O princípio do estado de inocência ou, como preferem, da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal de 1988 (art. 5.º, LVII), determina, antes de a sentença condenatória transitar em julgado, a impossibilidade de se impor ao acusado de um crime qualquer medida de coação pessoal ao seu direito de liberdade, que se revista de característica de execução de pena. Proíbe-se a denominada “pena antecipada”, exceção às providências de natureza cautelar, como a prisão em flagrante, a preventiva e a temporária. Nesse sentido: TJSP, HC n. 79.434, RJTJSP 121/352.
Podem, assim, ser utilizados meios coativos contra o infrator penal, ainda que seja mero suspeito, durante a persecução punitiva, mesmo antes de ser instaurado inquérito policial. São legítimos, de modo que, enquanto não transitada em julgado a sentença condenatória, não podem ser tomadas contra o suspeito, indiciado ou réu medidas que seriam próprias da fase da execução, a não ser quando vinculadas à sua natureza cautelar, provisória e necessária. Por isso, dele decorrem outras regras, como: o sujeito só pode ser processado nas hipóteses previstas em lei; a cada um é assegurado o devido processo legal, obedecidos estritamente os ritos procedimentais; ninguém pode ser julgado sem citação regular; no terreno das provas, deve vigorar o brocardo in dubio pro reo; o fato que apresenta dúvida razoável quanto à sua ocorrência não pode ser considerado provado; não há presunção de dolo, de culpa ou de culpabilidade; por último, o réu tem direito a ver o seu caso julgado em um prazo razoável.
O princípio deve ser empregado com critério e equilíbrio, buscando-se uma justa posição entre o direito de punir do Estado e o direito penal público subjetivo de liberdade do cidadão. A medida a ser tomada precisa estar no meio-termo entre o respeito às garantias determinadas pela Constituição, como o devido processo legal, o contraditório, o princípio da dignidade, a plenitude de defesa etc., e a exigência da segurança social. Esta não pode sobrepor-se àquelas e vice-versa. O ponto de equilíbrio é aquele em que, resguardada a segurança social, a medida não se mostra injusta, cruel e desnecessária.
Estamos seguramente convencidos de que, mesmo que sejam providências de investigação, deve ser guardada a presunção de inocência. E não basta à autoridade afirmar que a determinação constitucional está sendo obedecida. Assim como à mulher de César não basta ser honesta, precisa parecer honesta, nos casos criminais não é suficiente que pareça que estão sendo obedecidas as regras da dignidade e da presunção de inocência do acusado: é necessário que isso esteja realmente ocorrendo.
Não é possível que, diante de provas ainda não submetidas ao contraditório, ainda que sejam consideradas firmes pela autoridade persecutória, o acusado seja exposto ao escárnio público como se já tivesse sofrido sentença condenatória. O mal é irreparável, mesmo que venha a ser absolvido.
Não estou defendendo uma Justiça Criminal frouxa nem suspeitos em face dos quais, não havendo provas seguras de inocência ou de autoria e materialidade, não foi escrita, ainda, sua verdadeira história. Incluo-me na totalidade dos brasileiros estarrecidos diante de crimes hediondos cometidos no cotidiano, causando intensa repulsa à consciência nacional.
A atuação da Justiça Criminal deve ser justa, severa, eficiente e responsável; que o criminoso, atendidas a gravidade do crime e sua culpabilidade, cumpra realmente a pena merecida.
Mas é preciso cautela. Não da boca para fora.
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