Rafael Bussamra, motorista do veículo que atropelou e causou o óbito de Rafael Mascarenhas, filho de Cissa Guimarães, atriz da Globo, foi denunciado pelo Ministério Público por homicídio doloso e outros quatro crimes que enredaram esse fatídico episódio.
Desde o evento, a TV Globo vem de forma contundente e sem descanso noticiando passo a passo a evolução das investigações policiais, desfechando, parcialmente, no indiciamento e denunciação de Rafael Bussamra por crime de homicídio em sua forma dolosa, ou seja, com a intenção de matar, o que representa em números de 06 a 20 anos de reclusão.
È certo que ao juiz lhe é cediço o princípio do livre convencimento motivado diante da legislação conglobada, das provas e indícios da autoria de um crime. E qual motivação maior do que diariamente se ver noticiado pela TV Globo a repetição do fato em si, as fotos e vídeos da vítima ainda vivo e depoimentos dos mais diversos, ressaltando a violência do evento, a saudade da família e dos amigos, e por fim o pedido de punição.
Veículo, velocidade, álcool, drogas, imprudência, tudo condimento para o mesmo fim, a morte. Mas muitos são os entendimentos jurídicos para enquadrar essa conduta – matar. Melhor, muitas são as motivações para ensejar os mais diferentes enquadramentos.
Acompanhe.
Em 1995 o badalado jogador de futebol Edmundo, o “animal”, ao sair de uma boate no Rio de Janeiro, ofertou carona à menor de 16 anos, Joana Martins Couto e a sua amiga de 21 anos, Deborah Ferreira da Silva, para irem a um bar na Lagoa. No caminho, o carro do jogador se chocou com o Uno conduzido por Carlos Frederico Pontes, de 24 anos. O carro de Edmundo capotou diversas vezes, ficando com as rodas para o ar. O Uno foi arremessado a 30 metros e colidiu com um poste.
Restaram mortos no Uno, o condutor, Carlos Frederico e a carona Alessandra Cristina Perrota, de 20 anos, sua namorada. Joana, a menor de 16 anos, também morreu. Deborah quebrou a bacia, a quinta vértebra da coluna e por milagre não restou paraplégica. Os demais sofreram escoriações.
O famoso jogador não fora denunciado por homicídio doloso. Tão somente fora denunciado por homicídio culposo, ou seja, sem a intenção de matar. O mesmo entendimento acompanhou o judiciário. Representar-se-ia em números a possibilidade de 01 a 03 anos de detenção.
Edmundo, então, fora condenado em 1999 por homicídio culposo, por três vezes, e por lesões corporais culposas, também por três vezes, lhe rendendo em seu desfavor uma pena, somada aos dois tipos penais, de 04 anos e 06 meses de detenção, em regime semi-aberto. Devido à pequena e branda punição, o jogador sequer fora preso, estando ainda em liberdade, devido a reiterados recursos. Hoje, a execução de sua pena, em tese, já se encontra prescrita.
Um caso mais recente.
Em salvador, mais precisamente nas proximidades do Tribunal de Justiça, o Juiz Benedito Conceição dos Anjos, chocou seu veículo contra o motociclista Anderson Jorge dos Santos, em outubro de 2009, matando-o.
O Juiz, ao fazer uma manobra proibida, para adentrar ao Tribunal de Justiça, atropelou o jovem motociclista de 31 anos de idade que conduzia sua motocicleta na via. O juiz não foi preso em flagrante. E, passados 11 meses do homicídio, sequer há denúncia em desfavor do magistrado.
Três casos de homicídio no trânsito. Três enquadramentos. Três justiças. Jovens vidas ceifadas.
Rafael – matou uma pessoa e em menos de 02 meses se viu denunciado por crime que poderá levá-lo preso a 20 anos de reclusão.
Edmundo – matou 03 pessoas e feriu outras tantas. Dentre os mortos, uma menor de idade. Viu-se denunciado e condenado por homicídio sem intenção de matar. Mais de uma década depois da sentença, está e permanecerá em liberdade.
O Juiz – matou uma pessoa. Onze meses após o crime, sequer fora denunciado.
Nos dois últimos casos, não houve “masturbação” midiática no sentido de punição aos culpados. Tão somente o acompanhamento jornalístico. Resultado prático, três posicionamentos diversos e uma justiça. Uma justiça capaz de enxergar o mesmo fato – matar ao volante, com apenas um dos olhos vendados. Justiça?!
O código de transito brasileiro tão somente tipifica o homicídio na direção de veículo automotor em sua forma culposa, art. 302, com detenção de 02 a 04 anos. Destarte, analisando o fato de forma conglobada, eis que o art. 121, caput, do código penal, trás incurso a famigerada conduta em tela. Ao beber e dirigir, ao dirigir em altíssima velocidade, ao trafegar realizando manobras proibidas, o motorista assume o risco de produzir o resultado fatídico.
Essa foi a interpretação do Ministério público e do judiciário no caso de Rafael Bussamra, que não é famoso jogador, não é ídolo nacional, nem tampouco par do judiciário. Bussamra se fez desafeto da Globo. E a Globo impôs a justiça, a justiça midiática.
Tecnicamente, se formos buscar os fundamentos pragmático-jurídicos, adentraríamos noutra discussão, qual seja, o homicídio ao volante frente à culpa consciente.
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