Sigilo é o direito ou a obrigação de manter-se fora do conhecimento de terceiros o que, por determinação legal ou por decisão judicial, deve ficar restrito apenas ao conhecimento de determinadas pessoas. Já a privacidade é um direito de titularidade de uma ou mais pessoas que detenham, por participarem do ato, o conhecimento de algum fato, circunstância ou segredo que só a elas interessa. Este direito não gera obrigação dos detentores da informação no que se refere a não divulgar informações sobre a privacidade que compartilham, exceto quando contratarem esta obrigação, ou se a divulgação causar danos morais para aquele com quem compartilhamos uma relação que deve ser mantida em privacidade.
Uma conversa telefônica, por exemplo, é parte da privacidade das duas ou mais pessoas que dela participam. Somente elas, por conseguinte, podem revelar o conteúdo da conversa. Este direito à privacidade, tal qual ocorre com nossas correspondências, é garantido por lei.
Por esta razão, quando um terceiro tem acesso à gravação de uma conversa ou carta sem ter uma autorização legal ou judicial, ele viola a privacidade, gerando, contra si, obrigação de indenizar às vítimas da violação, da mesma forma que deve responder criminalmente pelo seu ato ilícito. Igual acontece em relação aos sigilos bancário ou fiscal, em que os dados sobre ganhos, patrimônio, dependentes, despesas dedutíveis, endereço e qualificação completa são informações que devem ser compartilhadas exclusivamente entre cliente e banco ou contribuinte e fisco. Também as informações contidas em processos judiciais ou até mesmo policiais devem ser muito bem protegidas, porque sua violação pode acontecer a qualquer tempo. Os registros destes ficam arquivados “ad eternum”, permanentemente expostos a centenas de pessoas que têm acesso desordenado e descontrolado a senhas e chaves de arquivos, físicos ou digitais.
Por isso é crime de “violação da privacidade” o acesso não autorizado ou injustificado deste dados, mesmo que por parte de funcionários da receita, promotores, juízes, policiais e autoridades de qualquer espécie. Quando estes dados são repassados a terceiros sem autorização, se diz haver “quebra de sigilo”.
É importante discorrer sobre estes aspectos para que todos reflitam a partir de um argumento geral sobre questões que somente tomamos conhecimento por meio de jornais e televisão, dando impressão aos mais apressados que a “quebra de sigilo”, de qualquer espécie, um dia poderá tornar vítima qualquer um de nós, um familiar, um amigo ou a empresa em que trabalhamos. Por esta razão, a violação de informações protegidas por lei não deve ser tolerada sob qualquer hipótese. Nenhuma exceção justifica a prática ilegal.
Se não evitarmos os fatos presumidamente de exceção, damos causa à prática de comportamentos imorais que, mais tarde, podem ser utilizados como justificativas e comparações para absolver ou tornar menos importante outras violações também igualmente ilegais. Nunca se sabe quando a ilegalidade pode estar à frente de nossa porta, tornando-nos vítimas de uma quebra de sigilo que antes não condenamos exemplarmente, baseados no frágil argumento de que não percebemos antes porque não era conosco.
O mundo digital criou um fenômeno que está permitindo que diversas pessoas, simultânea e desordenadamente, sem interesse específico - mas todos absurdamente revestidos de poder funcional, donos de senhas e chaves de acesso distribuídos a rodo - acessem informações de pessoas e empresas que passaram a compor bancos de dados das mais diversas espécies, sobre os mais diversos assuntos. Esta desorganização de protocolo de acesso revela uma anarquia que, na maioria dos casos, tem sido tolerada para continuar assegurando, àqueles que coordenam o processo, a prática do acesso antiético, ou seja, não justificado. Trata-se de uma tolerância procedimental extremante perigosa, cuja existência, agora, é “novamente” denunciada por ter atingido a classe política, a qual, no final, é a responsável e usuária desta verdadeira balbúrdia.
É de extrema importância para a manutenção do Estado de Direito eliminar estas circunstâncias, pois se a intenção daqueles que violam informações sigilosas não fosse ruim, há muito estes órgãos já teriam adotado práticas e ferramentas para restringir o acesso aos bancos de dados. Isto é simples, tanto que nas instituições bancárias, empresas de informática, advocacia, engenharia, indústrias, lojas de comércio, entre outras, os bancos de dados são protegidos por senhas com níveis de acesso que exigem do usuário a justificativa do acesso e o número do processo formal que justifica o procedimento, sob pena de trancar a consulta.
Afinal de contas, é impossível pensar que todos cidadãos e empresas em atividade no Brasil possam ter seus arquivos e informações privadas guardados diretamente pelo presidente de um tribunal, como é o caso que acontece com o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (Ricardo Lewandowski), que diz estar guardando em seus arquivos pessoais dados sobre a vida pregressa de nossos candidatos a presidente, com o intuito de evitar que essas informações, boas ou más, sejam utilizadas contra os próprios candidatos.
Isto, sim, é proteção ao sigilo e à privacidade, embora - no caso de candidatos a cargos no Executivo ou Legislativo - muitos afirmem que estes devessem ter suas vidas e informações 100% transparentes, já que escolhem a vida pública, que envolve a administração do dinheiro dos outros, “os eleitores”.
No Brasil, a regra é exatamente o contrário: aqui se esconde o que deve ser público, enquanto se expõe o que é de interesse privado. Temos que aprender a deixar de falar só sobre a denúncia do dia porque, muitas vezes, esta é criada exatamente para que a população se esqueça do escândalo anterior. Todos os casos deveriam continuar nas manchetes enquanto não fossem punidos os responsáveis. Na hipótese contrária, estamos incentivando as práticas ilícitas, até um dia que nós ou nossos filhos sejamos as próximas vítimas.
Portanto, o assunto da “quebra do sigilo fiscal” , seja de um candidato a vice-presidente, de um caseiro, ou contra qualquer um, revela uma continuidade de práticas ilegais. Tudo é uma coisa só, um caso justifica o outro.
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