suspensão, cuja análise permite inferir a sua distinção. A perda dos direitos políticos configura privação definitiva dos mesmos e sua ocorrência se verifica nos casos de cancelamento da naturalização por sentença judicial transitada em julgado e recusa em cumprir obrigação imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII. Por outro lado, a suspensão dos direitos políticos caracteriza-se pela temporariedade da privação dos direitos políticos, cuja ocorrência se constata nas hipóteses de incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos e improbidade administrativa.
Por ser uma exceção constitucional, a privação dos direitos políticos somente se admite nas hipóteses mencionadas na Lei Maior.
Suspensão dos Direitos Políticos na Condenação Criminal Irrecorrível
Nota-se, desde a Constituição do Império, de 1824, os direitos políticos dos condenados criminalmente vêm sendo regulamentados. Confira-se:
“Art. 7. Perde os Direitos de Cidadão Brazileiro:
I. O que se nataralisar em paiz estrangeiro.
II. O que sem licença do Imperador aceitar Emprego, Pensão, ou Condecoração de qualquer Governo Estrangeiro.
III. O que for banido por Sentença.
Art. 8. Suspende-so o exercicio dos Direitos Politicos
I. Por incapacidade physica, ou moral.
II. Por Sentença condemnatoria a prisão, ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos”.
Assim, o Código Criminal do Império, de 1830, previu que os condenados às penas de galés, à prisão simples ou com trabalho, às penas de degredo ou a desterro ficariam privados do exercício dos direitos políticos de cidadão brasileiro, enquanto perdurassem os efeitos da condenação. Na mesma linha, o Código Penal de 1890, em seu art. 55, estabeleceu que, a condenação à pena de prisão celular ensejaria, dentre outras conseqüências, a suspensão de todos os direitos políticos.
O Código Penal de 1940, seguindo orientação constitucional também foi expresso quanto à suspensão dos direitos políticos, entretanto, como pena acessória da principal, situação que perdurou até a edição da Lei n.º 7.209 de 11. 07. 1984, que ao dar nova redação à Parte Geral do Código Penal excluiu do texto legal a suspensão dos direitos políticos, remanescendo apenas a interdição temporária de direitos, disciplinada pelos artigos 43 a 40 do referido código.
Diferentemente das constituições anteriores, a Emenda Constitucional n.º 01 de 1969, em seu artigo 149, § 2º, “c”, passou a disciplinar que: “assegurada ao paciente ampla defesa, poderá ser declarada a perda ou a suspensão dos seus direitos políticos por motivo de condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos”, sendo que, nos termos do § 3º deste mesmo artigo ficou estipulado a necessidade de edição de lei complementar para dispor sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição. Com isso, o entendimento de que a suspensão dos direitos políticos nos casos de condenação criminal irrecorrível seria auto-aplicável deixou de existir, em face da inexistência da lei complementar exigida pela Constituição Federal.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, novamente o assunto veio à baila, porque o seu artigo 15, ao vedar expressamente a cassação dos direitos políticos, abriu exceção para a perda ou suspensão, pela circunstância, dentre outras, decorrente da condenação criminal irrecorrível. A extensão de tal preceito, entretanto, tem causado celeuma entre os doutrinadores pátrios. Para o Supremo Tribunal Federal, a suspensão dos direitos políticos é mera conseqüência do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. Sobrevindo a primeira, necessariamente ocorre a segunda, mesmo que a sentença nada declare quanto aos direitos políticos do réu.
Numa posição mais amena, alguns juristas têm entendido que, apesar de auto-aplicável o preceito contido no inciso III do art. 15 da Constituição Federal, dada a clareza do conteúdo, este dispositivo não se aplica automaticamente em qualquer situação. Por isso não se pode conceber que o condenado criminalmente seja alijado de sua condição de cidadão por insistência na interpretação puramente literal do dispositivo em referência, e no substrato ético que a fundamenta, depois de árdua e corajosa modernização das políticas criminais e aprimoramento do sistema substitutivo das censuras carcerárias. Tal pensamento, induvidoso, pode implicar outra pena que traz conseqüências talvez mais severas que o próprio castigo cominado ao delito previsto no ordenamento jurídico-penal. Arreda-se da vida pública, indiscriminadamente, tanto aquele para quem se fez necessário o afastamento do convívio em sociedade, via segregação, quanto o que vem a ser beneficiado, ainda que condicionalmente, pela isenção do encarceramento após rigorosa avaliação, dentre outras circunstâncias, da natureza e da gravidade da infração penal que cometeu, de seus atributos pessoais e da pena que lhe é infligida. Postulados dos mais caros ao Estado Democrático de Direito - os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa e, principalmente, da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal - são extirpados desse raciocínio que subtrai ao aplicador da lei o poder de decidir, ao cabo da análise singular de cada caso, sobre a incidência ou não do instituto que prevê a sustação das prerrogativas políticas1. Assim, conforme ponderou o Min. MARCO AURELIO quando do julgamento do recurso n.º 11.562, em v. acórdão do augusto Tribunal Superior Eleitoral, publicado no DJ de 10.02.1995, p. 1950, estando em jogo direito inerente à cidadania, não se concebe emprestar ao dispositivo constitucional analisado alcance elástico, mas sim restrito. Por isso, somente será razoável acarretar o julgamento criminal a suspensão dos direitos políticos quando, em conseqüência, importar na custódia do condenado, ou seja, havendo substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, não se justifica a suspensão dos direitos políticos. Neste aspecto, transcreva-se as ponderações do i. magistrado paulista DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR, em artigo publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ed. RT, volume 15, págs. 86/96: "Assim sendo, e afastada por completo a idéia de sanção que possa à primeira vista emergir do comando constitucional, nada mais adequado que restringir a suspensão dos direitos políticos a casos em que por efeito da condenação, ou, em outras palavras, por causa dela, veja-se o sentenciado materialmente impossibilitado do exercício pleno de seus direitos de cidadania, de votar e ser votado".
Destarte, é principio geral de direito, aceito, inclusive, pela consciência democrática, os impedimentos e restrições de qualquer natureza e ou espécie, sobretudo, os que tangem aos direitos humanos e fundamentais, devem derivar de expressa disposição legal.
Impende observar, o artigo 5º, XLVI, “e” da Lei Maior preceitua que: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a suspensão ou interdição de direitos”. O artigo 92 do Código Penal Brasileiro não inclui a suspensão dos direitos políticos como efeitos da condenação. Também não se verifica em nenhuma outra lei a regulamentação do artigo 15, III da Lei Fundamental. De falar ainda, que pela regra do artigo 5º, XXXIX, deste mesmo Estatuto Maior foi adotado o principio da reserva legal para as censuras penais, segundo o qual não há pena sem previa cominação legal, ou seja, a existência de uma censura penal depende de previsão expressa na lei, ainda que seja uma pena acessória, pois o legislador constituinte não fez nenhuma acepção quanto à modalidade de censura, senão, a previsão de que esteja expressa na lei. Por conseguinte, verifica-se que, o direito penal rege-se pela legalidade estrita, regra que não pode ser menosprezada e ou ignorada pela comunidade jurídica.
Muito embora a Constituição Federal, em seu artigo 15, inciso III, tenha permitido a suspensão dos direitos políticos na condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos, a regra não se apresenta de todo com a clareza necessária e indispensável para a sua aplicabilidade, sobretudo, no que se refere aos seus limites e alcance, o que de certa feita acaba por violar os princípios da individualização da pena e até mesmo o da proporcionalidade.
À vista destes argumentos e numa interpretação sistemática com a Constituição Federal, entendemos que, não há como aplicar a pena acessória de suspensão dos direitos políticos, na hipótese de condenação criminal irrecorrível, sem que haja prévia regulamentação do artigo 15, III da Carta Política. E isto porque, sem regulamentação devida, a aplicação da suspensão dos direitos políticos como uma censura penal acessória pode se tornar mais grave e drástica que a pena principal, pois, no mundo moderno, destituir alguém de sua cidadania é tendencialmente expulsá-lo do mundo, tornando-o insignificante e desprezível, já que fica impossibilitado do exercício de uma série de direitos, como por exemplo, estudar em instituições de ensino público, prestar concurso público e o serviço militar, obter certidão ou título de eleitor, votar e ser votado, ajuizar ação popular. A suspensão dos direitos políticos do condenado criminalmente, assim, além de vulnerar o princípio constitucional da soberania popular, caracteriza-se como a violação de um direito fundamental da pessoa humana no seu aspecto mais íntimo.
Conclusão
A sociedade brasileira alçou em nível constitucional a garantia dos direitos políticos como direito fundamental do indivíduo. Trata-se de um direito que visa assegurar-lhes o status activae civitatis, permitindo-se o exercício concreto da liberdade-participação.
Não bastasse, a Lei Maior brasileira propugna pelo Estado Democrático de Direito, pautado, dentre outros fundamentos, pelo respeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana.
Neste diapasão, é impossível imaginar que a simples condenação do individuo, transitada em julgado, seja suficiente, por si só, independentemente do sentido ou alcance que se dê à parte final do inciso III do artigo 15 da Constituição da República de 1988, a conduzir a suspensão abrangente dos direitos políticos, como se fosse uma pena acessória, quando sequer, encontra-se disciplinada no Código Penal e ou em qualquer outra lei esparsa no ordenamento jurídico brasileiro.
Enquanto o legislador ordinário não delimitar o sentido e alcance da disposição ínsita no artigo 15, inciso III da Lei Maior, como foi feito para os incisos I, II e V, através da edição das Leis de n.ºs. 6.815/80 (perda da naturalização do estrangeiro), 10.406/02 – (incapacidade civil absoluta) e 8.492/92 (improbidade administrativa), à guisa do entendimento majoritário, é de ser ter pela impossibilidade da aplicação da suspensão dos direitos políticos na condenação criminal irrecorrível, seja como efeito automático, seja por expressa disposição na sentença penal, até mesmo para se evitar violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade da pena.
Referência Bibliográfica
CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. A suspensão dos direitos políticos em face dos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo : Revista dos Tribunais. Ano 4. n. 15, jul/set. 1996, p- 89-96.
GODOY, Celso Martins de. Perda e suspensão dos direitos políticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2010.
MASCHIO, Jane Justina. Os direitos políticos do condenado criminalmente. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 346, 18 jun. 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2003.
TJMG. 4ª Câmara Criminal. Apelação Criminal 1.0351.06.071140-2/001. Relator Des. DOORGAL ANDRADA.
WOLKMER, Antonio Carlos. Direitos políticos, cidadania e a teoria das necessidades. Revista de Informação Legislativa. Ano 31, n. 122 mai./jul. 1994, p. 275-280.
Notas
1 Trecho do voto do Desembargador Eduardo Brum da 4ª Câmara Criminal do TJMG, quando do julgamento da Apelação Criminal 1.0351.06.071140-2/001.
Tabelião concursado do 1º Ofício de Notas de Mutum/MG; Bacharel em Direito com Pós-Graduação em Direito Público, Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Direito Notarial e Registral e Direito de Família e Sucessões. Foi advogado nas Comarcas de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Foi Tabelião concursado do Tabelionato de Protesto de Títulos da Comarca de Peçanha/MG e Oficial Registrador interino do Ofício de Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Peçanha/MG. Ex Diretor do Procon Municipal de Ribeirão das Neves/MG e Ex Procurador Geral da Câmara Municipal de Ribeirão das Neves/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Marcone Alves. Impossibilidade de aplicação da suspensão dos direitos politicos na condenação criminal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2010, 08:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/519/impossibilidade-de-aplicacao-da-suspensao-dos-direitos-politicos-na-condenacao-criminal. Acesso em: 24 nov 2024.
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