Gorjeta quer dizer bebida ou dinheiro com que se gratifica um pequeno serviço. Esse era o entendimento de Aurélio Buarque – o pai dos burros, em 1961. Hoje, cinco décadas após, não posso mais afirmar o que seja a “gorjeta”, muito menos me arriscaria a intitular sua natureza jurídica.
Na CLT a gorjeta tem status de remuneração, art. 457 e compreende tanto as gorjetas pagas de forma volitiva como as cobradas pelo estabelecimento, como adicional nas contas a pagar.
Historicamente, a gorjeta se refere à garganta. Era nada mais do que um agrado que se dava ao prestador de serviço pela feitura de seu labor, qualquer que fosse este, em troca de algo para beber, para molhar a garganta - gorjeta. Ou seja, uma contraprestação não vinculada ao serviço, apenas um ato volitivo, espontâneo de agradecimento.
Trata-se de uma liberalidade e não de uma obrigatoriedade. O empregador, sim, tem a obrigação de retribuição pecuniária ao empregado pelo serviço ora prestado ou desenvolvido. Ao consumidor, impõe-se pagar o quanto auferido, nada mais.
Já não bastassem os abusos a que são acometidos os consumidores com constrangedoras cobranças de dez por cento sobre os serviços, notadamente nos bares e restaurantes, eis que o Senado Federal descabidamente aprovou o Projeto de Lei do Senador Marcelo Crivella, onde bares, restaurantes e similares poderão cobrar gorjeta de vinte por cento sobre contas encerradas à noite, entre as 23 horas e seis horas do dia vindouro.
Fundamenta sua proposta de lei alegando que esses profissionais, os garçons e congêneres, trabalham tarde da noite, madrugada, estando sujeitos a riscos de violência. Alega ainda que esses profissionais sofrem com as dificuldades de transporte e “estão submetidos a um grau de penosidade maior do que aqueles que trabalham nas primeiras horas da noite ou durante o dia".
Aparentemente a gorjeta perdeu sua natureza jurídica. Trata-se então de pecúnia aos trabalhadores noturnos – 23 horas em diante – e da madrugada, em virtude de iminente risco de violência e penosidade de locomoção. Mas, a legislação trabalhista já não abarca esses fundamentos com os institutos do adicional noturno, adicional por periculosidade e adicional por insalubridade?
Mas, auto lá. Esse projeto é restrito e alcança apenas as classes de garçons e congêneres. E onde se encaixam os demais trabalhadores, como os seguranças, comerciários, frentistas, lixeiros, serventes, arrumadeiras de motéis, recepcionistas, profissionais da segurança e da saúde, enfim, todos os demais profissionais que laboram nas mesmas condições elencadas como fundamento para a aprovação dessa Lei. Igualdade de direitos. Vinte por cento a todos!
Não temos que pagar a conta da omissão Estatal. Desproporcional e carente de fundamento jurídico-social. Esse é o projeto de lei aprovado por nosso senado. Um presente legislativo “grego”, anti-social, que visa transferir as faltas do Estado para o cidadão – consumidor, ora “troianos”.
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