Introdução
Tramita na Câmara dos Deputados, em caráter conclusivo, o projeto de lei nº 7196/10, de autoria do deputado Márcio França, com o objetivo de regulamentar a guarda de animais de estimação na hipótese de separação judicial ou divórcio litigioso do casal. Supera-se a visão do animal como bem ou objeto e se busca atribuir uma suposta “guarda”, denominada como “posse responsável” àquele cônjuge que apresentar melhores condições para o seu exercício.
O contexto da legislação. A disputa da “guarda” dos animais
É comum que casais, quando da separação judicial ou divórcio litigioso, cheguem a um consenso acerca da divisão de seus bens, mas persistam a discussão com relação ao (s) animal (s) de estimação que possui, haja vista que, muitas vezes, este “bichinho” é tratado como verdadeiro filho.
O projeto foi alvo de diversas críticas e até mesmo gozações, pois muitos entendem que não seria um tema relevante, apelidando-o, inclusive, de projeto da “guarda cãopartilhada”.
Todavia, é inegável que, diante da peculiaridade da situação (não se trata de um simples “bem”), o juiz deve contar com o estabelecimento de critérios objetivos para a decisão, que é exatamente o que pretende o projeto de lei. Hoje em dia, é necessária uma legislação que defina com quem fica o animal no caso do rompimento matrimonial.
Dispõe a justificativa do projeto que esses animais domésticos não poderiam ser considerados como meros objetos na separação ou divórcio, pois merecem tutela do Estado e a fixação de critérios objetivos, razoáveis e específicos para a sua posse:
“O rompimento da sociedade conjugal ou da união estável é um momento muito difícil para um casal, na medida em que surgem inúmeras controvérsias quanto à divisão dos bens, guarda e visitação dos filhos, obrigação de alimentar e, em algumas situações, a posse de animais domésticos. Não são poucos os casos em que esses animais de estimação são criados quase como filhos pelo casal, cuja separação, sendo litigiosa, submete ao Poder Judiciário a decisão sobre as matérias em que não haja consenso. (...) Os animais não podem ser mais tratados como objetos em caso de separação conjugal, na medida em que são tutelados pelo Estado. Devem ser estipulados critérios objetivos em que se deve fundamentar o Juiz ao decidir sobre a guarda, tais como cônjuge que costuma levá-lo ao veterinário ou para passear, enfim, aquele que efetivamente assista o pet em todas as suas necessidades básicas”.
Animais protegidos/abrangidos pela lei
O projeto de lei se refere aos denominados “animais de estimação”.
Tal conceito é amplo, congregando todo tipo de animal que partilha, de modo interativo, um espaço comum com o homem (apenas numa perspectiva redutora, sob a ótica dos animais de companhia, é que teríamos somente cães e gatos).
Pela proposta, animais de estimação são entendidos como aqueles mantidos em cativeiro e sob os cuidados do homem, capazes de estabelecer o convívio e a coabitação por questões de companheirismo, afetividade, lazer, segurança, terapia, etc.
Não há um rol rígido e específico de tais animais, tanto que se permitiria ao juiz avaliar o caso concreto, excetuando a hipótese de propósito de abate.
Pertinente a transcrição do artigo 3º:
“Art. 3º Para os efeitos desta Lei, consideram-se animais de estimação todos aqueles pertencentes às espécies da fauna silvestre, exótica, doméstica ou domesticada, mantidos em cativeiro pelo homem, para entretenimento próprio ou de terceiros, capazes de estabelecerem o convívio e a coabitação por questões de companheirismo, afetividade, lazer, segurança, terapia e demais casos em que o juiz entender cabíveis, sem o propósito de abate”.
A proposta legislativa
De acordo com a proposta de lei, o animal, não mais considerado como objeto (e sim, de certa forma, assemelhado ao ser humano), deve ter a sua guarda (posse responsável) atribuída a quem comprovar ser o seu legítimo proprietário ou a quem demonstrar melhor capacidade para o respectivo exercício. In verbis:
“Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável.
Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação”.
Ora, revela-se como legítimo proprietário aquele que possua a assinatura no pedigree ou um recibo de compra do animal em seu nome, por exemplo.
Quanto à maior capacidade para o exercício da posse responsável, deve ser considerado quem possui maiores cuidados e afinidade com o animal.
Consoante Raphael Sassaki, na reportagem publicada no jornal “Folha de São Paulo” (2010):
“A nova lei propõe que, na falta de dono legal, a guarda possa ser transferida para quem demonstrar maior capacidade de criar o animal, levando em conta inclusive a afinidade entre dono e bicho”.
Além de possibilitar a fixação da guarda unilateral e compartilhada (até mesmo com a fiscalização e a visita por parte daquele que não detém o animal em sua companhia), o projeto de lei estabelece os critérios a serem observados pelo juiz para o deferimento da guarda (artigo 5º): a) ambiente adequado para morada do animal; b) disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e sustento; c) o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte; d) demais condições imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com as suas características.
Segundo o projeto, também pode ser comunicado ao juízo o descumprimento da posse responsável, implicando na redução das prerrogativas atribuídas ao detentor, bem como eventual perda da guarda.
Ademais, poderá o juiz deferir a guarda do animal de estimação a terceira pessoa, na hipótese de entender que nenhum dos cônjuges tem condições de criá-lo. In verbis:
“Art. 6º. (...) § 4º Se o juiz verificar que o animal de estimação não deverá permanecer sob a guarda de nenhum de seus detentores, deferirá-la à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, consideradas as relações de afinidade e afetividade dos familiares, bem como o local destinado para manutenção de sua sobrevivência”.
Por derradeiro, a proposta legislativa estabelece que o cônjuge não perde o direito sobre o animal se contrair novas núpcias (só poderá ser retirado por mandado judicial, uma vez não tratado de modo sadio e conveniente) e que os filhotes advindos dos cruzamentos devem ser divididos em igual número (quando possível) ou em igual montante em dinheiro.
O projeto tramita em caráter conclusivo, precisando apenas ser votado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Conclusão
De maneira detalhada, o projeto de lei nº 7196/10, regulamenta a “posse responsável” dos animais de estimação em caso de rompimento do matrimônio/união estável.
Valendo-se de conceitos de guarda utilizados para crianças e adolescentes, a proposta estabelece critérios objetivos quando o casal não chega a um consenso sobre a futura detenção do animal. A capacidade de cuidado (tempo disponível, ambiente adequado, fornecimento de alimentação, etc) e a afinidade com o “bichinho” são tidas como fatores relevantes.
Não obstante o projeto seja criticado por alguns, é certo que o Poder Judiciário necessita de parâmetros para os casos que, a cada dia mais, se avolumam nas portas da Justiça.
Bibliografia
NASCIMENTO, Gilberto. Projeto regula guarda de animal de estimação em caso de divórcio. Disponível em http://robertomarinhoguimaraes.blogspot.com/2010/07/projeto-regula-guarda-de-animal-de.html Acesso em 06.out.2010.
SASSAKI, Rapahel. Projeto estabelece guarda de animais de casal divorciado. Artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo” e no “AASP Clipping”. Disponível em http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=8570 Acesso em 06.out.2010.
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