Passei por todas as etapas do telefone, desde o tempo em que tínhamos de acionar a manivela para falar com a telefonista. Cabia a essa diligente profissional completar a ligação. As telefonistas eram tão atenciosas que nos poupavam às vezes do trabalho de constatar que a pessoa, com quem queríamos falar, não estava em casa. Antecipavam a informação: fulano de tal viajou, só volta depois de amanhã.
Pouco a pouco o falso progresso foi tirando a poesia dos antigos serviços de telefonia até chegarmos ao absurdo de hoje, quando as telefonistas foram substituídas por gravações.
Antigamente não havia também contagem de tempo nos telefonemas. O usuário pagava apenas o impulso, falasse durante um minuto, ou falasse por dez minutos. O telefone era então um remédio contra a solidão. Qualquer pessoa, que tivesse um telefone (ou que utilizasse o aparelho de um vizinho), podia conversar, por tanto tempo quanto seu coração pedisse, com aquela outra pessoa que lhe faria companhia, graças ao invento de Alexander Graham Bell ou Antônio Meucci. Coloco o nome dos dois cientistas porque alguns pesquisadores negam a Graham Bell a glória do invento, afirmando que Bell aperfeiçoou o aparelho que Meucci tinha concebido. Mas isso é outra história.
Pois bem. A solidão é um estado de espírito que pode atingir qualquer ser humano. Carlos Drummond de Andrade a traduziu em versos ímpares quando disse, num dos seus poemas, que se sentia solitário no Rio de Janeiro de dois milhões de habitantes, a população da cidade na época em que o poeta escreveu os versos, ou a população que o poeta imaginou na sua liberdade infinita de criação.
Eu me referi até agora a coisas de antigamente, tempos de mais doçura e menos pragmatismo.
Mais eis que de repente chegam os inimigos da sensibilidade e da poesia, esse povo que só conhece números, contas, cifras. Essa gente inventa de marcar tempo para os telefonemas, como se fosse possível fixar cota de oxigênio, cota de sonho, tempo marcado para contemplar o mar ou sorver o luar.
Entende-se que o telefone comercial esteja sujeito a registro de tempo porque o seu uso gera lucro e a utilização ocorre, predominantemente, no denominado horário comercial.
O telefone residencial (ou o telefone celular de uso privado) é coisa totalmente diversa. O telefone particular possibilita o encontro de almas: o namorado fala com a namorada; o filho fala com o pai; a viúva conversa com a amiga; o jovem, que descobriu o número da moça bonita, inicia a conquista através da palavra. Como é possível que esse tipo de conversa tenha tempo marcado? Como é possível correr contra a voragem do tempo para dizer que se ama, que os olhos da amada são favos de mel, ou que se sente saudade, ou que se fez um saboroso doce de abóbora, ou que se chora?
Pobre pseudo-civilização que abandonou a substância da vida pretendendo que os homens sirvam às coisas.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. E-mail: [email protected].
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