Tramita na Câmara dos Deputados a PEC n° 482/10 que acrescenta a alínea “d” ao inciso III, do art. 150, da CF para consignar que é vedado cobrar o “imposto predial e territorial urbano, de imóvel situado próximo ou no entorno de favelas, invasões e loteamentos irregulares, não sendo exigido do contribuinte prova da desvalorização do imóvel”.
A PEC introduz, na verdade, uma imunidade tributária, por isso, seu texto ficaria melhor situado inserindo-se a alínea “e” no inciso VI, do art. 150, da CF se fosse o caso.
Imunidade, como se sabe, é uma limitação ao poder de tributar. Ela atua exclusivamente no campo de definição de competência tributária, ao contrário da isenção, que atua no campo do exercício da competência tributária.
A imunidade decorre do princípio federativo (imunidade recíproca, imunidade de tráfego interestadual e intermunicipal), ou dos direitos e garantias fundamentais (imunidade genérica) visando proteger a liberdade de pensamento (imunidade do livro, jornal, revista e papel destinado a sua impressão); a liberdade religiosa (imunidade de culto); os objetivos institucionais relevantes (partidos políticos, sindicatos de trabalhadores, instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos).
Por isso, a imunidade tem sede apenas na Constituição Federal e não é passível de revogação ou suspensão, por configurar uma garantia constitucional protegida por cláusula pétrea, conforme decidiu o STF na ADI 939-DF, Rel. Min. Sydney Sanches.
Pois bem, o proprietário ou possuidor de imóvel situado no “entorno de favelas, invasões e loteamentos irregulares” pode ser beneficiado pela imunidade do IPTU, tendo em vista as razões da imunidade retro apontadas?
Essa imunidade não contraria o interesse público considerando que ela poderá estimular os loteamentos irregulares ao invés de combatê-los, inclusive, por via de tributação extrafiscal?
Na realidade, a questão deve ser resolvida no plano infraconstitucional. Nem é preciso, sequer, instituir a isenção do IPTU. Bastará a correta aplicação da legislação pertinente.
Costuma-se dizer, equivocadamente, que o IPTU grava a propriedade imobiliária. A propriedade imobiliária é mero objeto do IPTU. O fato gerador do IPTU, que desencadeia a obrigação de pagar o imposto respectivo, é a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil ou da posse (art. 32, do CTN), excluída a posse de conteúdo não econômico, como, por exemplo, a posse do locatário.
Logo, um imóvel esvaziado em seu conteúdo econômico (situado no topo do morro, nos mananciais de água etc.) não pode ser tributado pelo IPTU, pois seu proprietário não detém a disponibilidade econômica desse imóvel, que se encontra fora do mercado imobiliário. Lembre-se que a Constituição proíbe a tributação com efeito de confisco (art. 150, IV).
Por outro lado, um imóvel com restrições parciais de uso, em razão de normas ambientais ou urbanísticas, também, deve merecer lançamento do IPTU sobre a base de cálculo compatível com a realidade imobiliária, e não, simplesmente, considerar o valor venal que resulta da aplicação do valor unitário do metro quadrado de um imóvel em condições normais, conforme prescrição da lei de regência da matéria (PGVs). No ato de lançar há de se atentar para a realidade e não aplicar generalizadamente o valor unitário de metro quadrado de um imóvel em condições normais.
Sabe-se, por exemplo, que ao longo da marginal do Rio Pinheiros (zona 1) há imóveis que estão situados no topo de talude, o que lhes retira o valor comercial, considerando que o local é de intenso ruído e só se pode construir imóveis residenciais. Nesses casos, impõe-se a revisão do lançamento, para adequar a base de cálculo à peculiaridade local, por provocação do interessado.
Como se vê, a questão objetivada pela PEC 482/10 resolve-se no plano de aplicação da legislação tributária. Não é caso de imunidade, ainda que a propositura vise escopo político-social relevante.
SP, 2-6-10.
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