Dos fatos
A mídia escrita, eletrônica e televisiva, noticiou a intolerância religiosa alegada pela Ioalorixá e líder do assentamento Dom Helder Câmara, em Ilhéus - BA, Bernadete Souza, quando no dia 26 de outubro último prepostos da Polícia Militar lhes deram voz de prisão em virtude do cometimento do crime de desacato, esculpido no CP em seu art. 331, com pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, durante incursão naquele assentamento.
O fato ganhou notoriedade nacional, pois a Ioalorixá, no momento de sua condução, alegou ter incorporado o Orixá Oxossi, havendo entre outros atos contínuos, a inaceitável intolerância religiosa. Com esse discurso, e supostamente em tese a ocorrência do crime de injúria qualificado pela religião, esculpido no CP em seu art. 140, § 3º, com reclusão de um a três anos e multa, o fato ganhou conotação política, sendo noticiado audiência pública na Assembléia Legislativa da Bahia – Comissão de Promoção da Igualdade e reunião com o Governador do Estado, contando com lideranças do movimento negro, sem-terras e parlamentares, além dos secretários César Nunes (Segurança Pública) e Luiza Bairros (Sepromi), o delegado-chefe da Polícia Civil, Joselito Bispo e o comandante geral da PM, coronel Nilton Mascarenhas.
No dia 26 último, ainda, os membros da Comissão da Igualdade da Assembléia Legislativa estiveram reunidos na Câmara de Vereadores de Ilhéus, com representantes da polícia, Ministério Público, terreiros de candomblé, entidades sindicais e de proteção à cultura. O tema, a intolerância religiosa sofrida por Bernadete Souza.
Da contradição religiosa
Fui procurado por um Babalorixá velho e experiente no Santo, que, estarrecido com todas as notícias veiculadas pela mídia, desabafou em prol da religiosidade e tradição do candomblé e, principalmente, da justiça.
Segundo Ele, por respeito às tradições e questões do candomblé, entre a 4ª feira de cinzas e a meia noite da 6ª feira santa todos os terreiros estão fechados, com os Orixás cobertos com panos brancos. O mesmo acontece entre os dias 1º de novembro a 1º de dezembro, onde por respeito ao mês dos Eguns – mês dos mortos, todos os terreiros estão fechados, não havendo nenhum tipo de incorporação.
Continua o Babalorixá aduzindo que seria impossível no mês de novembro haver qualquer tipo de incorporação, o que se vislumbrou na reconstituição realizada pela polícia no assentamento em tela no decorrer do mês de novembro. A vítima Bernadete incorporou o Erê, orixá que representa uma criança, e que jamais incorpora no mês dos mortos. “É impossível”, concluiu.
O Babalorixá velho e experiente no Santo ainda nos trouxe outra informação contraditória. Eis que a vítima, se dizendo incorporada pelo Erê, se dirigiu ao Coronel da Polícia militar, ali presente, por sua patente, o que é impossível na religião e tradição do Candomblé. Informa que no candomblé os orixás apenas conhecem e reconhecem as graduações de Tenente, Capitão e General. Desabafa o Babalorixá – “Como então o orixá tratou o oficial por sua graduação de Coronel?”.
Ademais, como poderia, conforme noticiado pela imprensa, estar havendo culto se a vítima, Bernadete, foi conduzida à delegacia de polícia vestindo short e camiseta? Conclui, o Babalorixá, apreensivo.
Considerações finais
A Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, VI, que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Destarte, não se estende essa interpretação à garantia da liberdade de culto fora dos locais de proteção dessa norma.
Dessa forma, não é cediço ao cidadão alegar estar em transe religioso fora do local adequado e protegido pela norma, seja igreja, templo, centro, terreiro ou qualquer outro local religioso, na busca de proveito particular em detrimento de ordem judicial, policial ou de qualquer servidor público no cumprimento de seu dever estatal. A inobservância deste preceito seria uma temeridade social e jurídica.
A Intolerância religiosa, como qualquer outra demonstração de intolerância, seja, racial, sexual etc., deve ser expurgada pelo Estado. Porém, o Estado não deve abraçar uma causa sem que antes se verifique o mínimo de procedência das informações. Trata-se da segurança jurídica e social.
Para que não paire dúvida alguma, sou adepto à doutrina Kardecista e respeito todas as demais tradições e religiões. Esse texto tem embasamento tão somente técnico e em nada se assemelha à questão religiosa.
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