Em valioso artigo publicado no sítio http://tributário.net, em 10 de dezembro de 2010, o ilustríssimo Kiyoshi Harada brada contra suposto esforço do governo em recriar a sepultada CPMF.
Conforme Harada: “O que, na verdade, está atrás dessa teimosia governamental de recriar a CPMF é o desejo de, simplesmente, aumentar a arrecadação tributária em nível que permita a realização de despesas públicas de forma desordenada e sem limites. O setor de saúde tem sido utilizado como mero instrumento para atingir esse fim ilegítimo”.
Para o autor, o renascimento da indigitada contribuição trata-se de atitude repugnante da política de situação, haja vista a inaptidão de tal tributo para solucionar, com efetividade, a tão conhecida problemática do sistema de saúde no Brasil, bem como por configurar afronta a princípios e comandos constitucionais.
Ousamos – humildemente – discordar do mestre em alguns pontos, principalmente quando pondera acerca da elevadíssima carga tributária nacional, e tecer as seguintes considerações.
Em primeiro lugar, devemos nos despir de quaisquer ideologias político-partidárias ao cuidar do assunto – e em tal mister o insigne tributarista se houve exemplarmente. Isto porque é natural a todo governo a ânsia arrecadatória, em termos legítimos, para a consecução das políticas públicas defendidas.
Assim, a política de oposição de hoje – veementemente contrária à recriação da contribuição – é a mesma que outrora representava a situação, tendo aprovado e reeditado a CPMF ao arrepio, inclusive, de princípios de índole constitucional.
Já o atual governo, quando era oposição, posicionava-se contra a CPMF e, hoje – dizem –, cogita recriar o tributo.
Os papéis na política se invertem, o que até é compreensível em um Estado Democrático tão plural como o nosso, mas não podem faltar, em caso algum, coerência e observância aos preceitos jurídicos constitucionais.
De fato, a carga tributária brasileira é elevada, isso não é novidade. Mas a controvérsia quanto à instituição de “novo” tributo não se restringe a tal constatação que, de longe, não configura o maior problema do país na seara fiscal. A grande questão sempre foi a contrapartida oferecida pelo Estado em decorrência do pagamento dos tributos. Esta sim, é problemática, a despeito do inegável progresso observado nos últimos anos – não apenas por decisões e providências dos que ocupam as cúpulas de poder, mas muito graças ao amadurecimento do senso de cidadania da população.
Em abono do que se aduz, realizou-se no mês de Novembro, em Fortaleza, Ceará, o V Congresso Ibero Americano de Direito Tributário, com a presença de ilustres autoridades da área, inclusive palestrantes da Espanha e da Holanda. Pois bem, em brilhante exposição, traçando um paralelo entre os sistemas tributários brasileiro e holandês, o professor Marcel Van der Waal demonstrou que a carga tributária em seu país natal é bem mais elevada que no Brasil, todavia, aqui, a maioria da população não tem acesso a serviços públicos com dignidade. E para isso devem ser mobilizados os esforços de toda a sociedade.
Com efeito, não se pode aquiescer com a conduta de alguns setores empresariais que diariamente, e sem descanso, culpam a carga tributária por toda a sorte de mazelas e dificuldades econômicas e sociais do país. Exemplifique-se com o estardalhaço realizado por alguns proprietários de postos de combustível que, uma vez por ano, decidem vender gasolina sem a incidência de tributos, na tentativa de aliciar a opinião pública em prol da diminuição da carga fiscal, defendendo a idéia de que, não fossem os tributos, os combustíveis seriam vendidos ao consumidor por menos da metade do preço praticado.
Não é necessário ser um expert em Economia para saber que o tributo é embutido no preço do produto, tratando-se de custo deste, mas que, em último caso, o Mercado é responsável pelo preço final. A diminuição de “x” por cento da carga tributária não equivale, necessariamente, à diminuição, exatamente proporcional, no valor de mercado do bem de consumo. Existem diversos fatores e variáveis outras a serem considerados. Além disso, se todos pagarem corretamente os tributos devidos, respeitada estará a livre concorrência e o Princípio da Isonomia. Afinal, a carga tributária pode até ser elevada, mas é “igual” pra todo mundo.
Voltando para o caso específico da CPMF, são inúteis as alegações de que sua recriação oneraria ainda mais a carga tributária (a qual já é insuportável para ao cidadão e a indústria nacional) ou de que se trata de imposto inominado com destinação específica, ao arrepio do art. 167, VI, da Constituição. Na verdade, a questão de fundo é outra, e reside no dever de fiscalização e cobrança a ser exercido por todo cidadão, em relação ao representante que ele escolheu para implementar as políticas em que acredita.
Nesse ponto, irretocáveis as palavras de Harada quando afirma que “A falta de recurso da saúde é fruto do desvio de verbas, a exemplo dos precatórios ‘impagáveis’, cujas verbas são objetos de desvios planejados e programados”.
Ressalte-se que a CPMF, por ter alíquota tão exígua, não configura efetivo “prejuízo patrimonial” ao cidadão comum, além de traduzir-se em valiosa ferramenta de fiscalização para a Administração Tributária. Para o setor empresarial, é verdade, mesmo com diminuta alíquota, os valores devidos podem assumir quantias vultosas, mas tal questão é facilmente resolvida com a implementação de alíquotas e bases de cálculo diferenciadas por setor de atividade.
O retorno da CPMF, por si só, não caracteriza malefício e nem atraso do ponto de vista social – desde que realizado com a completa observância das regras correlatas, por certo -, a não ser que os cidadãos permaneçamos mais obcecados em quantificar o valor despendido com o pagamento do tributo do que em fiscalizar o efetivo aproveitamento deste para a finalidade fundamentadora de sua instituição.
REFERÊNCIAS:
- HARADA, Kiyoshi. Recriação da CPMF. Artigo disponível em http://tributario.net. Acesso em: 10.12.2010.
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