A cidade de Ilhéus, no sul baiano, na madrugada do dia 20 de novembro, fora palco da ocorrencia da vil discriminação racial sofrida pela administradora de empresas Jamile Catarino Pacheco quando se divertia num restaurante local pelo então acusado professor Saulo da Cruz Ramos.
Segundo a imprensa, o acusado teria desferido contra a administradora os insultos raciais de “neguinha do cabelo chapado” e “preto não tem vez”. Por tal, o professor fora preso e autuado pela autoridade policial em flagrante delito pelo crime de racismo e por fim recluso à carceragem da polícia civil.
O fato fora noticiado por todos os veículos de comunicação, alcançando a dimensão estadual e mesmo nacional do telejornalismo. Porém, por um equívoco tecnico jurídico da autoridade policial, o crime fora tipificado como crime de racismo, sendo que o mesmo jamais o tenha ocorrido. O crime, em tese, que se depreende do noticiário, praticado pelo ora acusado, trata-se de injúria qualificada por elemento referente a raça, jamais crime de racismo.
Corroborando com o nosso entendimento, tão logo a autoridade judiciária, no primeiro dia útil subsequente ao encarceramento, tomou conhecimento da prisão em flagrante pelo crime de racismo, trouxe, incontinenti, à liberdade o ora acusado, mediante pagamento de fiança.
Caso o nobre julgador recepcionasse a errônea peça policial, qual seja, o flagrante delito pelo crime de racismo, seria impossível a concessão da liberdade mediante pagamento de fiança uma vez tratar-se de crime inafiançável, conforme preceito constitucional petrificado nas garantias e liberdades individuais do Art. 5.º.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
O judiciário, demonstrando tecnicismo penal irretocável, classificou e reconheceu tacitamente o delito em tela como crime de injúria, tipificado no art. 140 do código penal pátrio, qualificado por elemento referencial a raça, §3º. Vejamos:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de 1 ( um) a 6 (seis) meses, ou multa.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem:
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Eis então o principal divisor de águas entre os delitos de racismo e injúria qualificada por elemento referente a raça, ou injúria preconceituosa, ou ainda injúria racista, qual seja, a fiança. O crime em tela é tão vil quanto o crime de racismo, todos repugnantes e inaceitáveis. Porém, o crime de racismo há, de acordo o princípio constitucional da proporcionalidade, de ser apenado de forma mais potencial, o que ocorre por sua inafiançabilidade.
Eis jurisprudência.
A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o previsto no art. 20 da Lei 7716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou cor. (TJSP – RT 752/594).
Caso idêntico ao ocorrido na cidade de Ilhéus, na Bahia, foi o caso Grafite, que alcançou a mídia nacional como um todo. Quem não se lembra do jogador Grafite que foi chamado de “negro”, “negro de merda” “negrito” e talvez ainda por “macaquito” pelo jogador arqui rival argentino Leandro Desábato em pleno jogo entre o São Paulo e o Quilmes?
O Delegado de Polícia, que na ocasião lavrou a prisão em flagrante do jogador argentino, agiu acertadamente corroborando com o nosso entendimento. Apesar de haver uma linha bastante tênue entre o crime de racismo e a injúria racial, a autoridade o flagranteou incurso no crime capitulado no art. 140, §3º do CP, qual seja, injúria racial.
Por fim, deixamos concluso que ambos os crimes tem na essência o referencial racista. Porém, o crime em tela, sabiamente interpretado de forma tácita pelo judiciário, nos conduz essencialmente ao animus injuriandi, o que de certo não se faz presente no também desprezível crime de racismo.
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